Ex-cozinheira de Clodovil visita mansão abandonada: 'Só lá fui feliz'
Encravada no litoral norte paulista, a área mais pobre de Cachoeira dos Macacos, em Ubatuba, lembra algumas periferias de São Paulo. Ruas estreitas, casas pequenas, comércios que vendem de tudo e gente por toda parte.
Ônibus para o centro tem três por dia, um pela manhã, outro à tarde e o último à noite. Perdeu, já era, só de táxi — serviços por aplicativo não atendem a região. Foi lá que a reportagem do TAB encontrou Renata Cândido Rodrigues, 42, ex-cozinheira do estilista, apresentador e político Clodovil Hernandes, morto em 2009.
Antes de chegar à casa onde Renata mora, ela mandou uma mensagem por WhatsApp: pedia um maço de Minister vermelho. A ex-cozinheira de Clodovil — uma das preferidas, segundo ela mesma —, vive hoje uma vida diferente. Após sofrer um AVC (acidente vascular cerebral) em 2019, caminha com dificuldade. Mas não largou o cigarro.
A mensagem chegou por sorte. Acesso à internet é outro problema que enfrenta. Em geral, tem que andar cerca de 500 metros até o quintal de uma vizinha, onde a conexão é melhor.
Ansiedade e solidão
Por volta das 15h, numa terça-feira quente, uma mulher sozinha sentada em uma cadeira em frente à casa olha fixamente para a rua. É Renata. De longe, seu olhar revela uma mistura de ansiedade e tristeza. A ansiedade era por causa da entrevista. A tristeza, pelo contraste entre o cotidiano atual, cheio de dificuldades e limitações, e o passado de luxo e glamour dos tempos com Clodovil. Ela trabalhou e morou na mansão do estilista em Ubatuba e, em 2008, também foi para Brasília, onde trabalhou com o então deputado federal até a morte dele.
Apesar de estar sem os movimentos do braço esquerdo, sequela do AVC, recebe o maço de Eight (o único à venda na região) e saca rapidamente um cigarro. Fuma com gosto. Em seguida, a ex-empregada de Clodovil tira do bolso um crachá de assessora parlamentar da Câmara dos Deputados. "Esse é só meu, de mais ninguém."
Passou poucos meses em Brasília, mas conta que a rotina foi pesada. Sua casa era em Cidade Ocidental, município de Goiás, no entorno do Distrito Federal. "Levantava às 3h da madrugada, viajava 60 quilômetros todos os dias."
Renata foi uma das últimas pessoas a falar com Clodovil. Esteve com ele no domingo, um dia antes de sua morte, definiram o cardápio do jantar que seria realizado na terça-feira para o então presidente da Câmara, Michel Temer. "Prato principal, vitelo; sobremesa, marrom glacê", relembra.
Ela e o ex-marido encontraram o ex-patrão caído, por volta das 7h da segunda-feira, 17 de março de 2009. O casal entrou no quarto para pegar a cachorrinha Castanhola, que sempre dormia com ele, e que precisava tomar um remédio.
Foi Renata quem chamou o socorro. Até hoje não acredita que a morte tenha sido causada por um AVC, como consta no atestado de óbito. "Para mim, ele foi agredido." Sua teoria é de que possa ter sido assassinado porque, de acordo com ela, alguns dias antes, descobriu que estava sendo roubado por assessores em seu gabinete.
Duro e mal pago
Depois da morte de Clodovil, Renata conta que ela e o marido seguiram em Brasília com os filhos. Em fevereiro de 2019, separou-se e foi morar em São Paulo. Mas, após o AVC, o jeito foi voltar para Ubatuba e mandar os filhos para ficar com o pai, em Brasília. "Não consigo cuidar nem de mim."
Há três meses mora junto com a mãe e o padrasto, na mesma casa onde cresceu, mas o relacionamento é difícil. "Ela é evangélica radical e eu uma ex-piriguete, não tem como dar certo", brinca.
Curiosamente, ela conheceu Clodovil no início da década de 1980, quando tinha seis anos. "Estávamos no centro de Ubatuba e minha mãe pediu um autógrafo para ele", diz. "Durante anos guardamos a caixinha de fósforo com a assinatura."
Em abril de 2004, aos 25, casada e desempregada, Renata viu um anúncio para trabalhar em uma mansão na praia do Léo, região norte de Ubatuba, que ela nem imaginava ser de Clodovil. A vaga era de faxineira, três vezes por semana. O salário, R$ 400 por mês, sem transporte e alimentação, era bem pouco para a época. "Mesmo assim eu fui."
Oásis particular
A reportagem do TAB convidou a ex-cozinheira para refazer a mesma rota que encarava diariamente. A mansão era um oásis particular gigantesco. Tinha nove quartos, 12 banheiros, piscina, banheira de hidromassagem, lago, capela.
Segundo Renata, também tinha salas exóticas — uma com chão de areia, outra colorida, com piso e paredes vermelhas —, vaso sanitário ao ar livre com vista para o mar, e passagens secretas.
Quando começou a trabalhar na mansão, Clodovil ficava de olho em tudo que ela fazia. E logo veio o convite para trabalhar como diarista. O pagamento melhorou um pouco. "Subiu para R$ 600."
O expediente começava por volta de 8h30. Para chegar a tempo, saía às 6h e fazia de bicicleta, com o filho na garupa, um percurso de mais ou menos seis quilômetros, de sua casa até a creche em Ipiranguinha, bairro vizinho. De lá, seguia de ônibus até o trabalho. Na verdade, até perto dele. Da rodovia até a mansão, ainda tinha de encarar um morro a pé. Na andança, se bobear você cai para trás. "Foi uma época sofrida."
O lado bom foi conhecer Clodovil e se dar bem com ele. Nem todos desfrutavam do mesmo tratamento. "Com alguns funcionários ele era muito hostil, chegava a ser agressivo, bruto e ignorante."
Os assuntos com o estilista eram vários, política, religião e até futebol. "Ele era muito brincalhão, se estivesse vivo estaria se divertindo no TikTok." Mas o principal tema entre eles era comida. "A gente passava horas na cozinha", diz Renata, que de faxineira virou cozinheira. "Aprendi a cozinhar com o Clodovil, a gente testava receitas juntos."
Melhor fase da vida
O percurso até a mansão foi feito de carro — nem poderia ser de outro jeito. Para entrar no veículo, Renata precisou de ajuda. Depois de 30 minutos de estrada, o carro subiu a ladeira tomada pelo mato, até parar em frente à entrada da casa onde ela viveu com sua família.
Poucos meses depois de começar a trabalhar, Clodovil a convidou para morar lá, em uma casa ao lado. O salário — e a vida — melhoraram. "Comecei a receber R$ 1 mil, depois foi para R$ 1.300 e, já no final, nos últimos meses, ganhava R$ 2.500." O marido se tornou caseiro e depois, em Brasília, trabalhou como mordomo.
Com muita dificuldade, Renata desceu e caminhou até a entrada do lugar onde morou, mais de uma década atrás. Apoiada no pequeno portão, seu olhar parecia viajar no tempo.
A suíte de Clodovil era linda, diz Renata. Tinha uma banheira com vista para o mar. Ela recorda que o estilista acordava cedo, mas ficava no quarto até umas 11h, desenhando, fazendo ligações ou conversando com assessores.
A rotina dela começava às 7h. "Fazia o café, em uma cafeteira italiana, arrumava a bandeja, xícara, dois sachês de adoçantes, bule, e ficava esperando ele interfonar. Depois de uma meia hora subia a coalhada, única coisa que ele comia pela manhã."
Mansão fantasma
A casa onde Renata morou fica ao lado de um dos portões da mansão, entrada que hoje mal dá para ver, por causa da quantidade de mato.
A mansão, construída em uma área de preservação ambiental, está abandonada. Já foi a leilão, chegou a ser vendida, mas a compradora desistiu e cancelou o negócio. "Parece uma mansão fantasma", diz.
A reportagem do TAB foi recebida por um caseiro contratado pela administração do espólio do estilista. O rapaz chegou com um facão na mão, cara de poucos amigos e não permitiu a entrada. "Não sei porque a mídia não vai procurar o que fazer. A praia fica para o outro lado", disse ele. "Só entra com autorização judicial", completou, antes de nos encaminhar ladeira abaixo — e de ré.
A descida foi interrompida por um ex-vizinho de Clodovil. "Esse filho da p* morreu me devendo dinheiro, fechou minha rua só para ninguém passar na frente da mansão dele", disse o homem com aparentes 70 anos, que pediu para não ser identificado.
Renata lamentou não poder entrar na mansão. Como fazia no passado, hoje em dia continua acordando cedo, geralmente às 7h. De resto, é tudo diferente. Ela diz que passa os dias sentada e reclama que gostaria de voltar à ativa com algo possível, dentro de suas limitações.
Sem recursos, em Ubatuba ela não consegue o tratamento que precisa no atendimento público de saúde. "Estou há quatro meses esperando pela fisioterapia, está tudo parado por causa da pandemia."
Ao chegar em casa, Renata caminha devagar pelo chão de terra barrenta. Encostado no portão, o padrasto não move um dedo para ajudá-la. Ela se despede da reportagem com ar de desânimo. "Vou tomar meu sonífero e mergulhar no mundo dos sonhos, só assim esqueço minha situação."
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