Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Plantão BBB: por que o público não entendeu o conceito de fama de Luciano?
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Sorte a nossa que o "Big Brother Brasil" está de volta. Em tempos de caos e contínuas rupturas, qualquer sinal de repetição organiza o cotidiano e nos ajuda a compreender o início de um novo ciclo. Sem previsão de Carnaval ou vuco-vuco por culpa do persistente vírus, é bom aceitarmos de uma vez por todas que os tempos são outros. O ano só começa depois de descobrirmos quem é o novo milionário do show business nacional.
O programa mais assistido da televisão brasileira, com altos níveis de faturamento publicitário e responsável pelo pagamento do salário de muita gente (não é, Tiago Leifert?), estreou com o jeitinho de sempre. Mobilizou os amantes e os haters nas redes sociais, atiçou o jornalismo de celebridades e os fãs de gente desconhecida, ressuscitou adormecidos grupos de WhatsApp e nos fez entender que, apesar dos pesares, a vida segue a normalidade. Sem dúvida, nesse momento, deve ter algum fã tresloucado fazendo uma tatuagem com a cara deformada de algum participante do reality.
O sucesso mora na aposta em uma fórmula simples. O "Big Brother Brasil" se apoia em um conjunto de regras já conhecidas do grande público (líder, anjo, paredão, imunidade, xepa x vip, prova de resistência, brigas) desde a primeira edição, mas, a cada ano, ganha cara nova pela capacidade que tem de se misturar às pautas e aos assuntos borbulhantes da sociedade brasileira. É justamente sobre o caldeirão entre aquilo que já se conhece e o que tem que se aprender: acostumados aos personagens clichês e aos com a cara e os conflitos do Brasil, somos arrebatados pela narrativa do programa.
O enredo de uma boa novela, a maneira como reproduz a competição, o senso de disputa e descartabilidade dos humanos, inerente aos tempos modernos (como defende a socióloga Silvia Viana), e a publicização, em rede nacional e para uma vasta audiência, de tudo que é intimo e privado (como já analisou Paula Sibília) nos mobiliza a acompanhar o desenrolar do programa até seu desfecho. Se não faltam análises e razões para o sucesso, uma outra pergunta se impõe. O que leva alguém a participar de um jogo como esse?
Luciano Estevan, participante do BBB 22, respondeu: fama!
O público e seus colegas de confinamento rechaçaram a resposta e ele foi o primeiro eliminado da edição.
Com 28 anos, Luciano é uma coleção de clichês dos novos tempos. É modelo, ator, sonha ser apresentador. Nasceu em uma família pobre de Santa Catarina, vive um relacionamento aberto, é bissexual, começou a dançar hip-hop na periferia de Florianópolis, onde descobriu um genuíno sonho de vida: ser rico e famoso ao ponto de não conseguir andar nas ruas do mesmo jeitinho da sua "ídola", a diva norte-americana Beyoncé.
Assim que revelou suas reais intenções no programa, virou alvo de chacota dos outros participantes e do público, que se apressaram em lhe ensinar que fama é consequência de trabalho duro. Os escolhidos, diante da realização do chamado e da concretização de um propósito de vida, deixam um legado e são reconhecidos como especiais. É a capacidade de se diferenciar, de se mostrar quem é através da obra (como previu Nietzsche, em "A Genealogia da Moral"). São os feitos que inventam os homens. Não o contrário.
Chico Barney e eu não entendemos a homilia. Afinal, o que levou os outros nove anônimos da pipoca e a coleção de semifamosos a se jogarem na arena pan-óptica se não foi a vontade de ser conhecido? Ou seremos obrigados a acreditar que a milionária Jade Picon e o herdeiro Tiago Abravanel foram para a casa por conta do R$ 1,5 milhão prometido como prêmio?
Há muito tempo ninguém fica famoso só por grandes feitos. O intenso processo de digitalização da vida bagunçou ainda mais a régua de avaliação de quem tem direito de ser reconhecido como tal. A força da onda viral que varreu o mundo, jogou bilhões dentro de casa, nos fez abrir mão dos rituais cotidianos de tal maneira que nos tornamos incapazes de diferenciar quem é quem na cena brasileira, quem é famoso ou anônimo, "vipinho" ou "vipão".
Presos à própria rotina, acessando uma realidade mediada por telas (celulares, TV, computador), o mundo se mostra mais asséptico e sem graça. Quase qualquer coisa que nos tire da letargia é capaz de nos mobilizar, atrair nossa atenção. O novo, o inusitado, o diferente reverbera, desperta a atenção e o interesse dos outros e faz gente comum virar famosa da noite para o dia.
Ao contrário do mundo das celebridades do passado, que se definiam pelo fato de serem conhecidos por mais gente do que conheciam (como bem definiu o sociólogo norte-americano Wright Mills) ou do tempos dos grandes feitos, hoje é a capacidade acionar, mobilizar, reverberar, afetar os outros que determina quem é quem na fila do pão. Mesmo que você não tenha feito nada além de provocar ondas de cliques, visualizações e compartilhamentos.
Não é mais a obra ou o legado que definem quem é o protagonista e, por consequência, despertam o interesse das multidões. Agora, é a habilidade em mobilizar os outros (muitas vezes com nada) que abre portas.
Juliette, a ganhadora da última edição do reality show, deixou o programa com mais de 30 milhões de seguidores e recordes de engajamento nas redes, capazes de deixar a família Kardashian com inveja. Foi sua habilidade de gerar conversa e interações ao redor de seu nome que lhe deixou multimilionária, lhe fez cantora, modelo, dançarina, amiga da Anitta, contratada da Globo e objeto de disputa no mercado publicitário. Se há algum legado, ele virá depois da fama.
Luciano foi mal interpretado. Quando afirmou que queria ser famoso, ele o disse sob o ponto de vista da nova lógica da fama. Esperava atrair o interesse do Brasil para a coleção de clichês que carregava consigo, conquistando milhões de seguidores e ganhando dinheiro com os negócios, oportunidades e trabalhos advindos da fama.
Não deu. Querendo ser famoso, ele deixou o programa só como chato, mesmo.
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