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Relaxamento, foco e diversão: xadrez online cresce na quarentena

Unsplash/Shirly Niv Marton
Imagem: Unsplash/Shirly Niv Marton

Luiza Pollo

Colaboração para o TAB

15/09/2020 04h00

Assim como muita gente que passou ao home office, Krikor Mekhitarian viu sua carga de trabalho aumentar consideravelmente durante a quarentena. O Grande Mestre de Xadrez, bicampeão nacional no esporte, passa os dias (e muitas vezes as noites) na frente do computador, organizando torneios, jogando e narrando partidas em vídeo.

"O xadrez é o único esporte mais tradicional que você consegue replicar no computador — com algumas diferenças. Então, a gente conseguiu fazer muitos eventos, alguns em que eu participei, outros que ajudei a organizar", afirma. "Estamos tentando quebrar várias ideias antigas. Eu acho que é o desafio: fazer com que o xadrez seja emocionante também, não só uma arte, uma coisa que tem que ser estudada, analítica", conta ao TAB.

Disputando atenção com games como Fortnite, League of Legends e Call of Duty, que chegam a reunir mais de um milhão de pessoas simultaneamente, o xadrez despontou no streaming durante a quarentena. Entre março e agosto, a plataforma Twitch viu quadruplicar o conteúdo do esporte em comparação com os seis meses anteriores. Foram 41,2 milhões de horas de transmissão no período, informa o New York Times com base em estatísticas da SullyGnome, que mede a audiência na Twitch.

Um dos grandes responsáveis pela popularização do streaming de xadrez é Hikaru Nakamura — o estadunidense mais jovem a conquistar, em 2003, o título de Grande Mestre aos 15 anos. Em agosto, ele assinou um contrato milionário com o Team SoloMid, tornando-se um dos primeiros jogadores de xadrez a entrar para um time de eSports.

No Brasil, Mekhitarian conta que o chess.com — site para o qual ele trabalha e onde é possível jogar, aprender e assistir a partidas — viu o número de novos registros dobrar nessa época, comparado ao ano passado, quando o esporte já vinha crescendo no ambiente online. "No último ano, a gente teve muitos streamers novos no país, inclusive muita gente pensando em fazer carreira, possivelmente inspirado por pessoas como o Nakamura", observa ele.

Juliana Terao, mestre FIDE (titulação concedida pela Federação Internacional de Xadrez) e hexacampeã brasileira, destaca também o trabalho do norueguês Magnus Carlsen, atual campeão mundial, em conversa com o TAB. "Ele organizou torneios que atraíram muita gente, porque conseguiu reunir muitos jogadores bons e colocá-los ao vivo. Todo mundo quer ver os melhores, como acontece em outros esportes", diz Terao. "No xadrez online, você consegue usar a câmera para ver a reação dos jogadores. Isso que as pessoas querem ver, isso que traz o teu jogador preferido mais perto." Narração e comentários também deixam o jogo mais emocionante, ressaltam os dois jogadores.

Clássico reinventado

Como qualquer tradição adaptada, a ascensão do xadrez online não agrada a todos. Mekhitarian conta que há grupos mais conservadores dentro do esporte, ainda bastante apegados ao clima presencial e ao formato mais longo das partidas.

"As regras são as mesmas, mas tem por exemplo muito incentivo aos jogos de curta duração, que a gente chama de xadrez relâmpago — partidas em que cada jogador tem, ao todo, de três a cinco minutos para pensar", relata. Para comparação, partidas presenciais podem chegar a três, cinco, sete horas no total. "É claro que, com menos tempo para pensar, você comete muito mais erros", pondera Mekhitarian, que diz sentir falta também da interação dos torneios realizados pessoalmente.

Outro ponto que precisa de atenção na transposição para o online é a trapaça. "Temos desenvolvido muitas ferramentas anti-trapaça e melhorado muito a segurança, mas é uma frente que sempre é muito desgastante para a organização", diz o Grande Mestre.

Algumas das formas mais comuns de trapacear no xadrez online são por meio de códigos abertos e aplicativos analíticos que sugerem jogadas, ou então com a ajuda de alguém que saiba jogar melhor do que você. Nos eventos oficiais, costuma ser obrigatório aparecer com a câmera ligada, muitas vezes com o microfone também, e há sistemas estatísticos que reconhecem padrões de jogo e são capazes de identificar jogadas desonestas.

Concentração e relaxamento

Se o xadrez online já vinha crescendo no último ano, a quarentena ajudou a popularizar o acesso. Terao e outras quatro enxadristas têm o projeto Damas em Ação - Rumo à Maestria, para incentivar a participação de mulheres no esporte, e começaram a fazer lives semanais no período de isolamento. "As pessoas comentam às vezes: 'Nossa, caí aqui por engano e estou gostando. Não estou entendendo nada, mas estou gostando de assistir.' Acho que elas nunca imaginaram que um jogo de xadrez pudesse ser narrado, e pode como num jogo de futebol", comenta a jogadora.

"A gente tem o estigma de que o xadrez é uma coisa, lenta, chata, pouco interessante, ou que é muito difícil aprender a jogar. Isso afugenta as pessoas", diz Mekhitarian. "Então, acho que esses novos conteúdos vão facilitando o acesso."

Além da descoberta de que o esporte pode, sim, ser emocionante, os espectadores em quarentena têm encontrado no streaming de xadrez uma forma de relaxar nesse momento de pandemia. "Muita gente sempre falou que o xadrez é um jeito de tranquilizar a ansiedade. Eu costumo fazer muita live de noite, e tem um público bem específico da noite e da madrugada — o pessoal que tem um pouco de dificuldade de dormir, um pouco de ansiedade", afirma Mekhitarian. "Todo mundo tem que lidar com muita coisa nessa época de pandemia, então acho que é um jeito de realmente dar uma escapada, uma relaxada."