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Ficar em casa é o rolê dos jovens: sofá compete com bar na hora do #sextou

Millennials saem menos de casa e, quando saem, querem viver "experiências" - Jetshoots/Unsplash
Millennials saem menos de casa e, quando saem, querem viver "experiências" Imagem: Jetshoots/Unsplash

Luiza Pollo

Da agência Eder Content, em colaboração para o TAB, de São Paulo

25/10/2019 04h00

#Sextou não é mais sinônimo apenas para o início dos tradicionais divertimentos do fim de semana: sair, beber, dançar e curtir com os amigos. Ficar em casa deixou de ser algo a esconder, e o combo Netflix, vinho e máscara facial viraram rolê digno de postar nas redes sociais. Economizar energia, dinheiro e tirar um tempinho para cuidar de si mesmo agora são cool.

Se antes o FOMO (em inglês, fear of missing out, aquela sensação de estar perdendo algo muito legal, que todo mundo está aproveitando, menos você) imperava nas redes, o JOMO (joy of missing out, a alegria em estar por fora) ganha seu momento. Dá para tirar onda de quem saiu na sexta à noite, cansado depois de uma semana inteira de trabalho, gastou para entrar na balada e beber drinques com preços abusivos, só para acordar de ressaca no dia seguinte (sem ter feito a rotina de skincare à noite, claro).

Com tantas opções para se divertir online sozinho, sair de casa pode parecer até desnecessário. A 19° Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia 2018-2022 da PwC, que analisou os gastos dos consumidores e anunciantes em 15 segmentos de entretenimento e mídia em 53 países, mostra que o peso da internet na diversão já é grande, e não deve parar de crescer. O estudo aponta que, em 2017, 37% dos gastos do consumidor com entretenimento e mídia foram destinados ao acesso à internet. Em 2022, serão mais de 50%. Games e e-sports puxam esse crescimento.

Nos Estados Unidos, uma pesquisa da Mintel (agência de inteligência de marketing) aponta que o rolê dos millennials é bem mais caseiro do que o da geração dos baby boomers. Entre aqueles com idades de 24 a 31 anos, 28% disseram que preferem beber em casa, porque sair dá muito trabalho. Em contraste, 15% daqueles de 54 a 72 anos concordam que é muito esforço sair para beber.

Rolê em casa - Neobrand/Unsplash - Neobrand/Unsplash
Brasileiros se divertem tanto dentro quanto fora de casa
Imagem: Neobrand/Unsplash

Por aqui não há estudos consolidados que mostrem que os jovens brasileiros estão ficando mais em casa, mas é inegável que as opções de entretenimento solo nesse espaço estão proliferando. Não precisa nem passar do portão para comer, beber, conversar com os amigos ou paquerar. Aliás, não é preciso nem sair do sofá.

Mas será que os apps estão diminuindo nossa necessidade (e vontade) de sair de casa, ou eles são uma resposta do mercado à demanda dos consumidores? A psicóloga Josie Conti ressalta que ficar em casa é uma forma de proteção, tanto para escapar da violência quanto contra os desafios comportamentais que possam surgir na interação com o outro.

"A casa é como um útero, o local mais seguro, mais confortável, onde ninguém está me confrontando. É uma delícia, mas também pode representar medo e falta de adaptabilidade em lidar com o mundo", afirma. Pelo celular, dá para se manter com mais facilidade dentro das bolhas (sempre elas). Mas isso vem espelhando também no "mundo real".

Segmentação e nichos

Célio Salles, membro do conselho de administração nacional da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), afirma que os bares segmentados, que atendem a tribos específicas, são tendência. "O convívio começa online, mas os jovens querem se encontrar em algum lugar", diz ele, que não percebe uma diminuição desse público no setor. É o caso dos bares de jogos, por exemplo, ou locais que atraem gênero musical. Em São Paulo existe até uma hamburgueria dedicada aos fãs de "Star Wars" (que já não usa o nome da franquia de filmes, após um problema de direitos autorais). Veja abaixo:

A verdade é que redes sociais e vida social estão conectadas. "A imagem digital pauta o espaço físico. É uma geração que se relaciona muito pelo que é percebido do ponto de vista da imagem", diz Milene Soares Cara, coordenadora da Pós-Graduação em Arquitetura Comercial do Senac São Paulo. Ela afirma que uma das grandes tendências tem sido a criação de espaços instagramáveis. "A capacidade dos estabelecimentos de oferecer experiências inusitadas onde eu possa fotografar interagindo os faz mais atrativos", explica.

Outra tendência, apontada pela pesquisa da Mintel, é servir bebidas ou comidas diferentonas, difíceis de serem reproduzidas em casa.

Para Salles, o setor de bares e restaurantes consegue se adaptar rápido às tendências — ajustes no cardápio e mudanças na decoração do espaço não tomam tanto tempo, e o investimento não precisa ser tão grande. Além disso, ele afirma que a cultura do conforto não concorre com o mercado do entretenimento fora de casa. "Elas operam simultaneamente", diz.

Uma pesquisa da Globosat afirma que, para os brasileiros, a diversão fica bem dividida entre dentro e fora de casa: 31% dizem se divertir mais frequentemente em casa, enquanto 38%, fora dela. Para os mais jovens, de 18 a 24 anos, a principal diversão em casa é assistir a alguma coisa — que consideram até mais legal do que receber pessoas.

"Percebemos um prolongamento da infância e da adolescência", aponta Josie. "São jovens que ficam em casa, são superestimulados, não têm tanto traquejo social." Para a psicóloga, o convívio com o diferente é essencial para criar maturidade.

Em busca de experiências

"Temos uma geração que passa a se relacionar mais por aquilo que é a representação do sujeito, então os estabelecimentos estão tentando oferecer algum ponto estético diferente, ou articular outras experiências além do que se espera deles", diz Milene, do Senac. Ela cita karaokês, jogos e outras atividades em grupo como diferenciais para tirar esses grupos de casa.

Essas experiências que vão além do beber uma cerveja e conversar com os amigos, e ainda permitem uma boa foto para o Instagram são as que mais convencem, afirmam os entrevistados. É por isso que shows de música, por exemplo, não perderam espaço para o streaming: são maneiras totalmente diferentes de consumir entretenimento. A pesquisa da PwC indica, inclusive, que as bilheterias de shows e filmes devem crescer consistentemente nos próximos anos, já que "a demanda por experiências compartilhadas e ao vivo se mantém no Brasil e no mundo."

Ormene Carvalho Coutinho Dorneles Agudo, coordenadora da Pós-Graduação em Administração e Organização de Eventos do Senac São Paulo, observa que os festivais de música segmentados continuam fazendo sucesso, e aqueles que se reinventam e criam espaços de interação para o público - além dos shows de música - saem na frente. "A gente está competindo eternamente com multitarefas", afirma.

Ao mesmo tempo, quem não tem acesso a essas atividades por uma questão financeira, ou porque está longe, atualmente consegue acompanhar a diversão pela internet, e participar do momento nas redes sociais, observa Ormene.

Ficar em casa ou sair, postar ou não postar a diversão no Instagram — tudo é válido, lembra Conti. "Mas é preciso perceber se eu estou em casa por opção e prazer ou por fuga e comodidade", alerta.