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Por que mulheres se candidatam a menos vagas de emprego que homens

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Imagem: Getty Images

Wanise Martinez

Colaboração para o TAB

18/09/2020 04h01

Certa vez, Simone de Beauvoir (1908-1986) disse que é pelo trabalho que a mulher reduz a distância que a separa do homem. Para a filósofa francesa, defensora da emancipação feminina, somente o trabalho pode garantir independência concreta.

Os anos se passaram, e mulheres seguem atrás dos homens no mercado de trabalho. Segundo o Informe de Percepção de Gênero, divulgado pelo LinkedIn em 2018, mulheres são mais seletivas ao se candidatar: elas tentam 20% menos vagas que os homens — elas sentem que precisam cumprir 100% dos requisitos solicitados pelos empregadores. A maior parte dos homens, contudo, arrisca com apenas 60%.

Nessa toada, ainda vamos levar 257 anos para atingir a mesma participação econômica e oportunidade que os homens. Este é o dado do relatório do Fórum Econômico Mundial de 2020.

Entre 153 países pesquisados, 72 restringem mulheres a abrirem uma conta no banco ou conseguirem crédito. E não existe um único país em que homens gastam a mesma quantidade de tempo que as mulheres em trabalho não-remunerado, como o cuidado das crianças e do lar.

O cenário combina fatores individuais e institucionais. O comportamento adotado pelas mulheres diante das vagas de trabalho tem uma origem cultural que acaba corroborada pelos processos enviesados de recrutamento e seleção.

"Desde muito cedo, as meninas aprendem que devem ser educadas e controladas. São ensinadas a agradar pais e professores, tomar cuidado para não cair e se machucar. Essa bolha de carinho e cuidado acaba minando a vontade das mulheres de se exporem a riscos. Os meninos, pelo contrário, são ensinados a explorar, encorajados a pular mais alto", explica Denise Bonifácio, consultora, mestre em Recursos Humanos pela Universidade de Liverpool, na Inglaterra, e voluntária no Instituto Mulheres do Varejo. "Pesquisas mostram que os pais dão mais liberdade para eles e menos para elas, que acabam recebendo mais orientações. Isso claramente reflete na vida adulta e na carreira delas."

Essa construção social faz com que a mulher se cobre demais e se valorize menos, às vezes até relativizando ou diminuindo conquistas, esforços e competências. Ao avaliar os requisitos para vagas de emprego, tende a calcular qual é a probabilidade de ser aceita. Quando percebe que a probabilidade é menor, nem arrisca. Melhor desistir do que esperar e se frustrar.
A administradora Juce Bezerra, de 28 anos, entende bem essa sensação. "Não me candidato para várias vagas. A insegurança vem com o receio da rejeição, ainda mais sendo uma mulher negra. É como se cada rejeição confirmasse que os estereótipos são uma verdade", afirma ela. Com especialização em gestão de pessoas em andamento, Juce acredita que o mundo do trabalho ainda é muito masculino.

Quem também se sente insegura na hora de enviar currículo é Letícia Gonçalves Magalhães, de 23 anos, que é assistente de desenvolvimento de produto e está em busca de recolocação. "Já deixei de me candidatar a diversas vagas por achar que não seria convocada para o restante do processo seletivo. Sempre que vejo uma vaga, passo pelo menos um dia avaliando os requisitos e pesando os prós e contras de me candidatar. Percebo uma grande autocobrança, porque busco ponderar se meus conhecimentos, experiências e competências correspondem 100%."

Olhar binário

Grande parte dos anúncios de vaga não têm vocabulário direcionado para mulheres e outras minorias. Vários fatores explicam essa carência, desde a falta de preparo e a pouca diversidade entre os próprios recrutadores, até a ausência de ações que estimulam o networking entre mulheres. Além disso, de acordo com o já citado relatório do LinkedIn, as candidatas têm 13% menos chances de serem analisadas e consideradas para as vagas, pois recrutadores abrem mais perfis masculinos que perfis femininos quando buscam por profissionais. Isso sem contar a maternidade que, por muitas vezes, é vista como barreira.

Letícia Gonçalves Magalhães, assistente de desenvolvimento de produto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Letícia Gonçalves Magalhães, assistente de desenvolvimento de produto
Imagem: Arquivo pessoal

A assistente administrativa Camila Rodrigues Barbosa Garcia, de 32 anos, já se sentiu constrangida em processos seletivos ao contar que tem filhos. "Os recrutadores questionam se as crianças têm com quem ficar se adoecerem, querem saber se eu sairia da empresa para resolver coisas dos filhos. Bom, se escolhemos trabalhar e cuidar da família, já mostramos como somos responsáveis e queremos e podemos lidar com qualquer situação."

Para Ylana Miller, consultora de desenvolvimento humano e organizacional e sócia-diretora da Yluminarh, recrutadores de empresas têm obrigação de redesenhar o atual processo de seleção e ir atrás de políticas mais igualitárias, ainda que certo "paredão corporativo" atrapalhe o processo. "Acredito que o RH tem que pelo menos tentar, questionar se é possível mudar. Se a vaga já vem com um perfil mais masculino, porque não pergunta, não fala de buscar uma mulher?".

Esse também é o ponto abordado pelo professor Sigmar Malvezzi, que pesquisa Comportamento Organizacional no Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) e na Fundação Dom Cabral. Segundo ele, os processos seletivos não são tratados como questões sociais abertas que visem o coletivo. "O recrutador acredita que não é uma pessoa injusta, e diz que considera todos os candidatos da mesma forma para a vaga, mas no fundo sabe que não quer uma mulher. Isso é algo intuitivo, surge sem que o recrutador tenha qualquer controle mais rápido que o pensamento racional."

De acordo com o estudioso, o que também acontece com frequência é uma conduta de autorreferência que apenas reforça o preconceito. "Falta autenticidade ao discurso. Tenho acompanhado decisões do tipo: temos uma vaga e poucas mulheres, então vamos dar preferência para as mulheres. Só que concordar superficialmente não significa adesão. O ideal é sempre buscar o profissional sem tocar na questão da identidade."

A administradora Juce Bezerra - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A administradora Juce Bezerra
Imagem: Arquivo pessoal

Cargos de chefia

Além da insegurança e da autoexigência, muitas mulheres desistem de aplicar para postos mais altos de trabalho por entender que posições executivas pedem uma mobilidade difícil de corresponder. "Às vezes, elas assumem sozinhas suas famílias e têm dificuldade de ficar fora de casa por muito tempo. Em especial agora na pandemia, os empregadores buscam mais perfis masculinos porque imaginam que as mulheres estão mais atarefadas lidando com trabalho, casa e família", afirma a consultora Ylana Miller. "Infelizmente, somos poucas ainda em cargos executivos. Eu mesma, na maioria das reuniões que vou, sou exceção."

O índice The Reykjavik Index for Leadership, divulgado no início de 2020 pela consultoria Kantar, mostra que 59% dos brasileiros não se sentem confortáveis quando veem uma mulher como CEO, ou seja, liderando uma empresa. O estudo ainda apontou que existem setores considerados pelas pessoas como mais adequados para o comando de uma mulher, como beleza e moda. O setor automotivo e o de engenharia são vistos como mais masculinos.