52% dos jovens usam psicoativos para lidar com a pandemia no Brasil
A pandemia causada pelo novo coronavírus impactou os hábitos dos brasileiros de maneira profunda — inclusive na relação com as substâncias psicoativas. Estudo inédito aponta que 38,4% das pessoas em quarentena relataram aumento no consumo de drogas, legalizadas ou não. Delas, 34% disseram ter diminuído a frequência de uso e 27% mantiveram os hábitos anteriores à quarentena.
O levantamento do Centro de Convivência É de Lei, com apoio do Grupo de Pesquisas em Toxicologia e do LEIPSI (Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos), ambos da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), foi feito com mais de 4 mil pessoas, entre 30 de abril e 15 de maio.
Nessa pequena janela, em meio a uma quarentena que passa de três meses — e que se limita a um grupo privilegiado de pessoas —, há de tudo: gente que parou de usar, que relatou aumento e até de quem tenha começado a fazer uso frequente por causa da pandemia.
A percepção dos entrevistados revela algo importante: mais da metade deles acredita que o uso dessas substâncias ajudou a lidar com a quarentena. Apenas 4% apontaram que as drogas atrapalham e 44% foram indiferentes, opinando que elas não ajudam nem atrapalham.
Substâncias psicoativas têm ajudado a lidar com a quarentena e o fato de estar em uma pandemia
52,1% Sim, elas me ajudam
4,2% Não, pelo contrário, complicam mais minha vida
43,7% Indiferente, não ajudam, nem atrapalham
Para 43% dos entrevistados, o uso dessas substâncias acontece inclusive durante atividades de trabalho. A prática é considerada hábito antigo por 39%, que relataram fazer uso de psicoativos durante o home office antes da quarentena.
"Isso diz sobre a natureza desse tipo de trabalho. Quem é que vai levar uma cerveja long neck para a reunião presencial? No home office, é perfeitamente possível — ainda mais se o uso for controlado", observa o psiquiatra da UNICAMP e co-orientador do estudo, Luís Fernando Tófoli. "Café já é bastante aceito, é uma droga do ambiente de trabalho e que aumenta a performance".
Tem usado substância psicoativa para realizar atividades de trabalho e home office na quarentena
56,9% Não
43,1% Sim
Quando perguntados sobre a mudança no uso de substâncias durante atividades de trabalho e home office
49,39% dos participantes responderam que não usavam e continuaram não usando psicoativos durante a quarentena
7,49% pararam de usar na quarentena
31,9% disseram continuar usando na quarentena
11,8% disseram não fazer uso frequente, mas ter usado durante a quarentena
Uma análise mais geral, no entanto, relatou queda no consumo de todas as substâncias, com exceção do chá — sim, os saquinhos que compramos nos supermercados são considerados psicoativos, porque alguns têm efeito calmante (capim santo, erva cidreira e maracujá), outros são estimulantes (chá preto, chá verde).
"Embora não haja essa tendência generalizada de aumento, existem alguns grupos mais sensíveis a essa situação, como os usuários problemáticos — e outros que não tinham o hábito, mas aumentaram o uso", observa a farmacêutica e redutora de danos Ana Cristhina Sampaio Maluf, que conduziu o estudo como parte de seu doutorado. "A mudança do contexto de consumo pode afetar a experiência e a relação com as substâncias neste período de isolamento. Torna o consumo mais individual do que social, e isso tem consequências."
O universo pesquisado se deu na internet, com mais de metade dos entrevistados entre 18 a 34 anos. "É uma mostra basicamente de jovens, que se identificaram com o perfil da pesquisa. Não estamos falando de uma mostra representativa da população brasileira", explica Maluf.
Quando usa substâncias durante a quarentena, sente que está fazendo isso para evitar discussões, problemas ou responsabilidades
71,5% Não
28,5% Sim
Necessidade de uso da substância durante a quarentena
35,8% Moderada
34,6% Muita
29,6% Nenhuma, pouca
Mudança de relação com a substância que mais consome
30,5% Agora tenho apreciado mais
14,7% Não aprecio como antes
50,1% Não teve mudança
4,6% Tenho tido experiências ruins (bad trip)
Dentro desse universo, Tófoli pede atenção ao que ele chama de "fatia preocupante". "É uma faixa de 15% das pessoas que respondem à pesquisa dando respostas preocupantes", diz. "Certamente, algumas que entraram na pandemia sem dependência vão sair dela dependentes. No sentido de política pública, temos que estar preparados para receber um certo número de pessoas que tiveram a dependência acentuada ou desenvolvida durante a pandemia."
Essa fatia fica evidente nas seguintes questões:
Tem compartilhado cigarros, cachimbos, canudos, piteiras, bongs e outros materiais durante a quarentena
84% Não
16% Sim
Refletiu que a quarentena seria o momento para aumentar o uso de substância
66,3% Não
12% Sim
21,8% Sem resposta
Sem bar, mas com bebida
O estudo também se debruçou sobre a relação dos entrevistados com cada droga. Entre todas as citadas no estudo, as legalizadas são as que registraram menor queda no relato de uso. "São as drogas funcionais, como cigarro, café, chá e sedativo, que você não usa na hora que você está trabalhando, mas que pode usar depois no fim do dia, para poder dormir", observa Tófoli.
Por ser um provocador de doença pulmonar, o cigarro sofreu uma queda de 20% no consumo no período.
Já o consumo de bebidas alcoólicas acende um alerta, por ser, de longe, a droga mais consumida pelos brasileiros — antes e durante a crise provocada pela Covid-19. Apenas 8,48% disseram não consumir e terem continuado assim. O que muda é a situação: se, antes, ela era vista como uma droga social, agora ela está sendo consumida por pessoas sozinhas em casa. Dos entrevistados, 5,68% relataram ter começado a beber na quarentena.
Outra pesquisa recente feita no Brasil, divulgada pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), apontou que 18% disseram ter aumentado o consumo durante a quarentena. A estatística ganha reforço quando se observa os hábitos a nível global. Dados prévios, divulgados pela Global Drug Survey — que anualmente faz um dos mais completos levantamentos online sobre o consumo de drogas em todo o mundo —, mostra que, na pandemia, 43% disseram ter aumentado o número de dias em que consomem álcool. No Brasil, o número ficou em 41%.
As razões para beber mais variam, mas dois motivos aparecem em destaque: o tédio e o tempo disponível em casa.
A versão brasileira da pesquisa está sob orientação de Tófoli e de Clarice Madruga, da Unifesp. Para participar, acesse aqui.
Uso de bebidas alcoólicas
8,5% Não usava e não usou durante a quarentena
11,3% Parou de usar na quarentena
74,5% Continuou a usar na quarentena
5,7% Começou a usar durante a quarentena
Os ansiolíticos também registraram uma queda muito pequena: 17,6% relataram uso antes da pandemia e o número caiu sensivelmente para 16,3% durante a quarentena. Dos entrevistados, 4,3 % relataram ter começado no mesmo período.
Uso de ansiolíticos
78,1% Não usava e não usou durante a quarentena
5,6% Parou de usar na quarentena
12% Continuou a usar na quarentena
4,3% Começou a usar durante a quarentena
Drogas de festa em queda
As substâncias chamadas por Tófoli de "drogas de festas" registraram maior queda durante o isolamento social. Cocaína, LSD, MDMA e Cogumelo são algumas delas. A proibição de festas e baladas influiu diretamente nas estatísticas. Apenas a maconha registrou queda menor: 15,9% dos usuários disseram ter suspendido o hábito durante a quarentena, enquanto 34,7% continuaram e apenas 2% afirmaram que passaram a fazer uso no período.
"É muito variado o que se considera uso social da maconha. Tem um substrato pequeno, mas que existe, de gente que é dependente de maconha, embora muito menos do que cigarro e bebida alcoólica, e tem gente que faz uso para propriedades terapêuticas, ao invés de um ansiolítico. As pessoas fumam um baseado para dormir", observa Tófoli.
Quanta falta faz ir a bar, festa ou festival
20,5% Nenhuma, pouca
22,2% Moderada
57,4% Muita
Continua indo a bares ou casa de amigos para fazer uso das substâncias
94,7% Não
5,3% Sim
"Nós temos, nessa história da pandemia, tanto quem usou a oportunidade para parar com os psicoativos quanto quem vai mergulhar de cabeça — e pode ter problemas quando o isolamento terminar. Quando isso passar, devemos estar preparados", observa Tófoli.
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