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Óculos com luz e joia no rosto são novas armas contra reconhecimento facial

Artista polonesa criou joia que impede tecnologia de reconhecer rostos - Reprodução
Artista polonesa criou joia que impede tecnologia de reconhecer rostos Imagem: Reprodução

Letícia Naísa

Do TAB, em São Paulo

30/10/2019 04h01

A indústria fashion começa a oferecer produtos para quem não quer ser reconhecido por câmeras de vigilância. Pode ser um óculos que emite luz, uma joia que confunde o scanner facial ou uma máscara que distorce as feições. A rápida expansão da tecnologia de reconhecimento inspirou a artista polonesa Ewa Nowak a criar máscaras para driblar as autoridades. Feitas de metal, as joias prometem embaralhar os algoritmos e impedir que os rostos sejam reconhecidos por câmeras.

O projeto foi chamado de "Incognito" e consiste em um tipo de óculos que cobre parte da testa e das maçãs do rosto. "Este projeto foi precedido por um estudo de longo prazo sobre a forma, tamanho e localização dos elementos da máscara para que ela realmente cumprisse sua tarefa", escreve Nowak em sua página. Segundo ela, a máscara foi testada no algoritmo DeepFace, do Facebook e passou na prova: seu rosto não foi reconhecido.

Ainda há muito debate e pesquisa em torno da eficiência da tecnologia de reconhecimento facial, especialmente com os falsos positivos: a câmera diz que uma pessoa é, na verdade, outra. Especialistas apontam que ainda há muitas falhas em reconhecer rostos fora do padrão de homens brancos.

"Se a gente aplica essas tecnologias de maneira errônea e ela indica que o meu rosto é de uma pessoa suspeita, a tendência é que oficiais deem crédito a equívoco, abre-se margem a abuso policial, porque tem indicio de que você é uma pessoa suspeita e aí pode-se inverter o princípio da inocência, que fundamental", afirma Joana Varon, diretora executiva da Coding Rights, organização de defesa dos direitos humanos na internet.

Na Holanda, o designer Jip van Leeuwenstein projetou um máscara transparente que distorce a imagem do rosto e evita o reconhecimento. "É um adereço que mantém a identidade oculta das máquinas, mas a pessoa continua com suas expressões faciais para o contato social", explica o designer.

A preocupação com o reconhecimento facial tem crescido nos últimos anos, visto que a tecnologia tem sido usada para fins de segurança pública e privada e de marketing. No Brasil, a novidade já chegou. Durante o Carnaval deste ano, um homem foi preso depois de ser reconhecido por uma câmera e a ViaQuatro do metrô paulista foi impedida de usar o reconhecimento facial. O debate sobre a regulamentação da tecnologia está previso na Lei Geral de Proteção de Dados, que entrará em vigor em agosto de 2020.

Para Pollyana Ferrari, professora da PUC-SP e pesquisadora de mídias sociais, é preciso que os governos regulamentem o uso de nossas "pegadas digitais", sejam likes, compras, navegação ou biometria. "Os riscos da tecnologia são os usos não declarados, na maior parte das vezes não sabemos o que será feito da nossa biometria", diz. "Cada vez a driblamos menos", afirma.

Quanto à eficiência do Incognito, as especialistas ainda são céticas, mas Varon reconhece que há uma tendência na tentativa de hackear o sistema de vigilância da tecnologia de reconhecimento facial. O próprio "Incognito" foi inspirado em um projeto japonês que criou óculos com luzes que impedem a tecnologia de reconhecer rostos. Em Hong Kong, durante a onda de protestos na China, os jovens usaram máscaras, lenços e lasers para enganar as câmeras.

Para Varon, a via legislativa e moratórias para uso da tecnologia são vias eficientes. Nos Estados Unidos, algumas cidades já baniram o uso de reconhecimento facial na segurança e impediram empresas que desenvolvem softwares de venderem para este fim.

"O que funciona é ter uma visão crítica e ampliar o debate sobre quão nocivo pode ser o uso dessa tecnologia, seja por discriminação de pessoas, seja por coleta abusiva de expressões faciais, sentimentos, humores, visando manipular mentes e o debate sobre o guardo e compartilhamento desses dados, que são extremamente sensíveis", afirma.

Para Ferrari, o projeto enquanto artístico é válido. "O papel da arte sempre foi nos tirar da zona de conforto. Então, esse movimento que se declara contra a vigilância governamental e corporativa, com jóias, óculos de LED e máscaras é bem oportuno, pois nos alerta para algo que já nos afeta diariamente", opina.