Mindfulness é meditação 'da firma' para maior produtividade e atrai famosos
"Estresse", respondeu o monge Segyu Choepel Rinpoche sem titubear quando perguntei qual a principal motivação de grandes nomes do Vale do Silício quando o procuram para meditar.
Segyu é brasileiro, mas mora nos Estados Unidos desde 1983 e atende inclusive a CEOs de Big Techs em sua escola de meditação, baseada na Califórnia. Um de seus clientes mais conhecidos foi Steve Jobs, cofundador da Apple que morreu em 2011. Mas muitos famosos adotaram o mindfulness: Gisele Bündchen, Katy Perry, LeBron James, Paul McCartney, Warren Buffett, João Doria e outros tantos.
Em 2010 foi publicado um dos estudos mais conhecidos sobre o assunto, intitulado "A Wandering Mind is an Unhappy Mind" (uma mente que divaga é uma mente infeliz, em tradução livre). Escrito por dois psicólogos de Harvard, ele aponta que, mesmo quando estamos nos divertindo, nosso pensamento costuma estar em outro lugar.
Foi quando o mindfulness começou a ganhar força. Mindfulness é uma técnica que prega a atenção plena, deixando de lado todos os outros pensamentos para focar no que está acontecendo no momento. Chegar a esse ponto não é fácil e exige treino, já que o estudo aponta que nossa mente fica viajando aproximadamente metade do tempo em que estamos acordados.
Nessa mesma época, o iPhone ganhava popularidade, e com ele a revolução dos smartphones nos deu acesso a aplicativos para tudo. Mais conectados, com a possibilidade de trabalhar de qualquer lugar, também precisamos de mais opções para desconectar. A tecnologia, então, achou um jeito de colocar a meditação na ponta dos nossos dedos. Em 2018, a Harvard Health Publishing contou quase 300 apps de mindfulness somente na App Store.
Em uma sociedade que procura eficiência a todo custo, a meditação é muitas vezes interpretada como uma forma de hackear a mente para trabalhar melhor. Mas Rinpoche tem ressalvas. Apesar de ter um celular e afirmar que a meditação ajuda, sim, a melhorar a produtividade, ele alerta que esse não deve ser o foco da prática. "A performance no trabalho é consequência, mas não é o fim ou o meio. Pelo menos não comigo", disse o monge em entrevista ao TAB, após participar do painel "Meditação e Inspiração" do evento Brainspace, que ocorreu em São Paulo em novembro de 2019.
Mas é verdade que muitos clientes do Vale do Silício chegam com essa ideia, admite. Nesses momentos, brinca: "Eu pergunto quanto eles ganham, e digo: 'então você vai me pagar três, quatro vezes seu salário para melhorar a produtividade'."
Professor da Universidade de San Francisco (EUA) e budista, Ronald Purser aponta que o mindfulness é a "espiritualidade do novo capitalismo", porque retira das empresas a responsabilidade pelo estresse provocado pela pressão por resultados, no ambiente de trabalho, e jogando para o indivíduo a resolução de um conflito que não diz respeito somente a ele. Em entrevista à revista semanal portuguesa Visão, Purser, que lançou em 2019 "How mindfulness became the new capitalism spirituality", afirmou que a prática pode se tornar um instrumento de desigualdade, um modo de manter "as relações de poder desiguais que caracterizam as empresas e organizações capitalistas. Basicamente, ele reproduz estas relações de poder por meio da ilusão da autodisciplina".
Mas funciona?
A apropriação, digamos, capitalista, da meditação tem lá suas bases. Como Rinpoche afirma, a melhora da produtividade pode vir como consequência de uma mente mais focada.
"Quando eu medito, saio do estado de devaneio e distração. E também não é atenção com tensão. Queremos estar num estado de atenção relaxada, para permitir novas resoluções", afirma Elisa Kozasa, cientista do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein, também no Brainspace.
Kozasa, que pesquisa a prática, afirmou que a meditação ajuda no momento do insight. Sabe quando vem aquela ideia certeira, o pensamento que você estava procurando, mas não encontrava de jeito nenhum? O momento "a-há!" — como afirma a cientista — costuma ocorrer quando a mente está atenta, mas relaxada.
Um estudo de 2018, publicado na revista científica Frontiers in Human Neuroscience e assinado por oito pesquisadores, incluindo Kozasa, apontou que a meditação foi benéfica para um grupo de voluntários na hora de cumprir uma tarefa que exigia atenção.
O efeito foi comparado entre dois grupos: um de meditadores frequentes e outro de pessoas que não meditavam. Todos foram testados antes e depois de um retiro zen de sete dias, e as pessoas que não estavam acostumadas com a prática tiveram resultados que apontam para uma melhora na eficiência cerebral durante a tarefa.
O administrador Marcelo Leonardi, que participou do Brainspace como espectador, é um consumidor confesso de vídeos no YouTube e aplicativos de meditação. Aliado a terapia e reiki, ele usa o mindfulness para equilíbrio pessoal. Depois de tentar tratamento tradicional para ansiedade e depressão com medicamentos, Leonardi disse ter encontrado equilíbrio com práticas holísticas.
"Começa quando você acorda e reserva o tempo da meditação. Isso tira aquela pilha da ansiedade, de já acordar e começar a pensar em e-mail, quanto tempo vou demorar para chegar no trabalho ou para fazer uma visita a um cliente", relata. No fim do dia, ele medita para dar uma acalmada, sair daquele estado de tensão e passar a um estado mais relaxante de presença. Leonardi medita inclusive durante o dia de trabalho, em práticas mais curtas para recuperar o foco e desestressar.
Rinpoche se mostra um pouco incomodado com a ideia de que a ciência está "comprovando" os benefícios da meditação. Para ele, a ordem das coisas está invertida — é a ciência que está se abrindo e se elevando para receber uma prática milenar.
E lembra: o objetivo precisa ser de mudança de vida. Cada um terá sua busca pessoal na meditação, mas usá-la apenas para o trabalho não funciona, defende ele. "Tem que mudar esse paradigma. Você muda e tem uma visão de longo prazo. Senão a pressão é tão forte que você desiste, você não terá força de crescimento."
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