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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Tarcísio desbanca Paulo Freire para manter distância segura de base radical

 Tarcísio e Doria trocaram elogios em evento com empresários  -  O Antagonista
Tarcísio e Doria trocaram elogios em evento com empresários Imagem: O Antagonista

Colunista do UOL

15/03/2023 04h01

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Fernão Dias Paes Leme é uma das muitas figuras brasileiras homenageadas na Galeria de Racistas, projeto do Coletivo de Historiadores Negros Teresa de Benguela em parceira com o site antirracista Notícia Preta.

O projeto o descreve como um bandeirante paulista com intensa atuação no povoamento e na colonização da província de São Vicente. Morto em 1681, Fernão Dias foi capitão de ordenanças e juiz ordinário, mas se notabilizou como conquistador do sertão e explorador de povos indígenas e sua busca alucinada por metais preciosos — o que lhe rendeu a alcunha de "Caçador de Esmeraldas".

O bandeirante paulista é nome de estrada e tem estátuas em sua homenagem por todo canto. Na gestão do carioca Tarcísio de Freitas (Republicanos), ele será também celebrado como nome de estação de metrô.

A láurea será exposta na ex-futura estação Educador Paulo Freire, a ser construída em um ponto entre a avenida homônima do patrono da educação brasileira e próxima à rodovia Fernão Dias, em São Paulo.

Não seria no governo de um ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL) que o educador espinafrado pela ala mais obtusa da direita brasileira viraria nome de estação.

A mudança não representa qualquer reordenamento na engenharia de tráfego da capital, mas deixa o ex-ministro da Infraestrutura mais próximo da passarela que liga sua gestão à base bolsonarista, em disputa desde que o ex-presidente viajou a Miami para descansar e nunca mais voltou.

Dos EUA, Bolsonaro assiste à avalanche de suspeitas sobre uso da máquina pública em benefício próprio ao longo de seu mandato. A escalação de ministros e subordinados militares para caçar joias preciosas presenteadas pela Arábia Saudita pode se desdobrar em encrencas judiciais mais caras do que os R$ 16,5 milhões em muamba. É bem provável que ele não esteja na pista nas próximas eleições presidenciais.

Como não existe vácuo de poder, seu espólio tem sido pleiteado por diversos atores do entorno bolsonarista.

Valdemar Costa Neto, presidente do PL, já lançou a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro como candidata a presidente.

No Congresso, já tem deputado disposto a vestir peruca para alcançar engajamento e se projetar nacionalmente.

Bolsonaro acompanha de longe as movimentações. Mas não com indiferença.

No começo da semana, ele apareceu em vídeo durante uma reunião do PL no Rio que tinha como objetivo projetar o futuro da legenda (logo, do bolsonarismo).

Bolsonaro entrou em campo para barrar a disposição do partido de lançar seu ex-ministro Walter Braga Netto a candidato a prefeito na capital fluminense.

O assento deve ser reservado a um de seus filhos.

Bolsonaro prefere que seu ex-candidato a vice se concentre em organizar as bases nacionais do movimento.

Essa organização tem em São Paulo, por onde se elegeu o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), a principal joia da coroa.

Em seus primeiros meses de mandato, entre marteladas e assopros, Tarcísio de Freitas tem dado sinais dúbios sobre o nível de radicalismo que estava disposto a alimentar no Palácio dos Bandeirantes.

Ele reviu, por exemplo, a promessa de retirar as câmeras das fardas de policiais em operações no estado.

Em fevereiro, Tarcísio posou ao lado do presidente Lula (PT) durante uma coletiva para anunciar a liberação de recursos para a reconstrução do litoral norte paulista, arrasado pelas fortes chuvas registradas daquele mês.

E, na segunda-feira (13), topou participar de um almoço com executivos promovido pelo Lide (Grupo de Líderes Empresariais), entidade ligada a João Doria, inimigo declarado de Bolsonaro, com quem trocou elogios. Lá ele defendeu a privatização do porto de Santos, mas disse buscar convergência com o governo federal.

Desde que fechou uma aliança com Gilberto Kassab (PSD) em busca de governabilidade, Tarcísio tem sido chamado de "traidor" pelos bolsonaristas mais radicais.

A troca de nome da estação pode servir como biscoito para animar a turma que não se importa em viver num país empobrecido, isolado internacionalmente e arrasado pela pandemia, desde que ícones como Paulo Freire, alçados a inimigos da pátria, fiquem longe de seus filhos e estações do metrô. Ou das placas em homenagem a Marielle Franco.

Autor de "Pedagogia do Oprimido", uma das obras de referência mais citadas em língua inglesa, o patrono da educação brasileira é o alvo mais fácil dos que jamais abriram uma página de seus livros. Se o fizessem, não haveria tanta gente acreditando em terra plana, cloroquina e lorotas sobre balbúrdia nas universidades. A metodologia de Paulo Freire ensina justamente as pessoas a pensarem por conta própria. E isso é imperdoável para os radicais.

É para eles que Tarcísio precisa acenar de tempos em tempos, mais ou menos como faz quando quebra a placa da Bolsa de Valores para mostrar quem é que manda.

O governador de São Paulo sabe, ou deveria saber, que com os radicais por (muito) perto não irá a lugar nenhum. Os biscoitos ajudam a mantê-los satisfeitos a uma distância segura o suficiente para serem acionados, por exemplo, em ano de eleição, quando saberemos se ele será de fato o ex-bolsonarista mais bem posicionado para ocupar o lugar que um dia foi de Jair Bolsonaro.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL