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Poderoso, Milton Leite decide até direções de rua na CET: 'Cumpra-se'

Milton Leite (União Brasil), presidente da Câmara Municipal de São Paulo desde 2020, interfere em várias frentes da administração pública, que cabem à prefeitura da capital.

O vereador, considerado o político mais poderoso da cidade de São Paulo, faz isso indicando aliados a cargos em órgãos públicos. Suas demandas são tratadas como ordens, dizem fontes ouvidas pelo UOL.

Na Companhia de Engenharia de Tráfego, por exemplo, ele já pediu a mudança de direção de uma rua no Lauzane Paulista, zona norte de São Paulo.

A interferência ocorreu na avenida Coronel Manuel Py, uma via estreita de casas simples, muitas delas abandonadas.

A reportagem teve acesso a documentos que mostram um custo de R$ 21 mil ao órgão por essa operação.

A CET informa que a alteração foi implantada após abaixo-assinado dos moradores.

Um gestor com mais de 20 anos de empresa disse à reportagem que, às vezes, algo precisa ser feito apenas porque foi pedido pelo vereador.

Leite nega qualquer interferência no Executivo.

Entre seus aliados na companhia estão Jair de Souza Dias e Eder Carlos de Souza, segundo o UOL apurou.

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A reportagem questionou como eles definem o relacionamento com o político, mas não obteve resposta.

Agente da CET orienta trânsito na avenida Brigadeiro Luis Antônio, na região central de SP
Agente da CET orienta trânsito na avenida Brigadeiro Luis Antônio, na região central de SP Imagem: Alexandre Maretti/Folhapress

Roda gira na CET

O tecnólogo Jair de Souza Dias presidiu a CET entre 2019 e 2023.

O UOL apurou que Dias caiu no fim de agosto de 2023 porque a CET perdeu um prazo importante para políticos próximos ao sindicato de motoboys.

A companhia deveria ter mandado até essa data dados para a Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito) para viabilizar a expansão do projeto piloto Faixa Azul.

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Entre os políticos interessados nesse projeto estava Ricardo Teixeira (União Brasil), correligionário e aliado de Leite.

O engenheiro Hemilton Tsuneyoshi Inouye assumiu a presidência. Até ser nomeado, ele era sócio de Dias na Via Expressa Engenharia.

Eles continuaram sócios na Via Expressa Revistaria e Conveniência. Procurada, a CET informou que eles não têm mais sociedade ativa.

À época, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse à imprensa que não via conflito de interesses. Nos bastidores da CET, a informação é que Leite bancou a nomeação.

Trecho da Faixa Azul para motos na avenida dos Bandeirantes, na zona sul de SP
Trecho da Faixa Azul para motos na avenida dos Bandeirantes, na zona sul de SP Imagem: Marcelo Goncalves/Folhapress

Faixa Azul

O projeto consiste na criação de uma faixa para motociclistas que o órgão define como "sinalização de segurança".

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"Acabei de autorizar a extensão da Faixa Azul para mais 220 km. Isso é experimental, algo inédito no Brasil", anunciou Nunes em janeiro de 2023.

"Depende de autorização da Senatran, mas com os resultados que a gente teve aqui, sem óbito, é óbvio que teremos a autorização", acrescentou.

A CET não publica números de acidentes de trânsito desde 2021.

Esse dado é importante para avaliar a efetividade do Faixa Azul.

O UOL pediu via Lei de Acesso à Informação os estudos da CET que embasaram o Faixa Azul.

A resposta foi um link para uma página inexistente e relatórios corporativos.

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A reportagem também pediu dados sobre acidentes.

A companhia respondeu com informações de 2016 a 2021 e atribuiu a ausência de dados sobre os anos seguintes a "falhas" nos arquivos da Secretaria de Segurança Pública.

"A fim de dar continuidade à série histórica de sinistros, estamos desenvolvendo nova metodologia", acrescentou a empresa.

Segundo o Infosiga, uma ferramenta do governo do Estado, entre janeiro e maio deste ano houve 411 vítimas no trânsito de São Paulo, revelou a Folha.

Isso representa um aumento de 23% em relação ao mesmo período do ano passado.

Por tipo de veículo, os motociclistas foram os mais atingidos: 186.

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Placa na avenida Luiz Dumont Villares, zona norte, para autódromo de Interlagos, zona sul
Placa na avenida Luiz Dumont Villares, zona norte, para autódromo de Interlagos, zona sul Imagem: Roberto Casimiro/Fotoarena/Folhapress

Interlagos

Eder Carlos de Souza é superintendente de tecnologia na área de sinalização e tecnologia da CET. Ele também é aliado de Milton Leite.

Atualmente, há mais de 400 placas espalhadas por São Paulo indicando direção do autódromo de Interlagos, na zona sul.

A prefeitura gastou, até setembro do ano passado, quase R$ 2,4 milhões em 403 sinalizações.

Os dados foram obtidos pelo UOL via Lei de Acesso à Informação.

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A prefeitura afirmou à época que as sinalizações fazem parte de um programa de orientação do tráfego para identificar os principais pontos turísticos da capital.

O UOL perguntou à SPTuris quais são os principais pontos turísticos da cidade. O departamento respondeu que não possui um ranking nesse modelo.

Procurada, a CET justificou que o autódromo recebe eventos como Fórmula 1, Stock Car, Lollapalooza e The Town.

"Esses eventos atraem enorme contingente de público de outras cidades, estados e até países, que chegam a São Paulo de diferentes formas. A sinalização tem o propósito de atender a essas pessoas."

Há placas indicando Interlagos na zona leste, a 39 km, e na zona norte, a cerca de 30 km do autódromo.

A distância entre o ponto turístico e as vias onde as placas foram instaladas surpreendeu técnicos da CET.

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A reportagem perguntou quais são as distâncias mínima e máxima entre o ponto turístico e o endereço de instalação de placas turísticas de acordo com as regras da CET, mas o órgão não respondeu.

O UOL apurou que foi mais um dos casos de "cumpra-se": não fazia sentido do ponto de vista técnico, mas foi tratado como uma ordem.

Souza é sócio da Meds Serviços e Soluções, que integra consórcios relacionados a mais de 10 CNPJs citados nos contratos referentes ao autódromo de Interlagos.

Os contratos foram obtidos via LAI.

Entre esses CNPJs está o de uma empresa de Palhoça (SC), a mais de 700 km de São Paulo.

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