Principais construtoras de SP têm moradias sociais sob suspeita de fraude

Ler resumo da notícia
Mais de 1.230 apartamentos foram comprados sob suspeita de fraude em São Paulo, segundo informações enviadas pelos cartórios de registros de imóveis ao Ministério Público e à prefeitura da capital.
Por serem moradias sociais, essas unidades deveriam ter sido vendidas a famílias de baixa renda ou de renda média — o que não foi comprovado na hora do registro.
Desde novembro, os cartórios são obrigados a enviar notificações ao poder público quando encontram casos assim.
Os dados inéditos, coletados nos últimos três meses e obtidos pelo UOL, mostram o envolvimento de nove das dez maiores construtoras da cidade, segundo ranking da Embraesp (Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio).
Procuradas, todas as empresas negam irregularidades e afirmam cumprir a legislação (leia mais abaixo).
A maior participação do mercado privado na produção de imóveis considerados populares faz parte de uma política municipal que busca ampliar a oferta de moradia perto de estações de metrô e no centro expandido.
A prefeitura oferece vantagens às construtoras —desconto em impostos e a possibilidade de construir acima da altura permitida, por exemplo— e, em contrapartida, exige que parte dos imóveis atendam a famílias cuja renda vai de zero a dez salários mínimos.
Mas a reportagem apurou que um dos cartórios registrou a compra de uma moradia social próxima à Saúde, na zona sul, por um empresário cujo salário é de R$ 86 mil.
Segundo o MP, casos como esse ocorrem porque não há fiscalização dos contratos de compra e venda.
Consequentemente, as unidades acabam nas mãos de investidores e pessoas com perfil de renda superior.
O órgão entrou na Justiça pela suspensão da política municipal, mas decisão proferida na sexta, 7, extinguiu a ação sem julgamento do mérito.
O juiz Renato Augusto Pereira Maia, da Fazenda Pública, no entanto, ordenou a gestão Ricardo Nunes (MDB) a instaurar procedimentos administrativos para apurar eventuais fraudes e divulgar a lista de famílias atendidas pelas moradias sociais construídas mediante incentivo.

Justiça libera registro, mas exige notificação
Os cartórios passaram a liberar o registro de moradias sociais em novembro de 2024, mesmo sem comprovação da renda dos proprietários, por ordem do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Ao mesmo tempo, começaram a notificar irregularidades — este é um dos principais meios para se fiscalizar o cumprimento das regras.
Antes, a prefeitura exigia que o registro do imóvel só fosse feito se estivesse comprovada a faixa de renda do comprador.
De lá para cá, apartamentos de ao menos 60 construtoras e incorporadoras foram listadas pelos 18 cartórios da cidade, indicando possíveis irregularidades em bairros como Itaim Bibi, Vila Olímpia, e também em áreas distantes do centro expandido, como Pirituba, Sacomã e Tucuruvi.
A lista ainda revela a participação de 70 empreiteiras pequenas, especialmente na região da Vila Matilde, na zona leste.
Os números devem aumentar, já que o procedimento de notificação agora é permanente.
A ordem do TJ-SP decorre de uma investigação aberta pelo Ministério Público em 2022.
A suspeita do MP é de que mais de 240 mil moradias sociais foram comercializadas fora da faixa de renda determinada (de três a seis salários mínimos).
Prédio no Brooklin com 50 vendas fora da renda
No Mundo Apto Brooklin, na zona sul, ao menos 50 compradores não conseguiram comprovar estar dentro do limite de renda ao registrar os contratos nos cartórios.
O projeto de 625 unidades, que ainda está em obras, foi licenciado com unidades enquadradas como Habitação de Interesse Social (HIS) e como Habitação de Mercado Popular (HMP).
Ambos os modelos têm limites de renda familiar definidos: de zero a três salários mínimos (HIS 1), de três a seis salários mínimos (HIS 2) e de seis a dez salários mínimos (HMP).
Segundo determinação da administração Nunes, investidores podem comprar HIS e HMP, mas são obrigados a destiná-las à locação social —obedecendo os mesmos limites de renda para cada faixa —pelo período de dez anos.
Criada em 2017, a Mundo Apto Empreendimentos é uma das poucas construtoras a informar em seu site as regras de compra e venda de moradia social.
Em nota, a empresa declarou estar à disposição para esclarecimentos e afirmou que segue rigorosamente a legislação.
"Essas condições constam nos contratos de compra e venda assinados com os adquirentes e na documentação arquivada nos cartórios de registro de Imóveis."
A 25 km dali, em Pirituba, o Alto São Domingos, da Cury Construtora e Incorporadora S.A., é bastante mencionado pelos cartórios.
A reportagem encontrou ao menos 40 unidades vendidas sem comprovação de renda.
A Cury declarou que preza pelo atendimento às diretrizes do programa habitacional e que colabora com o MP e a prefeitura.
Sozinha, a Vivaz Residencial, braço popular da Cyrela, teve 16 prédios listados pelos cartórios e um total de 69 unidades vendidas sob suspeita de fraude.
A marca possui lançamentos em bairros como Alto da Boa Vista, Santa Cecília e Vila Maria.
A Cyrela afirma cumprir a legislação municipal na venda de imóveis direcionados a famílias de baixa renda e classe média e se coloca à disposição das autoridades.
A incerteza sobre o enquadramento já é suficiente para gerar notificação, segundo o presidente da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp), George Takeda.
"Isso porque muitos compradores chegam com um papel informal assinado pelas imobiliárias e incorporadoras sem qualquer tipo de comprovação ou lastro", afirma.

Comprador com salário de R$ 86 mil
Pelas regras, o empresário que comprou uma HIS 2 no Edifício Mauro 567, na região da Saúde, superou em 9 vezes a faixa de renda determinada.
Outros quatro apartamentos no prédio foram vendidos a compradores com renda acima do permitido, segundo informações colhidas pelos cartórios.
Responsável pelo empreendimento, composto só por unidades HIS 2, a incorporadora My.Inc contestou o dado e afirmou ter vendido imóveis apenas dentro das regras.
Na maioria das notificações, os projetos têm a mesma característica: são prédios próximos a estações de metrô e de metragens reduzidas.
Mas há também imóveis de luxo e até mesmo de grife - caso do Pop Grafite, erguido na Vila Madalena pela construtora Idea!Zarvos com projeto do escritório de arquitetura Triptyque.
Ali, studios de 28 m² são negociados a R$ 650 mil.
O site não informa as condições de compra para as 111 unidades do tipo HMP.
Ao menos quatro delas, segundo o cartório da região, foram vendidas fora da faixa de renda.
Em nota, a construtora afirmou que a comercialização dos imóveis ocorreu em conformidade com a legislação vigente e os decretos subsequentes.

MP diz que prática configura enriquecimento ilícito
De acordo com a Promotoria de Habitação de Urbanismo, os benefícios fiscais e urbanísticos ofertados ao mercado privado para produção de moradia social na cidade têm proporcionado a prática de "enriquecimento ilícito" pelo setor.
O órgão vai recorrer da decisão judicial que não suspendeu a política — e extinguiu o processo.
Mas, se comprovadas, as fraudes seguem passíveis de multa e processo judicial. Até agora, o município abriu nove processos de sanção e aplicou multas de R$ 31 milhões a outros dois projetos.
Entre as construtoras/incorporadoras que já respondem a processos administrativos abertos pela prefeitura estão Grupo Benx, Canopus, Cyrela, Metrocasa, Rev3 Incorporadora, Presence Empreendimentos e Consthruir Engenharia. As empresas multadas foram a Mf7 Eusébio Incorporadora e a M.A.R. Hamburgo.
A gestão Ricardo Nunes (MDB) pretende contratar uma auditoria externa para assumir a fiscalização das licenças concedidas mediante subsídio. O valor previsto é de R$ 43,7 milhões.
Construtoras negam irregularidades
A Cyrela informou que seus empreendimentos de HIS e HMP são desenvolvidos e comercializados em total conformidade com a legislação vigente.
Em nota, a Tenda afirmou que o foco de seus empreendimentos é o programa Minha Casa Minha Vida, com processo de venda auditado.
A MRV informou cumprir as normas regulatórias. "Para efeito de esclarecimento, o preço médio do residencial Nascente das Dunas é de R$ 228,3 mil, vendido a clientes com renda média de R$ 4,4 mil". O Nascente Sempre Vida tem preço médio de R$ 257 mil, vendido na renda média de R$ 5 mil. O Poente das Orquídeas, por sua vez, tem preço médio de R$ 270 mil, comercializado, na média, a clientes com renda de R$ 6,338 mil. Já o residencial San Miller foi vendido a um preço médio de R$ 280 mil a compradores com renda média de R$ 7, 5 mil", destacou, em nota.
A Plano&Plano declarou estar à disposição e atendendo a todo e qualquer esclarecimento requerido pelos agentes públicos competentes.
A Vibra Residencial assegurou que comercializa suas unidades a pessoas enquadradas nas regras de HIS/HMP e também para quem faz locação social.
Em nota, a One afirmou que segue a legislação para unidades HIS e HMP e que já enviou todos os documentos comprobatórios à prefeitura.
A Benx informou que segue a legislação vigente no desenvolvimento das unidades habitacionais de interesse social, atendendo aos critérios e normas estabelecidas para a venda e locação social.
Da mesma forma, a Canopus diz cumprir as regras em vigor no lançamento dos empreendimentos e colaborar com a prefeitura, assim como a Rev 3 Incorporações e Participações S/A.
Em nota, a Rev 3 diz que "respeita o direito de a prefeitura investigar a destinação de HIS e HMP, mas que tem convicção de que não haverá qualquer sanção a ser aplicada".
A Econ disse que desenvolve seus empreendimentos em conformidade com a lei e que permanece à disposição das autoridades competentes para esclarecimentos que se fizerem necessários.
A M.A.R. Hamburgo reforça que segue rigorosamente as legislações vigentes no desenvolvimento de unidades habitacionais HIS, reafirmando seu compromisso com a qualidade e com o atendimento das necessidades habitacionais da população.
A Mf7 Eusébio Incorporadora declarou ter vendido unidades HIS somente para clientes enquadrados nas normas de renda e que adotará as medidas cabíveis em função da multa sofrida.
A reportagem não conseguiu contato com a Diálogo. A Metrocasa não respondeu.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.