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'Absolutamente excepcional': por que o caso 123milhas não avança na Justiça

Um impasse na escolha dos administradores judiciais travou a recuperação judicial da 123milhas por mais de um ano. O caso não avançou na Justiça.

A agência de viagens online tem R$ 2,5 bilhões em dívidas e, desde agosto de 2023, está com as cobranças congeladas.

A juíza Cláudia Helena Batista e o desembargador Alexandre Carvalho tiveram divergências sobre a condução do processo: ela indicou três AJs, ele substituiu dois deles.

Desde então, o caso teve reviravoltas.

Cláudia Helena Batista nomeou os escritórios belo-horizontinos de Dídimo Inocêncio de Paula e Otávio de Paoli Balbino, e um escritório gaúcho, o Brizola & Japur.

Inocêncio e Balbino estão entre os escritórios que concentram quase 70% das recuperações judiciais de Minas, conforme revelou o UOL.

O desembargador Alexandre Carvalho substituiu Inocêncio e Brizola & Japur pela advogada mineira Juliana Morais e a consultoria KPMG, de São Paulo, que já tinham feito uma análise das contas da agência (laudo de constatação prévia).

O caso foi ao colegiado. Primeiro, foram 2 votos contra 1 para ficar com Morais e KPMG.

Depois, no fim de julho, foi feito outro julgamento com mais magistrados: foram 3 votos contra 2 pelo volta de Inocêncio e Japur.

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No fim de agosto, a juíza decidiu juntar os processos da 123milhas e da MaxMilhas. Mais uma vez, determinou que o caso deve ficar com Inocêncio, Balbino e Brizola & Japur.

Juliana Morais entrou então com um pedido de correição, um instrumento jurídico que visa corrigir erros ou abusos cometidos por magistrados.

O TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) concordou com o pedido: Morais e KPMG voltaram ao caso.

Inocêncio e Japur recorreram. Outro desembargador, Leite Praça, concordou com o novo pedido e eles voltaram ao caso.

Morais e KPMG foram os autores da análise que constatou que R$ 1,3 bilhão gasto com publicidade pela 123milhas não foi registrado como despesa no balancete, mas como investimento ("ativo intangível", na terminologia usada pela empresa), reportou o UOL.

Foi esse erro contábil que permitiu distribuir R$ 45 milhões entre os sócios, entre 2020 e 2023, conforme revelou o UOL.

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Morais e KPMG pediram para a Justiça intimar os sócios para devolver o valor para o caixa da 123milhas.

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Imagem: Reprodução/Agência Brasil

Os fronts da RJ

O UOL apurou que ao menos seis frentes do caso estão em andamento:

  • Um processo de recuperação judicial, que tramita na 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte, onde fica a matriz;
  • Uma investigação criminal do Ministério Público de Minas Gerais com apoio do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), que apura associação criminosa, estelionato e lavagem de dinheiro na 123milhas;
  • Uma análise do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), referente à fusão entre 123milhas e MaxMilhas;
  • Ações civis públicas, abertas por promotores e institutos, por exemplo;
  • Ações individuais reivindicando reembolso e indenização de consumidores;
  • Ações trabalhistas, movidas por ex-funcionários.

Mas, enquanto atravessa uma RJ, a empresa fica blindada de cobranças. A blindagem é chamada de "stay period".

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A princípio, o "stay period" dura 180 dias. No caso 123milhas, já passou de um ano.

Em 19 de setembro deste ano, a juíza Cláudia Helena Batista, 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte, autorizou uma prorrogação do "stay period" por mais 180 dias.

"Absolutamente excepcional" foi a expressão da juíza para justificar a decisão.

Isso quer dizer que o caso deve se prolongar ao menos até março de 2025.

E, enquanto a recuperação judicial não avançar, outras frentes ficam paradas.

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Imagem: RENATO S. CERQUEIRA/ESTADÃO CONTEÚDO
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'Laboratório'

Em 17 de julho deste ano, Cláudia Helena Batista realizou uma audiência aberta, transmitida ao vivo pelo YouTube, para discutir o calendário do caso.

A juíza ponderou que o caso 123milhas não é "comum", devido à quantidade de pessoas físicas e jurídicas a quem a agência mineira deve dinheiro — mais de 800 mil, um recorde no país.

Na audiência, a magistrada disse que foi feito um "laboratório de crise" para lidar com o caso.

Propôs um cronograma que citava "um prazo aí de... 30 dias?" para publicar um edital (em tese, 17 de agosto).

Depois, 60 dias para publicar a proposta de pagamento aos credores (17 de outubro).

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Deixou aberta a data para divulgar o quadro final de credores. "Gostaria de tentar trabalhar com uma ideia de prorrogação de 'stay [period]' para todo o grupo, de expectativa de uma assembleia [de credores] para o mês de novembro", disse a juíza na audiência, que foi gravada.

"Pode ser até que ultrapasse os prazos da lei, mas a gente vai tentar, fundamentar porque que isso aconteceu, mas tentando já sinalizar para todos os credores e para o mercado que o 'stay [period]' tem prazo para acabar."

A juíza propôs então ter um quadro final de credores por volta de "novembro, no mais tardar dezembro".

Ao fim da audiência, considerou "até mais razoável" passar o prazo na primeira quinzena de dezembro.

Também ponderou que será difícil realizar uma assembleia virtual com milhares de credores, o que dirá presencial.

"Se fizesse presencial, ia precisar botar Maracanã, Mineirão, todo mundo lá dentro. É uma coisa que não tem como pensar", afirmou.

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"Quem tiver ideias e sugestões, o brasileiro é criativo, pode nos ajudar também, nós estamos abertos."

Até hoje, a audiência teve 12 mil views no YouTube, o que equivale a 15% do total de credores do caso.

Nos bastidores do Judiciário, apurou o UOL, o cronograma foi considerado "imaginário" e "impossível de cumprir".

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Imagem: Reprodução/YouTube

Alternativas

Uma das ações de consumidores conseguiu atingir os sócios pela primeira vez.

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O advogado Gabriel de Britto Silva foi um dos passageiros prejudicados pela 123milhas — comprou uma passagem promocional Rio — Porto Alegre, uma viagem que nunca ocorreu.

Britto é especializado em direito do consumidor e autor de uma ação contra a agência.

A Justiça do Rio concordou com um pedido de "desconsideração da personalidade jurídica" que Britto fez e determinou o congelamento do valor devido (R$ 385) das contas bancárias dos sócios da 123milhas, os irmãos Augusto e Ramiro Madureira.

Congelar cerca de R$ 400 parece pouco, mas a decisão foi inédita.

É um precedente importante para poder responsabilizar as pessoas físicas (Ramiro e Augusto), enquanto a pessoa jurídica (123milhas) está blindada.

"Pode abrir caminho em benefício dos demais consumidores lesados", diz o advogado.

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Procurada, a 123milhas diz que responderá nos autos do processo de recuperação judicial sempre que for intimada.

"Atualmente, o maior interesse da 123milhas é gerar recursos para honrar todos os compromissos financeiros com seus credores", acrescentou.

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