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Brasil 'swingueiro': em um país religioso, troca de casais faz sucesso

Swing é uma das práticas sexuais mais populares no Brasil - Dainis Graveris/Unsplash
Swing é uma das práticas sexuais mais populares no Brasil Imagem: Dainis Graveris/Unsplash

Marie Declercq

Do TAB

24/09/2020 04h01

A troca de casais anda muito pop. Conhecido como swing, o fetiche permanece uma das práticas sexuais mais comuns no país de maioria católica — e de população evangélica em crescimento. Seus adeptos formaram uma grande comunidade que se espalha em festa privadas, casas noturnas e até cruzeiros e destinos paradisíacos voltados para a prática.

O swing também é bastante popular nos Estados Unidos, Alemanha, Holanda e em países católicos como Portugal e Itália. A prática também já foi registrada em países como Turquia e Japão, contrariando a pecha de ser um "fetiche ocidental".

Para entender algumas peculiaridades do prática no Brasil e como ela perdura, mesmo num país de forte inclinação religiosa — em que a instituição do casamento é sagrada, e admitida na variedade monogâmica —, TAB conversou com praticantes e estudiosos.

Liberação sexual

A monogamia como a conhecemos nem sempre existiu entre os seres humanos, mas a prática documentada de troca de casais, casados ou não, só começou a aparecer no século 20, nos EUA. A cultura do pós-guerra viu florescer o movimento de liberação sexual, embalada por um espírito do tempo mais permissivo, em certos estratos sociais. É a época do flower power, da popularização da pílula anticoncepcional e dos estudos sobre sexualidade humana.

Em alguns meios mais tradicionais, a conhecida "troca de esposas" (wife swapping, em inglês) rolava nas chamadas "festas das chaves", nos anos 1950. O evento virou tema de um filme de Ang Lee, "Tempestade de Gelo" (1997). Nessas festas, o objetivo era os maridos depositarem as chaves do carro em um recipiente e, no final da festa, as esposas eram encarregadas de sortear uma chave, que definia quem seria seu parceiro naquela noite.

O jornalista investigativo Terry Gould também atribuiu a origem do swing a um acordo informal, entre alguns militares norte-americanos, durante a Segunda Guerra Mundial, de combinarem com colegas de batalhão para que um deles assumisse a esposa, caso o homem morresse na guerra. A prática, centrada no prazer do homem e na falta de escolha ativa da mulher, foi questionada não muito tempo depois, ainda nos anos 1960 e 1970. Há poucas semelhanças com a rotina de casais de swing atuais, que afirmam que a escolha é muito mais democrática em relação ao gênero e o prazer de cada um.

Rota do swing

No Brasil, não se sabe ao certo se o "comportamento moderno" registrado nos EUA rolou por aqui. Mas nos anos 1960, surgiram algumas casas noturnas abertas ao swing. A ditadura militar e os movimentos de defesa da família e da religião não conseguiram frear essa onda.

Na dissertação de mestrado "Prometo-te ser fiel no casamento e no swing" do psicólogo social Marcelo Alves dos Santos. da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), a primeira casa de swing do país foi a Casa Nostra, aberta na década de 1960 no Alto de Pinheiros, bairro de classe média-alta em São Paulo, seguida do clube Bom Vivan, na Vila Olímpia, e depois pelo Marrakesh Club, aberto no bairro de Moema, em 1985. Só em 1997 o Marrakesh virou uma casa dedicada exclusivamente à troca de casais, e acabou inaugurando um conhecido circuito de clubes de sexo no bairro, até hoje um dos mais conhecidos do país.

Segundo Maria Silvério, doutora em antropologia pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e autora do livro "Swing: Eu, Tu... Eles", a prática de swing se sacramentou principalmente no eixo RJ-SP. "O tamanho das cidades é muito relacionado ao número de casas que você vai encontrar," explica. "Em cidades do interior, por exemplo, existem poucas e isso está muito relacionado ao fato de as pessoas não quererem ser reconhecidas. Sei de pessoas do Nordeste que só vão para casas de swing quando viajam a São Paulo ou Rio de Janeiro."

Brasil swingueiro

O impacto da prática de swing no Brasil é grande o suficiente para ter duas redes sociais, a D4 Swing e o Sexlog, que abrigam simpatizantes do fetiche. Segundo um último levantamento do Sexlog, a troca de casal é a prática mais procurada no site, que possui mais de 12 milhões de usuários ligados ao universo do sexo liberal (termo que engloba as práticas de swing, voyeurismo e exibicionismo, entre outras).

Mesmo com tanta adesão, Silvério frisa que este é um universo pouco aceito na sociedade. "Existe muito preconceito", conta. "A maior parte das pessoas não revela isso para família e amigos. É muito comum as pessoas associarem o swing ao vício de drogas, álcool, doenças, ou a um casal com problemas de relacionamento, que não se ama."

Para o casal Marina Rotty e Marcio Wolf, praticantes há 13 anos, a discussão sobre relacionamento não-monogâmico na imprensa ajudou a melhorar a aceitação da prática, mas está longe de ser a ideal.

"Com certeza, o moralismo diminuiu, mas o swing ainda não é bem visto. Nós não podemos usar em nenhum momento a palavra 'swing' ou 'liberal' no Instagram sem sermos cortados", conta Rotty.

marina rotty e marcio wolff - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O casal Marina Rotty e Marcio Wolf são praticantes veteranos da cena swinger
Imagem: Arquivo Pessoal

No entanto, existe uma diferença aguda entre relações não-monogâmicas e o swing em si. "O swing é a fantasia", explica. "O casamento, que é algo supertradicional, se beneficia do swing que está ligado ao casamento, enquanto as outras práticas não têm a ver necessariamente com o casamento."

O estigma é tão forte que são poucos os casais que preferem mostrar os rostos ou falar abertamente sobre o assunto nas redes sociais. Além de Rotty e Wolf, a swinger Camila Voluptas e seu marido, Eduardo, também falam sobre o assunto publicamente.

"É uma construção que vem sendo feita ao longo do tempo", explica Camila. "Muita gente tem percebido que a vida é uma coisa frágil demais para nos obrigar a viver dentro da moralidade que os outros pregam. Acho que as pessoas têm separado a moralidade da ética, e percebido que a busca do prazer faz parte da plenitude."

Democratização dos corpos

Durante a pesquisa que Maria Silvério fez em casas de swing em Portugal e no Brasil, notou que a cena brasileira é muito mais centrada no corpo feminino mais magro do que nas casas portuguesas.

"No Brasil, tem-se mais a presença de mulheres solteiras e é nítida a diferença dos corpos das mulheres brasileiras do swing", conta Silvério. "São corpos muito mais 'desejáveis' e padronizados do que os encontrei em Portugal. Porém, vale dizer que sempre se valoriza a sensualidade nessas práticas."

Camila Voluptas defende que a valorização pelo corpo padrão tem mudado cada vez mais na cena liberal, abrindo espaço para mulheres que outrora tinham vergonha de expor suas fantasias.

"É aquele padrão que a indústria pornográfica por muito tempo teve, da mulher clarinha e magrinha. Mas isso vem mudando. A discussão sobre corpos livres acabou dando confiança às mulheres, que podem viver seu desejo. E um dos principais pilares do swing é a autoconfiança. E a pessoa perceber que ela pode ser incluída", explica Camila.

Tem para todo mundo?

Outra característica que tornou o swing uma das fantasias sexuais mais populares no Brasil é a possibilidade de acontecer em qualquer lugar — independentemente de ter uma casa noturna própria para isso. Para o casal Rotty e Wolff, a prática pode ser acessível mas é importante encontrar "sua tribo". "As casas são os meios mais fáceis de entrar em contato com a prática, mas na verdade a troca de casais quase não acontece dentro dessas casas específicas. Geralmente, acontece na casa de alguém, em festas fechadas, motéis. Mas tem pra todo mundo — do churrasco da laje à varanda gourmet", brinca Marina Rotty.

Em tempo: o swing também apresenta uma divisão por classe social bem nítida. E esses grupos não parecem dispostos a se misturar. "Nas classes mais pobres, percebi que há muito mais encontros em casa. O próprio circuito de casas é classista. Há as caras e as mais baratas. Essa segregação de fato acontece, e existe um certo preconceito com as casas mais acessíveis." A cabeça pode ser aberta, mas o mundo continua o mesmo.