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Por que as pessoas sentem prazer vendo celebridades se dando mal?

Anitta e Pedro Scooby polarizaram amores e ódios durante o romance após o surfista se separar de Luana Piovani - Reprodução/Instagram
Anitta e Pedro Scooby polarizaram amores e ódios durante o romance após o surfista se separar de Luana Piovani Imagem: Reprodução/Instagram

Matheus Pichonelli

Em colaboração ao TAB

31/10/2019 04h01

Atire a primeira tecla quem nunca clicou em alguma notícia relacionada ao colapso amoroso de alguma celebridade. Se a crise tiver três ou mais pontas envolvidas, o caso vira novela da vida real com pitadas de curiosidade mórbida.

Foi assim com no imbróglio entre Cauã Reymond, Grazi Massafera e Isis Valverde. O roteiro se repetiu na trama entre José Loreto, Débora Nascimento e Marina Ruy Barbosa. E mais recentemente teve nova edição no triângulo Luana Piovani-Scooby-Anitta.

Mesmo que ninguém confesse em voz alta, existe um certo prazer ao ler notícias sobre pessoas bonitas, ricas e bem-sucedidas que fracassam em seus relacionamentos.

Caetano Veloso, que é notícia até quando estaciona o carro no Leblon, dizia que só é possível filosofar em alemão. Pois é desse idioma que vem a expressão "Schadenfreude" - que, em português, seria traduzida como "alegria ao dano".

Trata-se de um sentimento de satisfação diante do infortúnio de um terceiro. Há estudos, inclusive, sobre esse sentimento diante da torcida do time rival.

Homem infantilizado, mulher culpada

No campo privado, e em tempos de comunicação eletrônica, dá para dizer que quanto mais (aparentemente) perfeita é a vida de alguém, maior a satisfação com o escândalo. Nada mais humano.

O problema é quando as narrativas, quase sempre apimentadas com casos de traição ou triângulos amorosos, caem em estereótipos, sobretudo os associados às mulheres. Tem sido assim desde que Machado de Assis escreveu "Dom Casmurro", afirma a escritora e produtora de vídeos Thaís Mayume Higa, autora do coletivo Cínicas, dedicado a discutir tabus e convenções sociais relacionadas ao sexo.

"Até hoje as pessoas se questionam se Capitu traiu Bentinho. Até hoje a Luana Piovani dá satisfações do caso Rodrigo Santoro-Luana Piovani-Christiano Rangel, e o empresário nunca deu satisfação de nada, Santoro nem comenta o assunto", diz.

José Loreto e Débora Nascimento na novela "Avenida Brasil" (2012) - Divulgação/TV Globo - Divulgação/TV Globo
José Loreto e Débora Nascimento protagonizaram telenovela e depois o relacionamento real deles viram novela da vida real
Imagem: Divulgação/TV Globo

Enquanto isso, afirma ela, fica mais fácil estereotipar alguém como vilã, como destruidora de lares ou como mocinha, como se só existissem esses papéis para mulheres. "Para o homem, é como se ele sempre passeasse por obras de Jorge Amado sendo Vadinho ou Nacib. Ele pode ter todos os papéis do mundo em uma só vida, as mulheres ficam marcadas ainda em personagens de romance."

Thais Fabris, consultora especialista em comunicação que estuda mudanças no comportamento das mulheres, pontua que as reportagens sobre triângulos amorosos geralmente colocam uma mulher como "o pivô da separação" de um casal, desresponsabilizando o homem, que é quem tem o contrato matrimonial.

"Ao fazer essa escolha editorial, a mídia reforça diversos valores que são nocivos para as mulheres, os homens e a sociedade no geral: infantiliza os homens, colocando-os sempre como pessoas suscetíveis aos 'encantos femininos' e não responsabilizáveis pelos seus atos, e reforça a rivalidade feminina, como se devêssemos sempre estar disputando a atenção de um homem", afirma a consultora.

Fabris e Mayume Higa concordam que o reforço dessa narrativa contribui para uma cultura que, em muitos casos, resulta em violência e até morte para mulheres que traem, são traídas ou se relacionam com homens casados.

"Eu não diria que o homem é a vértice, mas numa sociedade machista não há como as pessoas se colocarem num lugar maniqueísta de torcer por alguém quando em traições femininas o resultado varia de agressão a feminicídio. Então, é óbvio que as pessoas vão se emocionar e se colocar nessa torcida muito mais em traições masculinas, porque a sociedade machista incentiva mulheres a competirem entre si", diz Mayume.

A autora lembra de uma frase atribuída a Leonel Brizola, segundo quem a política ama a traição e odeia o traidor. "Eu colocaria que a sociedade ama a traição e odeia o traidor, mas é passível de perdoá-lo se ele for homem", completa.

Mentalidade de reality show

Essa representação, aos poucos, começa a ganhar o interesse de estudiosos da comunicação. Mas estudos aprofundados ainda são raros.

Em 2015, dois pesquisadores observaram como as relações de gênero apareciam nas interações dos fãs do Big Brother Brasil. A ferramenta de trabalho era o WhatsApp, pelo qual eles observavam os comentários a respeito da participante Amanda Djehdian, que namorava o brother Fernando quando deixou a casa. Ele, porém, reatou um romance com outra participante após a ex ser eliminada do programa - o que causou comoção e diversas mensagens de apoio à ex-BBB.

Cauã Reymond e Grazi Massafera: ex e amigos - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
O casal Cauã Reymond e Grazi Massafera teve relacionamento e rompimento exposto como um roteiro fictício
Imagem: Reprodução/Instagram

Assinado pelo professor da Universidade Federal de Santa Maria e doutor em Comunicação e Informação pela UFRGS Wesley Pereira Grijó e pela publicitária Heren Dornelles, o artigo foi apresentado no ano seguinte em um eixo temático sobre gênero e feminismo do 9º Simpósio Nacional da ABCiber (Associação nacional dos Pesquisadores de Cibercultura).

O resultado, segundo a coautora, foi a observada neutralidade do homem na história, que sempre saía ileso do julgamento do público telespectador.

Ela compara o noticiário relacionado aos famosos como uma novela em que o centro é ocupado pela disputa amorosa. "São casais bonitos, bem sucedidos, que têm um grande público de seguidores. As pessoas gostam de igualar-se às celebridades. A principal reflexão nisso tudo é que, apesar das formas contemporâneas de comunicação, há estigmas da sociedade que continuam, como a misoginia".

A fofoca humaniza o mito

Recentemente a apresentadora Sonia Abrão, ícone do jornalismo de celebridade na TV, foi questionada por Tatá Werneck, durante o programa Lady Night, do MultiShow, o que explicava tanto buzz sobre a vida alheia. "Porque não somos ilhas. Somos espelhos. Procuramos no outro algum ponto de identidade que explique o que é nossa maneira de sentir e se nossos problemas têm a mesma raiz", respondeu a apresentadora.

"Mas é um acalento saber que os famosos também se fodem?", insistiu Tatá. "Isso aproxima, humaniza. As pessoas se colocam no pedestal porque são famosas e porque têm dinheiro. Que são especiais. O público sente isso também. Quando tem dor de dente ou quando toma um pé na bunda. E todos pensam: 'nossa, ele é igual à gente, é de carne e osso'. Saber que todo mundo é igual dá uma sensação reconfortante", filosofou Abrão.

Sônia Abrão também não escapou do beijinho em Tatá - Reprodução/Multishow - Reprodução/Multishow
Sônia Abrão beijou Tatá Werneck e explicou que a fofoca identifica os célebres com as pessoas comuns
Imagem: Reprodução/Multishow

Para a escritora e psicanalista Regina Navarro Lins, colunista do UOL, a curiosidade do público não é apenas "mórbida", mas resultado de um momento de profunda mudança de mentalidade e na maneira de pensar as relações amorosas. "As pessoas sempre tiveram que se enquadrar em modelos para não serem discriminadas. E isso é horrível. Fica todo mundo igual, as singularidades desaparecem. Mas as pessoas se sentiam mais tranquilas. Eram limitadas, mas não havia a insegurança que se tem hoje", analisa.

Para a especialista, os modelos tradicionais de relacionamento não estão dando respostas satisfatórias, e as pessoas estão abrindo espaços para que cada um escolha a sua forma de viver - o que gera insegurança porque ninguém sabe exatamente como fazer.

Navarro Lins atribui o sucesso de programas como Big Brother Brasil à possibilidade de o público acompanhar as histórias de novos relacionamentos em tempo real. "Suponho que os espectadores podem assistir como essas pessoas reagem diante de um fora, de uma conquista."

Idealização do par romântico

Quando os atores Débora Nascimento e José Loreto se separaram, por exemplo, ela viu um grande interesse do público em saber o que estava acontecendo. Segundo Navarro, esse frisson é explicado porque o que está em xeque é a idealização do amor romântico, em que duas pessoas se completariam e promoveriam uma fusão de corpos. "Isso é inviável. Os anseios contemporâneos estão em busca da individualidade."

Segundo ela, quando o amor romântico sai de cena, e tira a exigência básica de exclusividade, da ideia de que quem ama não se interessa por mais ninguém, surgem outras formas de amar - a três, o poliamor, as relações livres. "As pessoas querem assistir como isso funciona porque as mudanças são muitas."

Na redes sociais, após essas revelações, os fãs espalham corações partidos dizendo não acreditar mais em amor romântico. Como escreveu Nina Lemos em seu blog no Universa, do UOL, no mundo dos famosos da internet, o amor, na maioria das vezes, é lindo. E é seguido por quem assiste ao "seriado" como se fosse resumido a declarações de amor, viagens de férias, café na cama e apelidos. "Mas as pessoas se separam. Normal", escreve ela.

Ao menos deveria ser.