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Benedita e Freixo destinam verba a ONG suspeita de desvios ligada a petista

A deputada Benedita da Silva e o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, ambos do PT do Rio de Janeiro, direcionaram R$ 2 milhões em emendas parlamentares para projetos de uma ONG que tinha como diretora uma pré-candidata pelo partido nas eleições deste ano.

Lorena Zacarias, conhecida como Lorena Madrinha, exerceu até junho o cargo de diretora-executiva da ONG Promacom.

Ela chegou a anunciar que disputaria a Prefeitura de São João de Meriti (RJ), na Baixada Fluminense, mas retirou a pré-candidatura.

O UOL identificou indícios de que a ONG usou os recursos das emendas de Freixo (R$ 1,1 milhão) e de Benedita (R$ 977 mil) para repasses a empresas de fachada e pagamentos de serviços sem a devida comprovação.

As emendas são de 2022. Freixo era deputado federal na época. Os projetos começaram a ser executados no segundo semestre de 2023.

O projeto bancado com recursos destinados por Benedita — rodas de conversa sobre a questão racial — teve pagamentos suspensos por decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) em janeiro.

Auditores afirmaram haver "claros e suficientes indícios de que os valores públicos podem estar sendo mal utilizados".

A Promacom é uma das ONGs suspeitas de desvios de recursos que recebeu, entre 2021 e 2023, quase meio bilhão de reais em emendas parlamentares, conforme o UOL revelou na série de reportagens "Farra das ONGs".

Freixo disse ao UOL que acompanha de perto os projetos parceiros, mas que também cabe aos órgãos federais a fiscalização.

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Após a publicação da reportagem, a assessoria de imprensa de Benedita da Silva afirmou que "todos os parlamentares fazem indicação de emenda, que é baseada na apresentação técnica dos projetos que têm o objetivo de atender as necessidades da população" e que, caso haja indícios de mau uso de recursos, "cabe aos órgãos competentes de fiscalização apurar, e se tiver comprovação, aplicar as penalidades cabíveis".

A Promacom informou que os repasses estão sob análise.

Pré-candidata no comando de ONG

No papel, a Promacom teve como presidente a mãe de santo Bárbara Carlos, mas era Lorena Zacarias quem se apresentava publicamente no comando da ONG.

Lorena se apresentou nas redes sociais como pré-candidata, mas se retirou da disputa alegando que seu desempenho nas pesquisas ficou abaixo do esperado pelo PT.

Ela já fez campanha para Benedita e divulgou em julho que a deputada é uma das suas principais referências na política.

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Questionada se teve influência na captação de recursos da emenda de Benedita, Lorena disse que a parlamentar sempre foi "amiga dos trabalhadores".

Lorena teve cargo de assessora no gabinete de André Ceciliano, ex-presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do RJ) em 2020.

Ceciliano trabalhou no governo Lula (PT) até junho: foi secretário especial de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais.

Entre fevereiro de 2023 e junho deste ano, Lorena acumulou o cargo de assessora no gabinete de Andrezinho Ceciliano (PT), filho do ex-presidente da Alerj, com o trabalho na ONG.

Pai e filho apoiaram publicamente a pré-candidatura de Lorena.

Segundo eles, "Lorena é uma liderança política reconhecida na Baixada e desempenhava nos dois gabinetes o papel de fazer a interlocução dos mandatos junto a entidades, famílias e pessoas com deficiência, além de contribuir na proposição de projetos de lei, agendas e consultoria parlamentar".

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Eles dizem que o trabalho dela na ONG não atrapalhava sua rotina na Alerj.

Para Lorena, é "absolutamente normal" conciliar o trabalho na ONG com outra área.

Lorena Zacarias, a Lorena Madrinha, em peça publicitária do PT
Lorena Zacarias, a Lorena Madrinha, em peça publicitária do PT Imagem: Divulgação

As respostas de Lorena foram enviadas ao UOL por seu marido, o também petista Paulinho do Sindicato.

Paulo Sérgio Henriques Aguiar se candidatou a prefeito de São João de Meriti pelo PT em 2020, mas não foi eleito.

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Com bom trânsito entre parlamentares de centro e de direita, Paulinho é tido como o articulador da captação de recursos de emendas para a Promacom, segundo fontes ouvidas pelo UOL.

Paulinho do Sindicato e André Ceciliano
Paulinho do Sindicato e André Ceciliano Imagem: Instagram/Reprodução

Entre 2021 e 2023, a ONG conseguiu R$ 39 milhões em emendas para projetos principalmente de qualificação profissional. A maioria (R$ 21 milhões) foi destinada a partir de emendas da bancada do RJ.

A Promacom negou a participação do casal na captação de recursos.

"Nosso histórico de entregas de capacitação em áreas de baixo IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] é o principal ativo que temos. Não reconhecemos e nem temos conhecimento de qualquer lobby ou lobista trabalhando para Promacom", disse a ONG.

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Paulinho afirmou que luta para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores e que o fato de a "companheira ter trabalhado na Promacom é um detalhe diante disso".

Contrato na mira do TCU

Técnicos do TCU constataram no projeto com recursos direcionados por Benedita práticas semelhantes às identificadas pelo UOL nas reportagens sobre as ONGs suspeitas, que inclui a Promacom.

Os auditores desconfiaram de um contrato de R$ 795 mil assinado em outubro pela Promacom com a FG Silva Ferreira Serviços de Bufê e Artigos Esportivos.

A empresa, contratada para realizar rodas de conversa sobre a questão racial, havia sido criada menos de dois meses antes.

Os problemas surgiram já no edital de contratação, que não detalhou os serviços a serem prestados, segundo relatório do TCU.

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Na execução, também faltaram provas de quais materiais e serviços previstos foram entregues, segundo os auditores.

Os técnicos apontaram inconsistências no relatório produzido para justificar o pagamento de R$ 198 mil do primeiro evento — ele foi realizado no Morro da Mangueira, mas as fotos eram de uma oficina na sede da Promacom, em São João de Meriti.

Trecho de relatório do TCU sobre projeto da ONG Promacom
Trecho de relatório do TCU sobre projeto da ONG Promacom Imagem: Reprodução

O UOL apurou que a empresa FG Silva pertence a Fabio Gleyson Silva Ferreira, pernambucano que se mudou para o Rio para auxiliar o filho a iniciar a carreira de jogador de futebol.

A reportagem esteve na sede da empresa, no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio, mas foi informada por uma secretária que o endereço servia apenas para abrigar o CNPJ, sem que representantes frequentassem o local.

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O UOL também enviou email para Ferreira, mas não houve retorno.

Desde que foi criada, a FG Silva assinou três contratos totalizando R$ 2,3 milhões com a Promacom para serviços de impressão de material didático, seleção de equipe técnica e eventos.

Nova emenda de Benedita

Em 2023, Benedita destinou uma nova emenda, de R$ 1 milhão, para a Promacom — os trâmites estão em fase final para o projeto começar.

A ONG deve realizar ainda neste ano o Paracambi+Vida, de atividades esportivas e culturais na cidade da Baixada Fluminense.

Berço político de André Ceciliano, Paracambi tem como candidato a prefeito o filho dele, Andrezinho Ceciliano.

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A ex-diretora da Promacom — que já trabalhou no gabinete do candidato —, André e Andrezinho negaram influência política na escolha da cidade.

Empresa de 'filha' de presidente da ONG

Quase metade da emenda de Freixo para a Promacom foi para a empresa PS Assessoria e Gestão (R$ 480 mil).

Um pagamento integral foi feito em março para a criação do Laboratório Fluminense de Políticas Culturais em São Gonçalo, na região metropolitana do RJ.

O relatório que acompanhou a nota fiscal tinha seis páginas, que tratavam basicamente de reuniões internas e visitas a órgãos públicos por cinco pesquisadores.

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O advogado Sérgio Júnior, da PS, afirmou que "o projeto desenvolve diversas atividades de extensão, pesquisa, análise e apoio a políticas públicas culturais e democráticas no território São Gonçalo".

Conforme mostrou o UOL, a PS pertence a Raiara dos Santos Ramos Pereira, uma das "filhas" da mãe de santo Bárbara Carlos, que presidiu a Promacom até julho.

A firma já recebeu R$ 5,7 milhões da ONG, que disse ter suspendido os contratos ainda em vigor após a apuração do UOL.

Freixo diz que acompanha projeto de perto

Em nota, Marcelo Freixo afirmou que, enquanto foi deputado (2019 a 2022), "destinou emendas parlamentares a universidades e instituições de pesquisa no Rio de Janeiro, como UFRJ, UFF, UFRRJ, Uerj, Unirio, IFRJ e Fiocruz, com objetivo de apoiar projetos nas áreas de educação, cultura e saúde pública".

Ele disse que "acompanha de perto a realização das ações" do projeto para o qual sua emenda foi destinada.

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Freixo ponderou, contudo, que também cabe aos órgãos federais de controle a fiscalização da execução do projeto.

Já a Promacom afirmou que os repasses feitos às empresas que apoiaram os projetos estão sob análise (leia mais).

A Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), responsável por acompanhar a execução dos projetos, informou que acatou a decisão do TCU em relação à emenda de Benedita.

Também afirmou que criou uma comissão de monitoramento para analisar os indícios de desvios de dinheiro público apontados pelo UOL (leia mais).

ONG cita Embratur, chefiada por Freixo, para mudar projeto

O processo administrativo referente à emenda de Freixo mostra que o projeto aumentou de valor em relação ao previsto.

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Um documento da Unirio revela que o custo total, estimado em abril de 2023, era de R$ 705 mil. Um mês depois, a universidade reajustou o valor para R$ 1,1 milhão.

O acréscimo foi feito após mudança nos valores de emendas individuais, aprovada pelo Congresso em 2022.

Em novembro, a Promacom tentou mudar o projeto, que não seria mais o Laboratório Fluminense de Políticas Culturais em São Gonçalo, mas o Laboratório Fluminense de Políticas Culturais e Turismo, a ser realizado na cidade do Rio.

A ONG se justifica no pedido de alteração à Embratur dizendo que a capital fluminense é o destino mais procurado por turistas estrangeiros a lazer.

Após parecer contrário da AGU (Advocacia-Geral da União), a Unirio negou o pedido, e o projeto continuou sendo executado com a proposta original.

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