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Conselho de Educação de SP quer reduzir atenção à saúde mental nas escolas

O Conselho Estadual de Educação de São Paulo quer limitar a responsabilidade das escolas nos casos que envolvem a saúde mental de estudantes das redes pública e privada.

Sessão do órgão realizada em 21 de agosto reuniu 18 conselheiros que debateram a criação de um documento com propostas para que as escolas foquem no ensino de disciplinas, que o conselho considera sua função principal.

Nenhum conselheiro se opôs à ideia durante a sessão.

'Pai bebe, mãe dá pra todo mundo'

A sugestão de limitar a responsabilidade das escolas em relação à saúde mental veio na sequência ao suicídio de um aluno bolsista do Colégio Bandeirantes, na zona sul de São Paulo. O jovem de 14 anos morreu no dia 12.

"O movimento começou ontem", informou Rose Neubauer, uma das conselheiras, na sessão do dia 21.

Hubert Alqueres, um dos relatores do documento, é diretor do colégio Bandeirantes.

Mauro de Salles Aguiar, assessor do Bandeirantes e diretor-presidente da escola até o ano passado, também integra o Conselho.

"Não tem nada que ver pôr psicólogo na escola", disse Aguiar, durante a sessão. Antes, em 14 de agosto, ele havia afirmado que "escola não é clínica de psicologia".

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Procurado pelo UOL por meio da assessoria do Conselho, Aguiar não quis dar entrevista.

Uma portaria constituindo uma comissão especial para discutir o tema foi publicada em 23 de agosto no Diário Oficial do Estado de São Paulo.

Durante a discussão do texto da proposta, uma das conselheiras, a educadora Guiomar Mello, disse que o "limite" das escolas "é ensino e aprendizagem".

"Qualquer deslocamento de foco é perda de tempo e de recurso", opinou.

Guiomar afirmou que a escola não tem "competência" para lidar com problemas emocionais de aluno que "vai mal porque a mãe casou com muitos, porque dá pra todo mundo, porque o pai bebe".

"Nas escolas de pobre é isso", disse. "Não dão conta nem da aprendizagem, quanto mais da questão socioemocional."

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Procurada pelo UOL, Guiomar afirmou que "há situações que demandam atendimento sóciemocional e profissional especializado que a escola não está preparada para oferecer, nem é seu papel fazê-lo".

"Acolher, tratar os diferentes em suas peculiaridades, apostar que todos podem aprender e adotar práticas pedagógicas coerentes com essa aposta. Esse é o papel da escola. E também seu limite", escreveu, em e-mail.

Sala de aula de escola da rede pública em São Paulo
Sala de aula de escola da rede pública em São Paulo Imagem: Rodolfo Santos/Getty Images/iStockphoto

'Consenso nacional'

A lei federal 13.935/2019 estabelece que "as redes públicas de educação básica contarão com serviços de psicologia e de serviço social para atender às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação, por meio de equipes multiprofissionais".

A lei ainda precisa ser regulamentada.

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Uma portaria do MEC (Ministério da Educação) instituiu em junho um grupo de trabalho para elaborar as recomendações para a implementação dos serviços.

O documento elaborado pelo grupo deve ser enviado ao Conselho Nacional de Educação, órgão responsável pela produção de normas, até o fim de setembro.

Alexsandro Santos, diretor de políticas e diretrizes da educação básica do MEC (Ministério da Educação), disse ao UOL que "existe um consenso nacional da importância de as escolas estarem atentas às questões de saúde mental".

Ele diz que desconhece iniciativas semelhantes à do Conselho de Educação de São Paulo em outros estados.

O diretor afirmou que os estudantes precisam estar com a saúde mental em dia para aprender bem o conteúdo ministrado pelos professores.

"A escola é o principal espaço de socialização de crianças e adolescentes. Assim, integra uma rede de atenção psicossocial e de proteção a esses jovens", afirma Santos.

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Esgotamento profissional

No documento preliminar elaborado pelo conselho paulista — o texto final será apresentado ao fim dos trabalhos da comissão especial —, os educadores defendem que, ao se "colocar a responsabilidade do cuidado da saúde mental nas escolas, corre-se o risco de tratar essas questões de maneira inadequada".

Argumentam que existe a possibilidade de "estigmatização dos alunos que apresentam problemas, o que pode agravar a situação" e que educadores podem ter esgotamento profissional ao se responsabilizarem pela saúde mental de estudantes.

"A gestão já lida com ensino e aprendizagem, planejamento das aulas e demais responsabilidades pedagógicas complexas."

Indicados pelo governador

A comissão especial tem um prazo de 60 dias — a contar de 23 de agosto — para apresentar o resultado do estudo. A portaria publicada no Diário Oficial estabelece que os conselheiros apresentem a proposta após ouvir autoridades no assunto.

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O texto final será levado ao plenário do Conselho e, uma vez aprovado, poderá se transformar em parecer, indicação ou deliberação, a depender da decisão dos conselheiros.

O Conselho Estadual de Educação de São Paulo é um órgão normativo, deliberativo e consultivo do sistema educacional público e privado do estado.

É formado por 24 conselheiros nomeados pelo governador e está ligado ao gabinete do secretário de educação, conforme estabelecido na lei 10.403, de 6 de julho de 1971.

Sofrimento psíquico

Segundo Alexsandro Santos, do MEC, as secretarias estaduais de educação têm autonomia. No entanto, explicou, o descumprimento de uma norma nacional implica "a responsabilidade do gestor público".

Estados terão que se adequar à norma após a regulamentação da lei 13.935, explica Alexsandro Santos.

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Ele afirma, no entanto, que São Paulo tem oferecido até o momento os serviços de assistência social e psicologia para os alunos da rede pública.

A lei não determina a presença de um psicólogo e assistente social por escola, mas, sim, que o serviço esteja disponível no sistema de ensino.

É possível, exemplifica, que uma dupla de assistente social e psicólogo atenda um grupo de cinco escolas.

"Não significa transformar a escola num espaço clínico, mas prepará-la para que possa reconhecer a situação de sofrimento psíquico", disse Santos.

Em nota enviada ao UOL, a Secretaria de Educação de São Paulo informa que desenvolve projeto de saúde mental nas escolas por meio do Programa de Convivência e Proteção Escolar (Conviva).

"No segundo semestre de 2023, a pasta iniciou o 'Psicólogos nas Escolas', programa inédito na rede estadual com 667 psicólogos que passaram a integrar o quadro das unidades de ensino."

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A secretaria não quis comentar as discussões do Conselho de Educação.

Procure ajuda

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

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