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'Gestores' de campanha a prefeito não querem ser vistos como marqueteiros

René Cardillo/UOL
Imagem: René Cardillo/UOL

Paulo Sampaio

Do TAB

25/10/2020 04h00

Marqueteiro, não. Estrategista de comunicação. Agora, nenhum publicitário encarregado de coordenar campanha eleitoral quer ser identificado com o termo que, em outros tempos, definia o profissional que gastava fortunas para criar o candidato "ideal", e ainda virava, ele próprio, uma celebridade.

A menos de um mês da eleição, TAB procurou os responsáveis pelas campanhas de quatro candidatos à prefeitura de São Paulo, para saber no que consistiria, hoje, uma campanha bem-sucedida. Como despertar interesse em um eleitor aparentemente tão desanimado? O que é mais importante: redes sociais, TV, rua ou tudo junto? Como lidar eticamente com as fake news?

Respondem a essas e outras perguntas os publicitários Elsinho Mouco, 61, da campanha de Celso Russomanno (Republicanos); Daniel Braga, 42, de Joice Hasselmann (PSL); e Chico Malfitani, 70, de Guilherme Boulos (PSOL). Felipe Soutello, responsável pela de Bruno Covas (PSDB), preferiu não se manifestar. TAB também tentou falar com Levyzinho Fidelix, estrategista de Levy Fidelix (PRTB), mas ele não quis participar.

Mouco e Malfitani são veteranos de campanhas. O primeiro está no ramo há 20 anos, fez campanhas de candidatos como Michel Temer e Romeu Tuma. Malfitani começou nos anos 1980, segundo ele, por ideologia. Militante petista, ajudou a eleger Luiza Erundina em 1988. Braga cuidou das campanhas de João Doria e da de Henrique Meirelles à presidência, em 2018.

Guilherme Boulos, o publicitário Chico Malfitani e Luiza Erundina  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Guilherme Boulos, o publicitário Chico Malfitani e Luiza Erundina
Imagem: Arquivo pessoal

TAB: Em outros tempos, a figura do marqueteiro era tão incensada quanto a do candidato. Por que esse personagem perdeu o glamour?

Elsinho Mouco: A demonização da política tem uma boa parcela nessa percepção. Glamour vem de magnetismo. Com o advento do mensalão, petrolão e covidão, a política perdeu a boa reputação e a comunicação política foi junto. A corrupção inibiu a criatividade, envergonhou e afastou muitos profissionais. Assim como bons quadros evitam vir para a política, muitos de nós desistiram do ofício.

Daniel Braga: A figura do "marqueteiro" ficou obsoleta. As coisas voltaram para o lugar de onde nunca deveriam ter saído. Um estrategista de comunicação moderno deve fazer o candidato brilhar, e não competir em visibilidade com ele.

Chico Malfitani: Nunca me vi como marqueteiro. Eu era jornalista, trabalhei na Globo, na Folha, na Veja, larguei tudo para fazer campanha política. Me encantei com o PT e, durante dez anos, não ganhei um tostão para trabalhar nas campanhas. Por incrível que pareça, comecei a cobrar depois de 1992. Fiz a campanha de Aldo Tinoco à prefeitura de Natal por US$ 5 mil, uma fortuna na época. Também fiz a campanha do Francisco Rossi que, ideologicamente, não tinha nada a ver comigo. Sabe a mulher que transa com o inimigo do ex-marido? Fiz de propósito. Mais tarde, quando vi o Duda Mendonça presenteando o Lula com (vinho) Romanée-Conti [um dos mais caros do mundo] e promovendo festa de aniversário para o Delúbio [Soares, ex-tesoureiro da campanha] em fazenda, aí me afastei. Aquilo não tinha nada a ver comigo.

Guilherme Boulos em ato de campanha voltado para a juventude, realizado no último dia 16 de outubro, na praça Roosevelt, no centro de São Paulo, ponto de encontro de jovens de 16 a 24 anos de toda a cidade - Divulgação - Divulgação
Guilherme Boulos (PSOL) em ato de campanha na Praça Roosevelt, no centro de São Paulo
Imagem: Divulgação

TAB: Qual a diferença entre lidar com a imagem de um candidato sem as redes sociais, e com elas? Existe veículo mais eficiente (rádio, TV, rua)?

Elsinho Mouco: Não se constrói uma candidatura vitoriosa sem uma boa história para contar. É igual comunicação governamental, pode ser no digital, na mídia tradicional, se não tiver entrega, não há marqueteiro que consiga uma comunicação eficiente. Na rede social, você fala para os convertidos. Na TV e no rádio, você fala para uma audiência ampla. Por isso há a necessidade de uma linguagem clara, que possa ser entendida por todos.

Daniel Braga: A internet vem ocupando nas campanhas o mesmo espaço que, proporcionalmente, ocupou na vida das pessoas. É peça-chave, não apenas para se conectar com o eleitor 24 horas por dia, mas também para captar o sentimento da população. Antes o offline ditava o online, hoje isso se inverteu. Contudo, na nossa visão, a melhor estratégia é aquela que consegue utilizar, de forma integrada, todos os meios e ferramentas de comunicação, uma complementando a outra.

Chico Malfitani: Assumi a coordenação de rádio e TV da campanha. Quando fui para a primeira reunião, conversei com o publicitário que faz a rede social, que é o Galo. Garoto bacana, ótimo, tudo molecada nova. Claro, a visão deles é só rede social. Eles não conhecem TV. Não adianta nem querer discutir. Tentei mostrar a importância, não adianta. Eu pergunto: você acha que a Coca-Cola, a Volkswagen ou o Mc Donald's, quando anunciam no horário nobre, estão rasgando dinheiro? O pessoal que frequenta redes sociais não quer ver o Boulos berrando, nem a Luiza [Erundina, candidata a vice]. O clima é nas manifestações. Nas redes, tem de contar a história dos dois, que é muito bonita. De honestidade e coragem.

Celso Russomanno e o publicitário Elsinho Mouco - Divulgação - Divulgação
Celso Russomanno e o publicitário Elsinho Mouco
Imagem: Divulgação

TAB: As redes sociais deram aos candidatos a possibilidade de mudar abruptamente o discurso e atingir milhões de pessoas, o que pode ajudá-los a se defender em caso de ataque -- ou a atacar. A consistência da plataforma política perdeu a importância? O que a substitui?

Elsinho Mouco: O mantra da comunicação atual é a soma de criatividade com conteúdo, tudo isso feito com muita rapidez. Só lembrando que seguidores não são eleitores, like não é voto. Fosse diferente, o Mamãe Falei estaria com a mesma intenção de voto do Bruno Doria ou do [Celso] Russomanno.

Daniel Braga: O eleitor não é bobo. A consistência é peça fundamental para o candidato. Quem souber utilizar bem as ferramentas de monitoramento digital terá vantagens importantes na criação de conteúdos relevantes, tanto online como offline. As informações coletadas devem ser utilizadas para potencializar pontos positivos e blindar os negativos, porém, jamais criar um "personagem" para agradar um determinado grupo de eleitores.

Celso Russomanno (Republicanos) visita o Mercado da Lapa, na zona oeste de São Paulo - FÁBIO VIEIRA/FOTORUA/ESTADÃO CONTEÚDO - FÁBIO VIEIRA/FOTORUA/ESTADÃO CONTEÚDO
Celso Russomanno (Republicanos) visita o Mercado da Lapa, na zona oeste de São Paulo
Imagem: FÁBIO VIEIRA/FOTORUA/ESTADÃO CONTEÚDO

Chico Malfitani: A rede social é importante, mas não decide nada. Você vê: ali, encostados, estão o Boulos, a Joice e o Mamãe Falei. No entanto, se a eleição fosse hoje, quem estaria na frente? Covas e Russomano. O que eu vejo nas redes sociais é que se atira para todos os lados. O Doria, por exemplo, repetia "não sou político, sou gestor". Que proposta ele fez? O povo embarcou nisso. Mas não embarca mais.

TAB: Como enfrentar as fake news? É possível chegar ao fim de uma campanha sem inventar ao menos uma mentirinha?

Elsinho Mouco: Fake news é desinformação, deve ser combatida com informação. Valorizar os pontos fortes do seu candidato e ignorar os pontos fracos não é pecado, é estratégia. É como nós nos apresentamos na vida. No currículo que você manda para a empresa, você coloca o que tem de melhor. Não fala de seus medos e fraquezas.

Daniel Braga: Para enfrentar a deslealdade, é preciso ter uma boa estrutura de monitoramento digital e diagnosticar, em tempo real, as inverdades. E um bom corpo jurídico, para coibir na justiça e derrubar os posts ou matérias mentirosas via plataformas digitais.

Chico Malfitani: Esse é um grande desafio. Fake news é coisa antiga. Quando fizemos o primeiro programa eleitoral do PT, corria o boato de que o Lula, ao sair do sindicato dos metalúrgicos para fundar um partido, ganhou uma casa no Morumbi. A gente, então, resolveu mostrar a casa dele na Rua Maria Azevedo Florence, em São Bernardo. Eu entrei, sentei para tomar café com a Marisa e os filhos pequenos deles. Deu 72 pontos no Ibope, o equivalente, na época, a uma final de Copa do Mundo. Depois, na campanha do Eduardo Suplicy, fizemos um precursor do "Big Brother". Reunimos em torno da mesa o Lula, a Marta Suplicy, o Antônio Fagundes, a Lucélia Santos, o Paulo Freire, o Carlito Maia, e ligamos a câmera durante oito horas. Tive essa ideia porque o (jogador de futebol) Sócrates, que ficou meu amigo quando eu cobria o Corinthians, me disse que queria conhecer o Lula pessoalmente. Eu o levei, e, à saída, no fim do dia, ele me disse: "Pô, Chico, se toda a população de São Paulo estivesse aqui, que visão legal eles teriam de quem é o Lula, quem é o Eduardo..."

O estrategista de campanha Daniel Braga e Joice Hasselmann - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O estrategista de campanha Daniel Braga e Joice Hasselmann
Imagem: Arquivo pessoal

TAB: Para assumir uma campanha, é preciso estar alinhado ideologicamente com o candidato, ou é um trabalho meramente técnico? Por que topou trabalhar com o candidato atual?

Elsinho Mouco: Sou liberal, por isso sou procurado por clientes alinhados com o meu pensamento. Estou fazendo a campanha do Russomanno porque esse é meu ofício. Fui procurado, fiz a minha proposta e ela foi aceita. Estou fazendo o meu melhor.

Daniel Braga: Recebi o convite da própria Joice, que entende muito de comunicação. Ser escolhido por ela é motivo de orgulho pra mim. Conheço e acompanho o trabalho dela há muitos anos, assim como ela acompanha o meu. Acredito que o convite se deu pela sintonia na forma como enxergamos a nova comunicação eleitoral.

Chico Malfitani: 99% dos profissionais que trabalham em campanhas o fazem por dinheiro. Eu estava aposentado, não pensava em voltar a campanhas. Mas sou idealista por natureza. Acredito na campanha do Boulos com a Erundina. Acho que tem um romantismo, uma pureza de intenções que eu não via há muito tempo. Quando fiz a campanha da Luiza Erundina, em 1988, me diziam: "Você é louco? Fazer a campanha de uma nordestina, do PT, mulher, baixa, gorda, sapatão, feia! Só faltava ser preta e desdentada!" Eu fui justamente por isso. Larguei tudo porque me apaixonei pela história do PT. Até hoje, apesar das desavenças que tive com setores do partido, admiro profundamente a honestidade e a coragem dela.

TAB: Pelo que se tem observado, a eleição em 2020 está bem desenxabida. Ninguém comenta, não repercute. A que se deve isso?

Elsinho Mouco: Estamos na segunda semana do horário eleitoral, que tem repercutido bem nos meios de comunicação. Claro que a pandemia diminui em muito os encontros e reuniões presenciais, mas está presente nas reuniões online. As lives tomaram o lugar dos happy hours.

15 out. 2020 - Joice Hasselmann (PSL) participa de Missa de Ação de Graças pelo Dia dos Professores na Catedral da Sé, no centro de São Paulo - ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO - ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Joice Hasselmann (PSL) participa de Missa de Ação de Graças pelo Dia dos Professores na Catedral da Sé, no centro de São Paulo
Imagem: ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Daniel Braga: A polarização extrema na eleição de 2018 trouxe como reflexo uma "ressaca eleitoral" nas pessoas. Muita gente brigou com amigos, parentes e no trabalho. Esse esgotamento ocasionou aversão ao tema "política". A eleição 2020 vai entrar na pauta da população mais perto do dia da votação. Porém, não podemos menosprezar o momento que vivemos, de mais reflexão. Isso tudo levou as pessoas a buscarem campanhas mais programáticas do que ideológicas.

Chico Malfitani: Nós estamos saindo de uma grande desilusão. O clima de 2018 não existe mais. O bolsonarismo ficou restrito a um grupinho. De qualquer maneira, a campanha só começa quando entram o rádio e a TV.