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'Mãe' do mindfulness explica por que gostamos de nos sentir no controle

Jogo de cartas - Alessandro Bogliari/Unsplash
Jogo de cartas
Imagem: Alessandro Bogliari/Unsplash

Luiza Pollo

Colaboração para o TAB

15/07/2020 04h00

Digamos que você escolheu e comprou um bilhete de loteria com a data de aniversário de alguém da sua família. Você toparia trocá-lo com outra pessoa, por um bilhete com um número aleatório? Provavelmente não, né? As chances de levar o prêmio seriam exatamente as mesmas, mas é totalmente normal se apegar a padrões familiares em situações onde apenas a sorte está em jogo.

Foi essa percepção que baseou os primeiros estudos de Ellen Langer quando ela era estudante de pós-doutorado na Universidade de Yale, no início da década de 1970. Na época, ela desenvolveu uma teoria que se solidificou na psicologia sob o nome "ilusão de controle". Hoje, Langer é professora de psicologia em Harvard.

A ideia é que nós, humanos, superestimamos a nossa capacidade de controle sobre os mais diversos resultados. Há situações em que a habilidade ajuda, e sobre essas nós temos algum poder — por exemplo, estudar para passar no vestibular. Em outras, estamos na mão da sorte — por exemplo, ao comprar um bilhete de loteria.

Mas será que é melhor acreditar que a gente tem poder sobre os resultados? É perigoso ter muita confiança na nossa capacidade de mudar alguma coisa durante uma pandemia, por exemplo? De sua casa em Cambridge, nos Estados Unidos, Langer conversou com o TAB em uma chamada de vídeo para falar dessas questões — e de como lidar com as incertezas.

Ellen Langer, professora do departamento de Psicologia de Harvard, em entrevista ao TAB - UOL TAB - UOL TAB
Ellen Langer, professora do departamento de Psicologia de Harvard, em entrevista ao TAB
Imagem: UOL TAB

Ellen Langer é professora do Departamento de Psicologia da Universidade de Harvard desde 1977 e foi a primeira mulher a entrar para a categoria de Tenure no departamento, título que garante estabilidade e maior liberdade de pesquisa.

Ela foca seus estudos nas áreas do controle, de tomada de decisão e do bem-estar, procurando entender como a mente influencia na saúde física do corpo, e é descrita como a "mãe do mindfulness".

TAB: Para começar, queria que você explicasse um pouco o que é a ideia de ilusão de controle.

EL: Vou responder à sua pergunta, mas preciso avisar que vou chegar ao ponto de te dizer que eu não tenho mais certeza de que seja uma ilusão. Saiba disso [risos]. Um dia, eu estava em um cassino e vi as pessoas conversando com as máquinas, fazendo várias coisas esquisitas, achando que elas mudariam o resultado. Em outro momento, estava na universidade jogando pôquer com colegas, e, em vez de entregar a primeira carta à pessoa ao meu lado, dei à pessoa seguinte, depois para a outra. Todo mundo na mesa — alunos de Yale! — disse: "você não pode fazer isso!". Mas qual a diferença? Eles sentiam que aquela carta "era para ser" deles.

Comecei a prestar atenção nessas coisas estranhas que as pessoas estavam fazendo e decidi pesquisar. A ideia era: se você pega fatores relevantes em situações de habilidade e os aplica a situações de sorte, as pessoas se comportam como se elas pudessem controlar o resultado

Em uma situação de habilidade, quanto mais você treina, melhor você fica, normalmente. Já numa situação de sorte, não importa quantas vezes você jogar um dado, você não está melhorando a sua performance. Não importa se você joga os dados para mim ou se eu jogo por mim mesma. Mas, se você faz as pessoas praticarem, elas acham que estão melhorando. Foi aí que tudo começou.

No entanto, continuando com essa busca ao longo dos anos, ficou claro para mim que, em várias situações, nós simplesmente não sabemos se temos controle. Você não tem uma ilusão. Você simplesmente acredita que tem controle.

TAB: E quais os problemas ou os benefícios de acreditar que você tem controle sobre algo?

EL: Vamos dividir em quatro cenários para entender melhor.

1. Se você acredita que você não tem controle e de fato não tem, tudo bem. Pequena vitória, você estava certo.
2. Se você acredita que você não tem controle, e na verdade você tem, é uma grande perda.
3. Se você acredita que você tem controle e você não tem, provavelmente nem vai descobrir. É uma pequena derrota.
4. Se você acredita que você tem controle e você tem, é uma vitória gigante.

Quando você soma tudo isso, metaforicamente, é melhor acreditar que você tem controle. Quando você acredita que tem controle, você se organiza de maneira diferente. Você está lá, percebendo as coisas. E toda a minha pesquisa sobre mindfulness, que é o processo simples de prestar atenção ativamente, leva a saúde e bem-estar.

TAB: Que interessante, eu tinha a impressão de que era o contrário — que era melhor aceitar que não temos controle.

EL: Há um motivo para isso. Toda a minha pesquisa inicial foi nesse sentido, mesmo. Originalmente era: "haha, como as pessoas são irracionais!". Mas eu pensei sobre isso com mais clareza, e agora acredito que é melhor acreditar que você tem controle.

TAB: Tenho pensado muito sobre como estamos tomando decisões agora, durante a pandemia. A partir do que você disse, parece que pode ser positivo acreditar que as pequenas ações que tomamos neste momento nos dão algum tipo de controle.

EL: Sim, concordo com você. Vamos imaginar que você decide que a forma de se proteger é lavar as mãos com frequência, usar máscara e praticar distanciamento social. Como é o seu dia, em geral? É normal, você não fica estressado, porque sabe que está fazendo tudo certo.

Tenho argumentado que muitas pessoas escolheram uma atitude de pessimismo defensivo, em vez de otimismo consciente (mindful). A diferença é que o pessimismo defensivo é: espere o pior e torça pelo melhor. O problema com isso é que, se você está esperando o mal, tudo que você vê é ruim, e fica estressado. Isso é definitivamente ruim para a sua saúde. A segunda parte: torcer pelo melhor. Isso parece bom. Só que torcer já pressupõe uma expectativa negativa. Torcer pressupõe que o positivo pode não acontecer.

Em vez disso, deveríamos adotar uma atitude de otimismo consciente. Nós não enterramos a cabeça na areia. Nós fazemos um plano — usar máscara, distanciamento social, lavar as mãos — e seguimos vivendo. Fazendo isso, você está aumentando sua força, suas defesas. Se algo acontecer, você já está numa posição melhor para lidar com isso. Essa ideia de que se preocupar com o pior e tentar se proteger dele só te enfraquece.

TAB: De que forma essas atitudes melhoram nossas defesas?

EL: Estamos fazendo novas pesquisas agora sobre o vírus e ainda não posso falar sobre isso, mas temos dados sobre diversos tipos de doenças crônicas — dor crônica, artrite, esclerose múltipla, Parkinson, ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), estresse, depressão. E o que percebemos é que a atenção à variabilidade dos sintomas (isso é só um jeito chique de dizer: estar consciente, mindful) mitiga as consequências negativas dessas doenças. A maior parte das pessoas, quando tem uma doença crônica, pensa que vai continuar igual ou piorar. Mas nada fica igual. Nada vai em apenas uma direção.

Se eu te ligar durante o dia em diferentes momentos e te perguntar: "como está o sintoma? Está melhor ou pior do que da última vez? Por quê?" Três coisas acontecem: primeiro, você percebe que você não tem [o sintoma] o tempo todo com a mesma intensidade, então você se sente melhor. Segundo, quando você tenta entender por que agora está melhor ou pior, isso é consciência, e 40 anos de pesquisa nos mostram que isso é bom para a sua saúde. E, finalmente, quando você está procurando uma solução, é mais provável que você a encontre. Então, nós temos controle mesmo sobre essas coisas que nos disseram que são incontroláveis. Há uma relação entre esse trabalho e toda a minha pesquisa anterior.

TAB: Para além da saúde física, os conceitos de mindfulness e mindlessness se aplicam à pandemia?

EL: Quando você está consciente (mindful), você está aqui — eu e você estamos presentes, tendo esta conversa, eu estou curtindo, estou totalmente presente. Ainda há uma pandemia acontecendo, mas nós estamos vivendo agora. Se não estivéssemos conscientes (mindless), não seríamos capazes de ter uma conversa fácil, relaxada e divertida. Teria essa coisa nos atraindo para longe, tirando parte da nossa atenção. Da forma com que eu estudo, estar consciente (mindful) é o processo muito simples de, ativamente, perceber coisas novas. Quando você ativamente percebe coisas novas, isso te coloca no presente, te deixa mais sensível ao contexto. Traz uma boa sensação, quando você está atento e comprometido.

O que precisamos entender é que a incerteza é a regra, não a exceção. O estresse vem da crença de que algo vai acontecer e, quando acontecer, vai ser horrível. Só que a predição é uma ilusão. Se, quando você estiver estressado, você se perguntar: "quais são as três razões pelas quais isso pode não acontecer?", você vai do: "com certeza isso vai acontecer" para o: "talvez não aconteça". E imediatamente você se sente melhor.

TAB: Estamos ouvindo muito sobre mindfulness ultimamente. Você acha que encaramos o conceito da maneira correta?

EL: Tenho receio às vezes de que o conceito, como eu tenho estudado, tem sido diluído. Mas acho que também tem alertado as pessoas, e cada vez mais gente está percebendo que tem escolhas que não sabia que tinha. Talvez a gente esteja em meio a uma evolução da consciência, e isso seria muito bom. Com o vírus, não sei se isso pode reverter ou não as coisas no momento, mas mesmo assim as pessoas estão dando um passo atrás e prestando atenção.

Digamos que você está em quarentena. Se você está consciente (mindful) nessa situação, você encontra formas de aproveitar. Antes, quando as pessoas tinham tempo de sobra, elas ficavam empolgadas — eu posso ficar em casa, eu posso cozinhar, limpar o armário, conversar com amigos no telefone. Tudo isso ainda está disponível para nós. Qualquer coisa pode virar interessante. O que acontece é que pensamos que há todas essas coisas importantes para fazer fora de casa. O que precisamos fazer é reinventar nossas casas, nos reinventar. E essa é uma oportunidade ótima para fazermos isso.