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Público se espalha em festival de funk com direito a 'chiqueirinho' no Rio

Público do festival Quadradinho, dividido em "cercadinhos" - Ana Wander Bastos/Divulgação
Público do festival Quadradinho, dividido em 'cercadinhos'
Imagem: Ana Wander Bastos/Divulgação

Matias Maxx

Colaboração para o TAB, do Rio

11/11/2020 04h01

O Rio de Janeiro entrou na fase 6B do Plano de Retomada da prefeitura, permitindo a volta de eventos em espaços abertos e fechados, exceto boates e quadras de escola de samba. Espaço reservado, distanciamento social e um terço da capacidade fazem parte da lista de restrições, além do uso de litros e litros de álcool em gel. Atendendo a essas exigências, o espaço HUB, na zona portuária do Rio, idealizou o Quadradinho, "o primeiro festival pop com distanciamento social". Chamaram para o palco Rebecca, Karol Conka, Tati Quebra-Barraco, Pocah, Lexa e mais um tanto de DJs e o bloco LGBTQI+ Candybloco. As apresentações seguem até o último fim de semana de novembro.

A plateia de sexta-feira (6) era dividida em 188 cercadinhos, no estilo das áreas vips conhecidas popularmente como "chiqueirinhos". Com capacidade para até oito pessoas, cada um desses quadradinhos coloridos se espalhava por seis setores, com ingressos valendo de R$ 120 a R$ 420.

Show, mesmo, só começou às 2h30 de sábado — um padrão no funk. Antes disso, DJs recebiam o público. E o auê foi longe, embora o lineup tenha esquentado o palco por pouco mais de uma hora.

A galera só podia sair do seu quadrado para ir ao banheiro, higienizado várias vezes durante a noite (uma moda que poderia pegar no pós-pandemia), e pichados com frases de autoajuda nas portas. O menu era acessado por QR Codes colados nas mesas e as bebidas e laricas eram servidas por garçons que passeavam entre as grades — eles, técnicos de som e fotógrafos eram os únicos de máscara por ali. Na entrada, seguranças de face shield tiravam a temperatura de quem entrava e faziam o público encarar um banho de álcool em gel.

Minha pulseira dava acesso à área VIP — um curralzinho ao lado do palco com mesas espalhadas, onde ficavam DJs, produtores e seus amigos. Ao longo da noite, chegavam mais convidados. Embora alguns se abraçassem à moda antiga, com dois beijinhos e um abracinho (tudo sem máscara), havia quem optava por um high-five de mão fechada e o já popular cumprimento de cotovelo, além da batida de bunda, executada por jovens de umbigo e marquinha de sol à mostra.

Não era evento de casa lotada. A maioria dos ocupantes dos quadradinhos era vip, gente convidada. A pessoa mais cheirosa do lugar era Yago Mapoua, com um look brilhante e perfume sentido nas oito casas adjacentes ao seu quadrado. Outros influencers digitais, como o anão profissional Tokinho e Arielle Macedo, coreógrafa de Anitta, também estavam por ali.

Festival Quadradinho

Enquanto o show de MC Rebecca com participação de Karol Conka não começava, tanto nos quadrados quanto na área vip a galera vinha se comportando mais ou menos da mesma maneira como, idêntica ao comportamento nos sete meses de isolamento social: cara enfiada no celular. O público passou o tempo todo entre videochamadas, challenges e reels para jogar na cara das inimigas confinadas, dançando dentro de seus cercados.

Do outro lado da HUB, Karol Conka atendia a imprensa antes de tomar o palco — contou a alguns que o "sexting salvou a quarentena". No palco, a DJ Giordanna Forte tocava o viral ancestral "Cada um no seu quadrado", de cuja coreografia pouca gente lembrava. Quando Sharon Acioly cantou "Robinho no seu quadrado", sugerindo uma coreografia driblando a bola, a DJ cortou o som e pegou no microfone. "Jamais falarei o nome de uma pessoa dessas", enquanto a plateia berrava "estuprador".

Entre uma atração e outra rolava no telão o anúncio de uma loja onde você podia comprar merchandising de vários artistas, incluindo CDs, vinis e até K7. A fetichização do vinil é compreensível, mas como é algo que já era ruim na época — o K7 e o CD — pode "estar voltando"? O que torna o obsoleto algo cool de novo? As cervejas com preço consultado via QR Code estavam começando a bater, certeza.

Festival Quadradinho, no espaço HUB, na zona portuária do Rio - Ana Wander Bastos/Divulgação - Ana Wander Bastos/Divulgação
MC Bianca (à esq.) e amiga divertem-se no festival Quadradinho, no Rio
Imagem: Ana Wander Bastos/Divulgação

Rebecca chegou ao palco cercada de gente, arrancou o robe e revelou um conjuntinho vermelho, parecido com o das bailarinas, que era preto. Elas ganharam o palco e a noite, com quadradinhos e twerks para todo lado. O grande hit de Rebecca, "Cai de Boca" é uma ode ao sexo oral. Na coreografia, Rebecca era o recheio de um sanduíche de bailarinas mostrando toda sua flexibilidade.

A galera também pirou e cantou junto a batalha de divas "Combatchy", o hit do carnaval de 2020 "Sequência do Vapo Vapo" e "Maconha e Pente" parceria de Rebecca com o Heavy Baile, onde Rebecca mostrou versatilidade cantando também a parte rap/repente.

Karol Conka chegou ao palco com um look bafônico e puxou "A preta é braba", parceria das duas lançada no início de novembro. Na sequência embalou em "Tombei", não sem antes alertar: "essa música é boa pra fazer strip". Não teve strip mas teve Rebecca fazendo uma acrobacia que envolvia bananeira, espacate e bunda quicando de um lado para o outro. Se esse movimento fizesse parte da ginástica olímpica e rítmica, meu país Rio de Janeiro ganharia vários ouros.

Com toda a bizarrice do "novo anormal" à parte, o festival se esforçou e conseguiu fazer um evento dentro das exigências do plano de retomada, numa cidade que, dos bares do Leblon aos bailes funk da zona norte, nunca respeitou o distanciamento social. Será que até o Carnaval tem vacina?