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Operação Escudo: câmeras flagram intimidação de PMs; caso chega à OEA

Logo depois da morte de Layrton Fernandes da Cruz Vieira de Oliveira, 22, durante a Operação Escudo, em Santos (SP), familiares que viviam com ele passaram a relatar ameaças feitas por PMs.

Câmeras de segurança instaladas pelos próprios moradores flagraram, entre outubro de 2023 e agosto de 2024, em 12 ocasiões diferentes, rondas no entorno das casas, no bairro do Jabaquara, e a entrada de PMs nos locais sem mandado judicial.

Os parentes afirmam que, nas últimas aparições, policiais cortaram a rede de internet e furtaram fios e parte das câmeras de segurança.

Layrton Fernandes da Cruz Vieira de Oliveira, morto por PMs do Baep na Operação Escudo
Layrton Fernandes da Cruz Vieira de Oliveira, morto por PMs do Baep na Operação Escudo Imagem: Arquivo pessoal

Segundo os relatos, eles ainda quebraram uma tubulação de água, reviraram objetos pessoais e chegaram a apontar armas de grosso calibre contra três crianças.

"Entravam, empurravam a porta: 'É a polícia, é denúncia!'. Perguntei se havia mandado pra entrar, ele falou: "Nós sai [sic] entrando mesmo e já era. Melhor tu calar tua boca, senão eu vou te forjar e quem vai preso é tu, mano", disse um dos familiares.

Procurada pela reportagem, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou que a Corregedoria da PM analisou as imagens, entregues pela Defensoria Pública de São Paulo, e não identificou irregularidades.

As intimidações geraram um pedido de medidas cautelares escrito pela Defensoria Pública e enviado à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), em Washington, na última quarta-feira (28/8).

A CIDH é o principal órgão da OEA (Organização dos Estados Americanos) para a proteção dos direitos humanos no continente.

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O Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) de Santos e a Polícia Militar investigam o caso, afirmou a SSP.

Medidas cautelares

Em 14 de março de 2024, o Ministério Público de SP solicitou concessão de medida cautelar de urgência para os parentes de Layrton. A Justiça, à época, concedeu.

A investigação foi arquivada em 3 de junho, e as medidas, revogadas, "presumindo que a situação de ameaça e intimidação da família da vítima teria sido cessada com a não responsabilização criminal dos policiais militares envolvidos".

Os defensores públicos pediram, então, proteção das testemunhas pelo Provita (Programa de Proteção de Vítimas e Testemunhas Ameaçadas), que a negou em junho.

Assim, a Defensoria Pública afirmou que "não teve alternativa a não ser buscar em âmbito internacional mecanismos para proteção dos beneficiários das medidas cautelares aqui pleiteadas".

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O órgão paulista pediu à Comissão Interamericana de Direitos Humanos medidas cautelares urgentes para "resguardar a integridade pessoal e a vida" dos familiares de Layrton, assim como "para permitir a continuidade da luta pela responsabilização dos agentes estatais envolvidos na ocorrência".

"Nenhuma outra pessoa ali da região relata tantas invasões na sua residência, com tantas abordagens, como esses familiares", disse ao UOL a defensora pública Fernanda Balera, coordenadora do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos.

Narrativas divergentes

Segundo o BO registrado, os sargentos Matheus Porto Genaro e Alex dos Santos Oliveira, do 8º Baep (Batalhão de Ações Especiais), do Tatuapé, foram ao Morro São Bento, em Santos, verificar "informações sobre a existência de criminosos portando arma longa".

Eles desceram do carro policial na rua Jabaquara com o intuito de subir a favela a pé. No local, a equipe afirmou à Polícia Civil que ouviu um disparo.

Um soldado constatou, em seguida, que havia sido atingido na região pélvica. Os policiais levaram o soldado ferido até a Santa Casa de Santos, onde foi socorrido.

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Marcas de tiro na parede onde Layrton de Oliveira foi morto, em Santos
Marcas de tiro na parede onde Layrton de Oliveira foi morto, em Santos Imagem: Arquivo pessoal

Os PMs voltaram depois ao endereço e, sem mandado, "passaram a realizar uma varredura a cada cômodo individual". Até que chegaram à casa onde Layrton estava com seu cachorro.

Os policiais narraram que foram recebidos a tiros por Layrton, que não acertou nenhum dos PMs.

"Então, os policiais chutaram a porta desse cômodo e se depararam com o criminoso armado, e, para preservarem suas integridades físicas, revidaram", disse a Polícia Civil.

O primeiro-sargento Genaro atirou quatro vezes com uma pistola. O segundo-sargento Oliveira, uma vez, com um fuzil.

Testemunhas e familiares narram uma versão diferente.

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Segundo eles, Layrton estava dormindo na casa de um amigo, após jogar videogame, foi acordado com as agressões e, depois, baleado.

As agressões dos policiais teriam deixado marcas em seu corpo. Quem estava no velório viu — e filmou — o rosto de Layrton com marcas roxas.

A reportagem teve acesso aos vídeos do velório e constatou que havia marcas roxas na testa e nas proximidades dos olhos do ajudante de pedreiro.

Segundo a Defensoria Pública, "o prontuário médico constatou ter a vítima sido encaminhada ao hospital já em óbito. Por sua vez, há indícios de alteração da cena do crime, causando prejuízos à elaboração de laudo pericial de local".

Constatou-se de imediato a incompatibilidade com o exercício da legítima defesa com meios proporcionais e necessários, diante da quantidade, localização e desproporção dos disparos efetuados.
Documento da Defensoria Pública de São Paulo

5 de janeiro de 2024: PMs em terreno de familiares de Layrton, morto na Operação Escudo
5 de janeiro de 2024: PMs em terreno de familiares de Layrton, morto na Operação Escudo Imagem: Arquivo pessoal
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Caso arquivado a pedido do MP

O MP (Ministério Público) sugeriu à Justiça o arquivamento do caso em 3 de junho de 2024 "por entender estar ausente justa causa para a propositura da ação penal", segundo a Defensoria.

A assessoria de imprensa da Promotoria informou que "os motivos do arquivamento estão na manifestação ministerial". O processo, no entanto, está sob sigilo. A reportagem não teve acesso à manifestação.

Sobre as intimidações feitas por policiais militares e flagradas pelas câmeras dos familiares depois da morte de Layrton, o MP afirmou que "a cautelar foi remetida à Justiça Militar para que a investigação prossiga na esfera competente".

"Continuarei até o fim. Ele não devia nada, não tinha nome sujo. Era caseiro, fazia os biquinhos dele, nunca foi a baile, nunca bebeu nem usou nada. Entrar e matar dessa forma? Não aceito", afirmou à reportagem uma familiar.

Promotores pediram o arquivamento de 23 dos 28 procedimentos investigativos criminais instaurados pelo MP para apurar cada uma das mortes cometidas por policiais durante a Operação Escudo.

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A informação foi publicada pelo site Ponte Jornalismo e confirmada pelo UOL.

Até o momento da publicação desta reportagem, a Justiça de São Paulo havia tornado réus oito policiais militares - seis da Rota e dois do Baep - por quatro homicídios durante a ação na Baixada Santista.

A reportagem pediu entrevistas com o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, e com o comandante-geral da PM, o coronel Cássio Araújo de Freitas, que foram negadas.

A Secretaria da Segurança Pública afirmou, em nota, que "a Corregedoria segue à disposição e, em eventuais disponibilizações de novas denúncias ou imagens, investigará rigorosamente".

...e avisa a outros PMs
...e avisa a outros PMs Imagem: Arquivo pessoal
25 de outubro de 2023: PM vê câmera...
25 de outubro de 2023: PM vê câmera... Imagem: Arquivo pessoal

'Padronização de comportamento'

À Comissão Interamericana de Direitos Humanos a Defensoria Pública classificou a Operação Escudo como "uma ação de vingança institucional".

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A defensoria frisou que a ação teve início após o assassinato de um soldado da Rota no Guarujá e que terminou após 40 dias, resultando em 28 pessoas mortas e outras gravemente feridas.

"Os dados apontam que 13 das 36 mortes por intervenção policial ocorridas em julho de 2023 no estado de São Paulo ocorreram entre 29 e 31 de julho no Guarujá, o que corresponde a 45% do total, evidenciando que houve uso desproporcional da força nas operações."

A Defensoria também destacou que "a grande maioria dos casos da Operação Escudo foi marcada pela não preservação das cenas dos crimes, bem como a repetição da versão policial em todas as ocorrências com morte: que os suspeitos portavam drogas, atiraram e que teriam sido socorridos ainda com vida".

A SSP disse em nota que a PM "reforça que não compactua com excessos e desvios de conduta e possui rigorosos protocolos operacionais".

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