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Por que apps de amizade não fazem sucesso, apesar da epidemia de solidão

Unsplash/Patrik Gupta
Imagem: Unsplash/Patrik Gupta

Luiza Pollo

Colaboração para o TAB

25/08/2020 04h00

Os aplicativos e sites de encontros já são a maneira mais comum de casais se conhecerem, pelo menos nos Estados Unidos, onde há dados sobre o tema. Uma pesquisa da Universidade de Stanford e da Universidade do Novo México mostrou que 39% dos casais heterossexuais e 60% dos casais homossexuais que se formaram em 2017 no país usaram aplicativos.

Aqui no Brasil não há estatísticas, mas empiricamente não é difícil encontrar um casal — principalmente jovem — que tenha se conhecido em um app.

No entanto, outros tipos de relacionamento dificilmente se formam da mesma maneira. Os aplicativos de amizade, por exemplo, estão longe de fazer o mesmo sucesso. Se a solidão é epidemia e há inclusive serviços do tipo personal friend — em que você literalmente paga por um ombro amigo —, por que os apps de amizade não pegaram?

Um exemplo: o Bumble, aplicativo de relacionamentos criado em 2016 que hoje já soma mais de 100 milhões de usuários, vê uma enorme disparidade entre o número de pessoas na versão Date — para marcar encontros românticos — e a função BFF — para fazer amigos. Dados de 2017 apontam que, naquele ano, apenas 13% ativaram a opção BFF, e o número de usuários mensais dessa função era ainda bem menor: pouco mais de 2%.

Foco na imagem

Uma das hipóteses para essa disparidade é que a essência dos tipos de relacionamento — romântico ou amizade — são diferentes. "A formação de vínculos de amizade duradoura necessita de tempo, paciência e dedicação para que as pessoas se conheçam, confiem uma na outra e cultivem afetos", explica a psicóloga Barbara Frigini De Marchi, doutoranda da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). "Já relacionamentos românticos breves ou com interesses puramente sexuais costumam ser mais superficiais e, por consequência, mais fáceis de serem estabelecidos e, também, desfeitos", resume ela.

Outro fator é que, quando adultos, nossa compreensão do que são as amizades se torna cada vez mais abstrata e complexa. Assumimos outras funções — no trabalho e na vida familiar, por exemplo —, e fica mais confortável manter amizades já estabelecidas do que criar novas. Isso faz com que o público-alvo desses apps vá diminuindo mais cedo.

Aplicativos de encontros que simplesmente inserem a função amizade têm ainda outra dificuldade: o foco deles costuma ser nas características físicas dos usuários e em sua geolocalização, observa a antropóloga Raíra Bohrer.

"Isso depõe contra eles em relação ao uso para amizades. Além dessa centralidade na imagem, outras ações ganham menos importância. O chat [espaço para bate-papo] não é tão dinâmico; o espaço da bio (descrição pessoal) é pequeno, você geralmente não vai poder usar gifs, stickers e outros elementos de interação", reflete a pesquisadora, especialista em antropologia digital e da sexualidade.

Do ponto de vista técnico também há restrições. Aplicativos como Tinder e Bumble costumam ocupar bastante espaço de memória no celular dos usuários — ou seja, já não são acessíveis para todos. Adicionar mais um app à lista do "pacote básico" formado por Facebook, WhatsApp, Instagram, YouTube — além daqueles de jogos — exige um smartphone potente, portanto, mais caro. Somando isso ao investimento maior para criar um aplicativo mais complexo, os apps costumam surgir mais simples e com menos funcionalidades, destaca a antropóloga.

Amizade casual?

Para entender qualquer aplicativo, Bohrer diz que é preciso pensar em duas coisas: no propósito inicial, sustentado pelos algoritmos, e nos usos que fazemos dessas ferramentas — muitas vezes diferentes dos propostos inicialmente. Já se diz há algum tempo, por exemplo, que "o Instagram é o novo Tinder". Mesmo sem a ideia explícita de ser um app de relacionamentos, a rede social virou também ferramenta de paquera, principalmente depois da implementação dos stories, ressalta a antropóloga. Por isso, quem sabe já estamos usando outras plataformas para fazer amigos, sem a necessidade de um app específico para isso.

E, enquanto os apps de namoro não conseguem abraçar muito bem a função amizade por sua própria essência focada na imagem, aqueles que se propõem a servir especificamente para fazer amigos não costumam ser muito abrangentes. Com muita frequência, eles são voltados a quem está chegando a uma nova cidade ou país — com o objetivo de dar um empurrãozinho nos relacionamentos pessoais de quem ainda não está inserido naquele local.

Para De Marchi, recorrer aos apps nesses casos pode ser bastante positivo. É lá que você pode encontrar pessoas que estão dispostas a mostrar a cidade e, quem sabe, criar novos laços. No entanto, ela alerta que isso também abre bastante espaço para perfis falsos e potencialmente criminosos. "Comportamentos suspeitos podem acabar mascarados por diferenças culturais que ainda não dominamos, o que requer ainda mais cautela", diz a psicóloga.

Furando a bolha

O fato de os apps de amizade terem objetivos específicos também pode explicar a falta de popularidade, avalia Bohrer. Não significa que não tenha gente cultivando relacionamentos não afetivos no celular. As redes sociais abrem espaço para a formação de novas amizades — conversas que surgem no Twitter e evoluem por conta de interesses em comum, uma DM no Instagram que vira um papo de horas com gifs, áudio ou vídeo.

"As redes sociais acabam incorporando muitas ferramentas e sempre disponibilizando muito espaço de interação — seja pessoal ou imagética — e acabam sendo subvertidas de suas propostas iniciais", observa Bohrer. Por permitirem conversas mais fluidas, podem servir de espaço para a criação de amizades ou mesmo ajudar a sedimentar relacionamentos que começaram em apps que servem como "vitrine" para conhecer outras pessoas.

Mas é sempre bom lembrar: enquanto nos apps de relacionamento (amoroso ou de amizade) dá para conhecer gente de todos os tipos, normalmente baseado na sua localização, nas redes sociais dificilmente você será exposto(a) a amizades que saiam da sua bolha, alerta a antropóloga. "Você acaba interagindo no máximo com amigos de amigos, o que é um pouco a reprodução da nossa vida offline."