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Réus pela Operação Escudo, PMs dizem ter matado mais de 25 na carreira

O capitão Marcos Verardino, 42, e o cabo Ivan Pereira da Silva, 48, réus pela primeira das 28 mortes cometidas pela PM durante a Operação Escudo, em julho de 2023, relataram ao Ministério Público ter matado pelo menos 25 pessoas durante a carreira.

"Foram algumas. Mais de dez", disse o capitão Verardino, oficial da PM há 22 anos.

"Tive algumas ocorrências resultado morte, na Força Tática e aqui na Rota. Talvez mais de 15", afirmou o cabo Pereira, há 28 anos na corporação.

Todas as investigações, segundo os policiais, foram arquivadas. Os vídeos dos interrogatórios foram obtidos em primeira mão pelo UOL.

Réus por ação na Operação Escudo, PMs da Rota Marcos Verardino (esq.) e Ivan Pereira da Silva (dir.) durante interrogatório cedido ao Ministério Público de SP
Réus por ação na Operação Escudo, PMs da Rota Marcos Verardino (esq.) e Ivan Pereira da Silva (dir.) durante interrogatório cedido ao Ministério Público de SP Imagem: Reprodução/MP-SP

Os dois policiais da Rota foram acusados pelo MP de executar Fabio Oliveira Ferreira, 40, na tarde de 28 de julho, menos de 24 horas depois do assassinato do soldado da Rota Patrick Bastos Reis, 30.

Segundo a promotoria, os PMs apagaram imagens de câmeras de segurança que poderiam ter flagrado a ação.

O Tribunal de Justiça de São Paulo tornou os policiais réus em 16 de julho.

Num primeiro momento, a Justiça paulista havia determinado a suspensão das funções públicas dos PMs. Com isso, eles perderiam o salário e não poderiam ser promovidos.

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O comandante-geral da PM, coronel Cássio Araújo de Freitas, enviou um ofício ao juiz responsável pelo caso sugerindo a troca da suspensão pelo afastamento dos PMs. A atitude foi considerada atípica.

Depois, a defesa dos PMs fez o mesmo pedido nos autos. O juiz fez críticas ao ofício do comandante, mas aceitou o pedido da defesa. Atualmente, os policiais estão apenas afastados das atividades operacionais.

Preparação da Operação Escudo

Verardino e Pereira relataram que estavam de folga no momento em que Reis foi baleado no Guarujá e que, de imediato, ambos foram até o batalhão da Rota.

De lá, foram para a Baixada Santista. O capitão afirmou ter sido o responsável por ir ao pronto-socorro, fazer a liberação do corpo e dar a notícia aos familiares do soldado.

Horas depois, eles foram convocados para uma reunião no CPI (Comando de Policiamento do Interior) de Santos, que durou cerca de três horas.

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No encontro estavam autoridades da Segurança Pública paulista, incluindo o secretário da pasta, Guilherme Derrite, e o comandante-geral da PM, o coronel Cássio Araújo de Freitas.

"Minha responsabilidade seria programar a operação que a Rota iria coordenar. Fiquei responsável por fazer contato com os comandantes da área, por fazer o reconhecimento dos locais onde seriam distribuídas as equipes de Rota, em quais locais a gente daria ênfase", afirmou Verardino durante o interrogatório.

Armas usadas por Marcos Verardino (esq.) e Ivan Pereira da Silva (dir.) em ação da Operação Escudo
Armas usadas por Marcos Verardino (esq.) e Ivan Pereira da Silva (dir.) em ação da Operação Escudo Imagem: Reprodução/TJ-SP

Nos primeiros dias da Operação Escudo, os PMs não utilizavam câmeras corporais. Questionado sobre o motivo, Verardino afirmou que sua função era "administrativa, de planejamento, como coordenador operacional".

Por isso que a nossa norma interna não prevê o uso das câmeras, a não ser quem está efetivamente na função operacional, que é quem está todo dia na rua, que é de tenente para baixo.
Capitão Marcos Verardino

O cabo Pereira e os outros dois policiais que compunham a guarnição da Rota envolvida na morte de Ferreira também não utilizavam câmeras corporais no momento da ocorrência.

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Suspeita de rendição

Os policiais afirmaram que foram a um restaurante para almoçar no início daquela tarde, quando observaram Ferreira na rua Albino Marquês Nabeto, em Vicente de Carvalho, no Guarujá. Eles disseram ter visto o rapaz com um volume na cintura.

Os PMs disseram ao Ministério Público ter visto Ferreira colocar as duas mãos na cintura para pegar uma pistola calibre .45.

Verardino disparou três vezes. Os dois primeiros tiros atingiram o tórax de Ferreira. O terceiro, a mão direita. Testemunhas disseram ao MP que Ferreira colocou as mãos na cabeça e se rendeu. Os PMs reforçaram que não houve rendição.

Assim que Ferreira caiu, o cabo Pereira se aproximou. O policial afirmou à promotoria que percebeu que o rapaz ainda tentava pegar a arma na cintura.

Ele então disparou mais duas vezes, também na região torácica. Pereira disse que, em seguida, resgatou a arma da cintura de Ferreira.

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Pistola que, segundo PMs, foi encontrada com rapaz morto na Operação Escudo
Pistola que, segundo PMs, foi encontrada com rapaz morto na Operação Escudo Imagem: Reprodução/TJ-SP

O MP informou aos dois policiais que uma perícia complementar identificou que o disparo que atingiu a mão de Ferreira é condizente com uma rendição, o que foi negado pelos policiais.

"Pela rapidez do fato, podem ter acontecido várias outras coisas diferentes da minha ótica. Mas uma coisa é certeza: não houve rendição", afirmou Verardino.

Cabo Ivan Pereira da Silva mexe na calça de rapaz baleado por ele na Operação Escudo
Cabo Ivan Pereira da Silva mexe na calça de rapaz baleado por ele na Operação Escudo Imagem: Reprodução/TJ-SP

Provas em imagens

Um vídeo, feito por uma pessoa que passava pelo local, mostra o cabo Pereira mexendo nas calças de Ferreira após os disparos.

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Testemunhas disseram ao MP que, naquele momento, os policiais da Rota falavam entre si que o atingido estava desarmado e demonstraram preocupação ao verem duas câmeras de segurança de uma casa apontadas para o local dos tiros.

O proprietário das câmeras afirmou que os policiais pediram para ter acesso aos equipamentos de gravação. Depois, ficaram com os materiais por cerca de 10 minutos antes de devolvê-los.

Os policiais confirmaram em depoimento que conversaram com o proprietário das câmeras, mas negaram ter mexido nos equipamentos que armazenavam as gravações.

Demonstração de arquivos que teriam sido apagados e que mostrariam ação que terminou na morte do primeiro dos 28 mortos pela PM de SP na Operação Escudo
Demonstração de arquivos que teriam sido apagados e que mostrariam ação que terminou na morte do primeiro dos 28 mortos pela PM de SP na Operação Escudo Imagem: Reprodução/TJ-SP

Uma perícia feita a pedido da promotoria constatou que os equipamentos foram manuseados na data da ocorrência e que não havia gravação do momento dos tiros.

O proprietário, no entanto, reativou o aparelho meia hora depois. O equipamento flagrou toda a movimentação a partir dali, o que fez a investigação entender que a tecnologia estava em perfeito funcionamento.

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Verardino e Pereira não souberam explicar ao MP o que aconteceu com as imagens.

Por meio de nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou que os policiais citados na reportagem estão afastados das funções operacionais.

A PM informou cumprir "rigorosamente as decisões judiciais recebidas" e que apura com rigor todos os casos de mortes decorrentes de intervenções policiais.

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