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O que as selfies que você tira têm a ver com o aquecimento global

Casal tira selfie na entrada do festival Rock in Rio 2019 - Mauro Pimentel/AFP
Casal tira selfie na entrada do festival Rock in Rio 2019 Imagem: Mauro Pimentel/AFP

Luiza Pollo

Da agência Eder Content, colaboração para o TAB, em São Paulo

09/10/2019 04h00

Quem sabe você tenha entrado na onda do canudinho de alumínio para gastar menos plástico. Talvez recuse a sacolinha do supermercado e ostente com orgulho sua ecobag na feira. Pode ser até que você tenha reduzido (ou parado completamente) o consumo de carne para ajudar a preservar água, evitar o desmatamento e diminuir a emissão de gases do efeito estufa.

Mas duvido que você tenha pensado duas vezes antes de tirar aquela selfie em modo retrato porque queria reduzir o impacto dos seus dados sobre o meio ambiente.

Parece conversa de louco, e é claro que uma única foto não vai fazer tanta diferença assim para o planeta Terra, mas o tráfego e o armazenamento de dados em nuvem é uma grande questão quando falamos em gasto energético. "Apesar de as fábricas de informação não vomitarem fumaça preta ou movimentarem engrenagens oleosas, elas não estão isentas de impacto ambiental", lembra um artigo publicado na revista científica Nature em 2018. As tecnologias da comunicação e informação (TICs) são responsáveis por mais de 2% das emissões globais de carbono atualmente.

"As pessoas pensam que, só porque está na nuvem, na internet, a informação está no ar, pairando", afirma Lucas Cabral, pesquisador do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio). "Mas ela está nos famosos data centers, edifícios enormes, às vezes maiores que porta-aviões, com dezenas de milhares de placas de circuitos empilhadas, cabos."

O pesquisador de tecnologias da comunicação e informação Anders Andrae (que atualmente trabalha para a Huawei) projetou que a demanda de energia dessa área vai acelerar na década de 2020.

Segundo projeções (consideradas pessimistas) do especialista, a energia usada para desenvolver e manter as TICs pode corresponder a 21% da demanda de energia global até 2030. No cenário mais otimista desenhado por ele, a fatia será de 8%.

Isso leva em conta as redes (com e sem fio), a produção de TICs, os aparelhos dos consumidores (televisores, computadores, celulares) e os centros de dados. Mais conhecidos pelo nome em inglês — data centers — esses últimos serão responsáveis por uma fatia cada vez mais importante do gasto de energia mundial. Atualmente, são aproximadamente 200 terawatts/hora por ano. É mais do que o gasto anual do Irã, por exemplo, país com 81,6 milhões de habitantes.

Questão de temperatura

PUE (do inglês power usage effectiveness) é a métrica que define a eficiência de energia dos data centers. Para ser considerado eficiente, o ideal é gastar quase toda a energia na manutenção do serviço de TI em si, e não em outras atividades, como a distribuição de energia e o resfriamento do local.

O maior problema de eficiência energética dos data centers está exatamente na manutenção de temperatura, já que a energia consumida pelos equipamentos é transformada em calor. Quando você usa seu computador ou celular por muito tempo, percebe que eles esquentam, certo? Imagine então uma sala enorme com milhares de servidores funcionando sem parar, o tempo todo.

Tereza Carvalho, coordenadora do Laboratório de Sustentabilidade (Lassu) da USP, explica que a eficiência energética dos centros de dados se torna mais relevante pela crescente quantidade de informações que armazenamos em nuvem. São fotos, arquivos de texto, filmes para streaming. E, quanto maior a qualidade desses arquivos, mais espaço ocupam, mais energia demandam para ser processados, e aí você já deve imaginar: mais calor é gerado.

"A tendência é os data centers crescerem porque mudou o papel do celular. Antes, você tinha um computador, e o celular você usava para falar ao telefone. Hoje as pessoas usam para pagar conta no banco, acessar e-mail, tudo. E não tenho tanto processamento no próprio aparelho celular, é cada vez mais em nuvem", explica.

A preocupação com o impacto desses centros sobre a natureza já é antiga. Já em 2014, a professora assinou, junto a outros pesquisadores, um artigo que propunha uma solução de monitoramento e análise de dados do consumo desses espaços. Construir centros de dados em locais mais frios, como fez o Facebook na Suécia, é uma solução já conhecida há anos. Há data centers que reutilizam a água gelada que pinga do ar condicionado em tubulações que resfriam os espaços. Tem até piscina aquecida com o calor gerado pela informação em nuvem em Paris.

Piscina interna aquecida com a energia térmica de um data center em Paris - Divulgação - Divulgação
Piscina interna aquecida com a energia térmica de um data center em Paris
Imagem: Divulgação

Mas, com um número cada vez maior de centros de dados, as consequências ambientais também serão mais relevantes, e as soluções precisam ser mais ousadas.

Solução exótica

A Microsoft deu um longo passo nessa direção com o projeto Natick, um data center instalado no Mar do Norte, próximo da costa da Escócia. Isso mesmo, dentro do mar, em um contêiner embaixo d'água.

Mas não quer dizer que seja livre de riscos: Carvalho lembra que é preciso ficar atento aos possíveis danos que uma operação como essa pode causar à vida marinha. Não adianta economizar a água do resfriamento, mas afetar animais e espécies que vivem no local. A Microsoft afirma, no site do projeto, que a estrutura criou um "abrigo" para a vida selvagem.

Outra solução, que ainda está apenas no papel, seria mandar o problema literalmente para o espaço. Há empresas estudando como criar data centers fora do planeta Terra, considerando que o espaço sideral é bem mais frio, e com sol o tempo todo — sem nuvens ou noites para atrapalhar a geração de energia.

A Cloud Constellation Corporation, empresa de segurança de dados baseada nos Estados Unidos, pretende começar a testar um serviço desse tipo, batizado de Space Belt, no início da década de 2020. O principal objetivo da empresa é oferecer armazenamento mais seguro de informações.

Data center do Facebook na Suécia - Divulgação - Divulgação
Date center do Facebook na Suécia
Imagem: Divulgação

"Há muito tempo armazenamos dados de canais de TV em satélites no espaço", observa Cabral, do ITS Rio. "Começar a armazenar dados de computador lá é uma possibilidade real", afirma. No entanto, ele reconhece que as opções mais factíveis hoje, pelo menos no Brasil, são as soluções para um uso mais sustentável da energia.

O preço de criar um data center no espaço ainda é alto (aproximadamente US$ 500 milhões, segundo o CEO da Cloud Constellation, em entrevista ao jornal Boston Globe), o que demanda uma clientela de peso que esteja disposta a pagar caro para ter seus dados armazenados fora do planeta. Além disso, um data center tão longe assim precisaria estar bem automatizado, para que não seja necessário mandar um astronauta para lá resolver problema.

Faça sua parte

Por enquanto, dá para pensar em como nós, aqui da Terra, podemos ajudar a diminuir o impacto ambiental das TICs. "Quanto mais você moderniza a câmera de um smartphone, mais energia gasta para armazenar as fotos, por exemplo. O ser humano é bem egoísta nesse aspecto, quer evoluir sem pensar nas consequências futuras", avalia Cabral. "Não se pode frear o progresso, mas temos que pensar em formas de melhorar e ao mesmo tempo combater essa grande quantidade de energia que a tecnologia produz."

Servidores do centro de dados do Facebook em Luleå, na Suécia - Divulgação - Divulgação
Servidores do centro de dados do Facebook em Luleå, na Suécia
Imagem: Divulgação

Carvalho, que trabalha com sustentabilidade e tecnologia há mais de dez anos, relata que uma mudança positiva dos últimos anos é que as empresas têm descartado menos eletrônicos. No entanto, isso pode ser um reflexo da crise econômica: em vez de trocar os computadores a cada três anos, um escritório pode pensar em esperar cinco, para gastar menos.

Para a pesquisadora, a esperança está em um nível mais filosófico. "Eu acho que há uma tendência de o ser humano procurar cada vez mais a si mesmo. E isso em grande parte implica afastar-se um pouco da tecnologia."