Detetives contam como investigações de adultério são feitas na pandemia
A essa altura do campeonato, nem é preciso dizer que o trabalho de detetives particulares também foi afetado pela pandemia da Covid-19. Afinal de contas, trata-se de um ofício que depende de horas a fio de trabalho na rua e contato humano. Apesar de as agências particulares se especializarem em diferentes tipos de investigação, os casos de infidelidade ainda são a principal demanda no ramo. Mesmo com o isolamento social, investigadores afirmam que seguem sendo acionados para elucidarem suspeitas de traição.
A história do adultério na sociedade ocidental é extensa — no Brasil, foi considerado crime até 2005, quando foi revogado no Código Penal. Trair, portanto, não é crime, mas a infidelidade conjugal pode ser importante em casos de divórcio ou rescisão de casamento perante o Poder Judiciário.
Até hoje, a infidelidade é um importante símbolo cultural. A dúvida sobre a traição de Capitu torturou a mente de Bentinho, protagonista de "Dom Casmurro", de Machado de Assis, e ainda é motivo de discussão entre leitores. O tema também foi um elemento central nos contos de Nelson Rodrigues em "A Vida Como Ela É", e é responsável por inúmeras canções tristes — desde Lupicínio Rodrigues a cantores de sertanejo universitário.
"O adultério é o carro-chefe da investigação privada no Brasil", explica Detetive Ábacus, um dos sócios proprietários da agência homônima, sediada em Porto Alegre (RS) e presidente da ODB (Ordem dos Detetives do Brasil). "Eu acredito que não só no Brasil, mas no mundo inteiro. O adultério nunca vai deixar de existir. Hoje percebemos que tanto o homem quanto a mulher pulam a cerca".
Procura por serviços se intensificou
Se não é raridade ver jovens furando a quarentena para transar, o mesmo se aplica para quem tem um caso extraconjugal. Segundo Ábacus, o contato de cônjuges desconfiados à agência se intensificou. Aparentemente, quem desconfia de uma infidelidade está com mais tempo para pensar nas atitudes do parceiro — agora, isolado em tempo integral em casa.
"Na verdade, o que temos observado é que as pessoas têm mais tempo de entrar em contato conosco. Nós estamos dando mais informações e fechando menos trabalhos. Observamos isso, temos mais pessoas fazendo o contato porque elas estão em casa, têm mais condições de pensar naquilo. As pessoas também não pegam mais o telefone para ligar, eles digitam pelo WhatsApp, provavelmente porque o parceiro deve estar por perto", explica.
Na mesma linha, Fabrício Dias, fundador da Agência Líder, sediada na capital de São Paulo, confirma a procura dos serviços em meio à pandemia. "Quem procura nosso trabalho é porque já tem uma suspeita muito evidente e só precisa constatar. A questão de ligações de cotações para o trabalho aumentou muito. Tenho, em média, de 10 a 15 ligações por dia sobre informações de traição, porque os maridos e mulheres estão mais em casa e, obviamente, esse convívio está tendo muito mais desgaste", conta. "Há muita procura sobre como funciona [uma investigação de adultério], o que fazer agora que a pessoa está diferente, porque ela se tranca no quarto, usa o telefone sem parar, esconde o celular. As pessoas estão vendo que a convivência em uma casa, sem sair de dentro dela todos os dias, não é fácil".
Saídas pontuais
Segundo Dias, a pandemia afetou diretamente o modo de investigação dos detetives. "O mercado, de 60 dias para cá, a partir do início da pandemia, teve uma mudança muito forte em relação ao que chamamos de campana — que é a investigação de rua e o acompanhamento pessoal", explica. O trabalho de campana, isto é, ficar de vigia, é essencial para a elucidação da maior parte das investigações, seja ela feita pela polícia ou por um investigador particular.
"Em outros casos, seja na área criminal e com advogados, o mesmo problema está acontecendo. Fora as pesquisas que podemos fazer usando o trabalho de computação e a internet, o trabalho de rua está complicado. Existe a preocupação: temos família, temos pessoas mais velhas próximas a nós", conta Ábacus ao TAB.
A impossibilidade de sair de casa conseguiu reduzir um trabalho que, outrora, demorava mais de uma semana para ser realizado, em saídas pontuais. "Nosso trabalho está sendo mais pontual e direcionado ao dia certo. Normalmente, quando se sai, a gente pega. Nós temos uma média de sucesso de casos de traição, variando de 70 a 80%. Ultimamente, essa porcentagem aumentou, porque quando a pessoa sai, é para fazer uma coisa que não condiz com a situação da fidelidade. Ou seja: sai para trair", diz. Em casos mais extremos, há também a chance dos investigadores instalarem escutas no carro e na residência para juntar provas. "Porém, isso só é feito com expressas autorização do cliente", esclarece Dias.
Para o contratante, é entregue um relatório com fotos, vídeos e outras provas que comprovam que o cônjuge está tendo um caso extraconjugal. Por conta do cenário atual, o valor do serviço caiu consideravelmente. "Em São Paulo, agora, é cobrado em média R$ 1500 por dez horas de investigação. Em um quadro normal, o valor seria de R$ 4800 por um trabalho de cinco dias."
Queda drástica em investigações empresariais
Ambas agências também relatam uma queda drástica na procura e resolução de investigações empresariais e industriais — consequência direta do home office estabelecido em diversos estados para serviços não essenciais.
"Tivemos que suspender [a investigação] em função da empresa parar as atividades. Como essa essa pessoa ia se infiltrar dentro da parte de escritório, realmente não teve como", lamenta Ábacus. "No entanto, já está começando a melhorar, estamos dando uma série de orçamentos e acredito que dentro de dois a três meses, a coisa deve normalizar. Graças a Deus."
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