Esquerda quer tirar de bolsonaristas hegemonia no uso da bandeira do Brasil
Bandeiras vermelhas, buzinas no talo e panelaço. A carreata pedindo o impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em São Paulo, teve tudo que se espera de um ato da esquerda e um ingrediente adicional: bandeiras do Brasil. Elas estavam com manifestantes que quiseram passar a mensagem de que se trata de um símbolo nacional, não propriedade de um campo político.
"A bandeira é do povo!!! Não do Bozo", dizia em letras garrafais a faixa colocada por Cidinha Martins, 59, na traseira da caminhonete que dirigia. Além do apelido pejorativo do presidente, o carro exibia uma bandeira brasileira na lateral. A motorista ressaltava que protesta somente contra Bolsonaro e entende que os símbolos nacionais são patrimônio popular.
A bandeira, a camisa da seleção brasileira e usar verde e amarelo se tornaram marcas das passeatas pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2015. Na sequência, foram associadas ao então candidato à presidência, Jair Bolsonaro. Matheus Carvalho Resende, 22, afirmou que a direita cooptou esses símbolos, processo que também ocorreu com outras instituições, como o clube de futebol Palmeiras.
Ele lamenta que um campo político tome posse de ícones que representem a totalidade da população ou tente se vincular a um time de futebol, que tem pessoas de todas as vertentes políticas em sua torcida. Por esse motivo, Matheus fez questão de levar a bandeira para a manifestação.
"A gente não pode deixá-los [direita] tomar esses símbolos. Não podemos deixar que a bandeira seja do Bolsonaro. Ela é do Brasil, ela é do povo."
As pessoas que estavam com bandeiras do Brasil contaram que não houve articulação conjunta; cada um levou por decisão individual. José Victor Santos Pereira, 20, comemorou o fato de mais gente acreditar que nem a esquerda nem a direita têm direito de se apoderar de algo que pertence a todos os brasileiros.
Regina Maia, 62, tinha uma bandeira no capô do carro e outra para a pessoa no banco do carona exibir junto ao vidro do passageiro. Ela conta que alguns amigos falaram que protestariam com roupas e faixas pretas, porque estavam de luto. Diante do argumento, fez uma concessão. Usou camiseta preta e levou duas bandeiras.
"Nós temos que acabar com esta associação indevida. A bandeira é um símbolo do nosso país e, por este motivo, é de todos."
A defesa da bandeira como patrimônio nacional foi um efeito colateral não planejado pelos organizadores da carreata. A manifestação foi convocada para aproveitar o descontentamento da população com a demora para o começo da vacinação e a falta de oxigênio em Manaus. A intenção é usar momento para pressionar o Congresso Nacional a pautar o impeachment de Bolsonaro.
Verde, amarelo e vermelho
Durante a campanha presidencial de 2018, o presidente Jair Bolsonaro repetia que a bandeira brasileira jamais seria vermelha. Difícil imaginar que o verde, associado pela população às matas, e o amarelo, representando o ouro, sejam substituídos. Mas no sábado (23), a bandeira estava na companhia do vermelho do MST, dos sindicatos, de partidos de esquerda e de uma boia em forma de jacaré que cobria todo o teto de um carro.
Integrante da Rede e uma das organizadoras da carreata, Thaís Chaves contou que pediu para as pessoas levarem à manifestação imagens, frases e faixas com as quais se identificassem. Ela se mostrou contente com tantas bandeiras, porque vê na atitude um resgate. "Os brasileiros estão tomando de volta este símbolo. A bandeira não pode ficar associada ao Bolsonaro."
A bandeira estar em companhia vermelha faz todo o sentido porque a carreata foi um evento com a cara da esquerda. A traseira de um dos caminhões de som tinha imagens de Karl Marx, Hugo Chávez e Vladimir Lênin. Vários manifestantes usavam a camiseta com os dizeres "Lula Livre". Os cartazes traziam termos usados por pessoas de esquerda nas redes sociais, como chamar Bolsonaro de genocida, miliciano e "Bozo".
Carreata multiplica a meta
Na última sexta-feira (22), à tarde, Raimundo Bonfim, coordenador nacional da Central de Movimentos Populares e um dos organizadores da carreata em São Paulo, dizia esperar entre 200 e 300 veículos. Ao final do protesto, ele falava em 2,5 mil carros, sem contar bicicletas e motos. O número soa exagerado, mas de fato havia muita gente.
A concentração ocorreu na rua que separa a Assembleia Legislativa de São Paulo e a sede do Comando Militar do Sudeste. É o mesmo lugar em que ocorreram recentemente as concentrações das manifestações de bolsonaristas contra a vacina e pelo impeachment do governador de São Paulo, João Doria.
A dobradinha contra a "VaChina do DitaDoria" nunca empolgou e o quórum girava em torno de cem pessoas. No sábado, a rua da concentração e as vizinhas estavam abarrotadas. O caminhão de som que puxou a carreata havia saído meia hora antes e ainda existiam carros esperando sua vez de ganhar as ruas.
Bonfim credita o sucesso à indignação com o presidente, algo que se potencializou com a demora pela vacina e a crise sanitária em Manaus. Ele também acrescentou que houve 33 movimentos e entidades envolvidas com o ato em São Paulo, fator decisivo para dar peso ao protesto.
Começo da pressão
O número de participantes da carreata, acima do esperado, foi comemorado pelos organizadores porque eles não enxergam o impeachment acontecendo sem pressão popular. Raimundo Bonfim citou uma reportagem da Folha de S.Paulo de 21 de janeiro que listava 23 possíveis crimes de responsabilidade do presidente. Mas ele não se ilude que seja possível afastar um presidente com um terço de aprovação popular.
Para Bonfim, a manifestação foi uma maneira de tirar as pessoas das redes sociais para a ação prática. O organizador acrescenta que estar nas ruas tem um peso muito maior e gera mais visibilidade. Ele classifica o sábado como a conclusão do primeiro passo pelo afastamento de Bolsonaro: aglutinar a esquerda.
"Pretendemos criar o ambiente para o impeachment. Nesse momento, ele não existe. E só criaremos à medida que a gente movimenta a sociedade. Palavras de ordem nas redes sociais já existem e têm crescido. Agora, precisamos de mais carreatas e panelaços."
Houve carreatas em 23 estados e no Distrito Federal neste sábado. O coordenador da Central de Movimentos Populares ressalta que, neste domingo, movimentos de direita como o Vem Pra Rua e MBL (Movimento Brasil Livre) também convocaram atos. Ele considera positivo, porque mobiliza mais setores. Vem Pra Rua e MBL trabalharam pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, mas para Raimundo, é hora de unir as forças que defendem a democracia.
Ele completa dizendo que a participação do governador de São Paulo seria bem-vinda. Doria não fez nenhuma movimentação nesse sentido, mas durante a semana pediu que as pessoas reajam a Bolsonaro. Raimundo afirma que um afastamento de presidente é um processo longo e demanda grande engajamento e redução do índice de aprovação do presidente.
O organizador da passeata tem esperança de que sábado foi o primeiro ato de um movimento que vai ganhar corpo, e espera que o crescimento seja acompanhado por muita bandeira do Brasil.
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