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Sem ressaca, mas com drinks: conheça a balada dos sóbrios por curiosidade

Restaurante em São Paulo tem só drinks e chopp sem álcool em seu cardápio  - Karime Xavier/Folhapress
Restaurante em São Paulo tem só drinks e chopp sem álcool em seu cardápio Imagem: Karime Xavier/Folhapress

Luiza Pollo

Da agência Eder Content, em colaboração para o TAB

29/11/2019 04h01

Quem entra no Astor, SubAstor ou no Bar do Cofre SubAstor em São Paulo, provavelmente quer provar um coquetel assinado pelo italiano Fabio La Pietra, premiado diretor criativo e bartender das casas renomadas. Já quem não consome álcool (seja porque está tomando remédio, porque vai dirigir, por motivos religiosos ou simplesmente porque não quer beber) pode se sentir meio deslocado com uma aguinha ou um refrigerante nos ambientes glamourosos com luz baixa.

Mas não precisa ser assim. La Pietra prepara coquetéis de baixo ou zero nível alcóolico com a mesma criatividade e cuidado que os alcoólicos, e prevê que cada vez mais os bares vão investir em opções sem álcool.

Seguindo o que considera uma tendência mundial, o italiano criou recentemente novos drinks nessa gama para o cardápio do Bar do Cofre, e conta que prepara diversas outras opções para os clientes nos estabelecimentos em que trabalha.

Com experiência de coquetelaria em diversas cidades no mundo, ele explica que vê cada vez mais clientes procurando essas alternativas. "A tendência mais forte é a do low-alcohol. Você consegue provar mais drinques, porque o custo é menor é não tem o mesmo peso do álcool", observa La Pietra.

It?s a beautiful night to come check out our new sandwich boards.

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Segundo a revista gastronômica Bon Appetit, o mercado de bebidas engarrafadas no ou low-alcohol deve crescer aproximadamente 32% entre 2018 e 2022 - o triplo do aumento registrado nos cinco anos anteriores. Líder no mercado de cervejas, a multinacional AB InBev quer que os rótulos sem ou pouco álcool representem pelo menos 20% das vendas mundiais de cervejas da empresa até 2025. Atualmente, essa parcela fica em torno de 8%.

La Pietra confessa que ele próprio com dois Negronis (que leva gin, vermute e Campari) já está "sambando". "Se você mora num país tropical, 40°C, come e bebe, demora para metabolizar o álcool", afirma. "Com o low ou no-alcohol, como profissional você consegue servir mais coquetéis sem intoxicar o cliente." Ele diz que ainda há preconceito em relação aos coquetéis desse tipo, principalmente porque ainda há um público que frequenta bares para sentir os efeitos do álcool. Mas La Pietra já percebe uma abertura cada vez maior à experiência mais sóbria.

Nos Estados Unidos, a moda tem nome: sóbrios curiosos. O termo ganhou relevância após a publicação no fim do ano passado do livro "Sober Curious: The Blissful Sleep, Greater Focus, Limitless Presence, and Deep Connection Awaiting Us All on the Other Side of Alcohol", da autora britânica Ruby Warrington, que é moradora de Nova York.

O subtítulo diz tudo: o sono feliz, o maior foco, a presença sem limites e a conexão profunda que nos esperam do outro lado do álcool, em tradução livre. Como toda tendência, virou hashtag: #sobercurious está em dezenas de milhares de posts no Instagram, e costuma aparecer ligado ao movimento #wellness.

No livro, Warrington fala das pessoas que estão diminuindo ou cortando completamente o consumo de álcool por bem-estar. A ideia é refletir sobre como a bebida realmente nos faz sentir.

Foi isso que a designer Caroline Klassmann, de 27 anos, decidiu fazer em julho do ano passado. "Parei por escolha, para ter um pouco mais de controle. Toda vez que eu bebia me sentia muito mal depois", resume. Havia a ressaca no dia seguinte, que foi piorando, e o medo de esquecer o que tinha feito.

"Enquanto estava bebendo não queria parar, aí comecei a achar um pouco preocupante. Fui ficando mais velha e comecei a enxergar o álcool mais como uma muleta social", relata. Hoje, ela percebe os benefícios da decisão. "Às vezes no sábado de manhã, aquele dia com sol, eu penso: 'nossa, que bom que posso aproveitar, não estou de ressaca hoje'."

Cerveja e caipirinha

No Brasil, bebemos em média, 7,8 litros de álcool por pessoa anualmente, segundo o relatório mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS). Publicado em 2018, esse dado baseia-se nos anos de 2015 a 2017. O número é mais alto que a média mundial (6,4 litros), mas um pouco mais baixo da média das Américas, de 8 litros per capita.

Vale destacar que as medidas são de álcool puro. Uma latinha de 350 ml de cerveja de teor 4,5%, por exemplo, tem 15 ml de álcool.Comparado à pesquisa anterior, reduzimos o consumo: entre 2009 e 2011, o brasileiro bebeu em média 8,8 litros de álcool por ano.

No entanto, nesses seis anos aumentou o número de episódios de consumido excessivo no país — quando a pessoa afirma ter consumido o equivalente a 60 gramas ou mais (cerca de 5 doses ou mais) de álcool em uma única ocasião ao menos uma vez nos 30 dias anteriores à pesquisa.

Livre de álcool

O empresário André Jacinto Berti percebeu bem a relação do brasileiro com o álcool quando inaugurou o Jazz Restô e Burgers em São Paulo em 2012. Por motivos religiosos (André é Adventista do Sétimo Dia), ele não consome álcool e decidiu abrir um estabelecimento 100% sóbrio.

"Tinha muita demanda (por álcool): 'não tem uma cerveja, uma caipirinha?'. O cliente chegava no happy hour, sentava e já pedia uma caipirinha", relata. Foi quando Berti decidiu estudar as receitas 'virgens' do coquetel. Em seguida vieram as cervejas 0%, outra dezena de opções de drinks elaborados e até chope.

Berti afirma ter o único (ou os dois únicos, já que são duas unidades do Jazz Restô e Burgers) bar sóbrio com foco em drinks e cervejas não alcoólicos em São Paulo.

O ambiente do Jazz fica entre o de um restaurante e o de um bar, e costuma atrair clientes com perfis variados, conta o dono. Como o bar não anuncia por todos os cantos que é um estabelecimento sem álcool, ainda recebe gente em busca de uma cerveja com frequência, conta Berti. Para não perder o cliente, ele oferece uma prova de um rótulo sem álcool. "A pessoa gosta e fica surpresa. Uma cerveja ruim vai ser ruim com ou sem álcool, não é isso que faz a diferença", argumenta.

Menos bêbados, menos assédio

Além de opções mais elaboradas que permitam fugir do suco, água e refrigerante, quem não bebe também está atrás de ambientes com menos gente bêbada. Berti, por exemplo, relata que recebe muitas festas de família no Jazz. Mas não são só os mais velhos e as crianças que passam longe do clima de bebedeira no entorno. Caroline comenta que, desde que deixou de beber, os bares viraram ambientes bem menos agradáveis.

"O cheiro de cigarro me incomoda mais, gente bêbada me irrita demais. Hoje eu saio bem menos; ou você tem a opção de sair para comer ou ir a um bar. Quando vou em bares acabo me sentindo meio moralista por reclamar do ambiente", relata.

Drink do bar totalmente sem álcool chamado Listen, em Nova York (EUA) - Reprodução - Reprodução
Drink do bar totalmente sem álcool chamado Listen, em Nova York (EUA)
Imagem: Reprodução

O ideal, segundo ela, seria ter a sensação de sair à noite com os amigos, sem o clima de um restaurante, nem as chatices da bebedeira em volta - gritaria, assédio e gente passando mal. Aqui no Brasil ainda é difícil encontrar locais assim, mas nos Estados Unidos os sober bars já começam a aparecer.

"Acho que é como o movimento vegetariano. Você chegava num lugar e não tinha opção. Começou com uma, duas, três? Hoje toda casa tem que ter", compara Berti, que prevê crescimento nos próximos anos no número de bares com opções sem álcool — ou até mesmo 100% sóbrios.

Por enquanto, uma ideia é se aventurar nos coquetéis em casa mesmo. Você já leu aqui no TAB que o novo rolê dos jovens é no sofá. Que tal sextar em casa e testar uma receita sugerida por um dos bartenders mais conhecidos de São Paulo? É bem fácil: suco de pepino filtrado em filtro de café (assim você evita a textura da polpa que fica quando o suco é peneirado) com água tônica ou refrigerante caseiro. "É uma carga de vitamina vegetal, com ingredientes da moda. Você tem aí um pepino com tônica", sugere La Pietra.