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Escape room online vira diversão na quarentena, mas quem corre são atores

Chris Barbalis/Unsplash
Imagem: Chris Barbalis/Unsplash

Luiza Pollo

Colaboração para o TAB

10/03/2021 04h00

"Detetives, vocês estão prontos?", pergunta uma atriz empolgada, vestindo chapéu de Sherlock Holmes, enquanto eu e mais quatro amigos concordamos, ainda um pouco reticentes. Pelas janelinhas minúsculas do Zoom, tentei decifrar as expressões deles e pensei: "Será que coloquei todo mundo numa roubada?".

No último domingo (8), convidei os quatro para um rolê um pouco diferente: uma sala de escape room online. Para quem não conhece, escape rooms são jogos de fuga: um grupo (normalmente de duas a 10 pessoas) precisa encontrar pistas, resolver problemas de lógica e outros quebra-cabeças, em um cenário super detalhado, formado por uma ou mais salas. O objetivo varia: pode ser o de desvendar um crime, apenas fugir, salvar um personagem, entre outros. Cada jogo tem um tema, e o desenho das salas e das pistas giram em torno disso — geralmente com artefatos de suspense ou medo para aumentar a adrenalina. O tempo máximo para solucionar o mistério costuma ser de uma hora.

Esse tipo de jogo exige que você se coloque na história e assuma seu papel de detetive, caçando pistas, mexendo no cenário, tentando encaixar objetos e testando códigos em cadeados. Mas dá para fazer isso tudo à distância?

Presencial reformulado

Pouco antes das 18h, recebi um link pelo WhatsApp para me conectar à sala e repassei ao meu grupo de amigos. "Como vai funcionar esse negócio? Tem uma interface digital ou pessoas na sala com uma câmera na mão?", perguntou um amigo.

A dúvida surgiu porque há jogos totalmente online — como uma evolução dos antigos point and click e dos joguinhos em flash que já tinham como objetivo escapar —, mas há também o formato presencial adaptado, que foi o que jogamos. Nele, um funcionário do escape entra na sala física com um celular acoplado ao corpo e transmite o jogo em tempo real pelo Zoom para os jogadores.

Escolhemos a sala "O Mistério da Mansão", do Escape Hotel, que tem duas unidades físicas em São Paulo. Com inspiração no jogo de tabuleiro "Detetive", esse escape é composto por diversos cômodos da mansão, que vão sendo abertos à medida que avançamos. O objetivo é descobrir, em até uma hora, quem matou o Comendador Bastos, com qual arma e em qual cômodo.

Depois de uma breve apresentação em que a atriz (totalmente fiel ao personagem de detetive) nos contou a história e o mistério que teríamos que solucionar, outro amigo mandou no WhatsApp: "A gente vai ficar de conversinha paralela aqui?".

Inicialmente a vontade de manter um contato privado com os quatro era tentadora. Se no escape presencial a monitora apenas apresenta a premissa e depois o grupo entra sozinho na sala, no online ela estaria presente para ouvir todas as nossas piadinhas internas e brincadeiras bobas que surgiriam durante o jogo.

É verdade que a interação entre nós foi bem menor do que presencialmente, mas em pouco tempo nos acostumamos com a presença dela ali, e aprendemos a dar instruções de maneira organizada, sem falar um por cima do outro a cada instante.

Um dos pontos mais importantes foi que a atriz nos deixou jogar da nossa maneira, sem dar grandes dicas quando estávamos errados nas hipóteses sobre as pistas. Em determinada altura, a resolução de um enigma dependia de uma música tocada num aparelho de som na sala, o que foi um pouco difícil de ouvir na transmissão online. Nessa hora, ela precisou nos ajudar para fazer o jogo seguir: "Olha, eu acho que são cinco sons diferentes, hein?", disse, dando a dica.

Vanessa von Leszna, dona do Escape Hotel junto com a sócia Patricia Estefano, disse em entrevista ao TAB que a empresa continua fazendo adaptações a partir do retorno dos clientes. Uma das soluções foi colocar algumas das dicas em um site de apoio, onde os participantes podem ver com mais detalhes algumas peças importantes para a solução dos enigmas. Ele funciona quase como um inventário que podemos consultar a qualquer momento também para lembrar de pistas que ficaram para trás.

As adaptações, aliás, foram muitas. Apesar de parecer pouco trabalhoso, von Leszna conta que foi preciso investir em tecnologia, treinamento dos funcionários para fazer essa tecnologia funcionar, e (o que ela considera mais importante) garantir a interação dos jogadores com o cenário e sua imersão.

Youtuber mostra como é uma sala de escape online (em inglês)

Mais precisão, menos agilidade

Quem já jogou escape ao vivo sabe que muitas das soluções dependem de sentir as peças com as mãos, entender o que encaixa onde, colocar objetos lado a lado para compará-los, olhar em volta com atenção para enxergar pistas. E sabe também o quanto é frustrante quando você acertou a resolução de um enigma, mas o cadeado emperrou apesar da combinação correta, o ímã certo não encaixou direito, ou algum outro problema técnico te fez desistir daquela hipótese e começar a testar outras coisas. Esse problema é eliminado quando a própria atriz manuseia as pistas.

Em determinado momento, ela precisava encaixar cinco cartas de baralho perfeitamente sobre uma mesa de jogos. Nós acertamos a sequência, mas a portinha com a nova dica não se abria de jeito nenhum. Em um jogo presencial provavelmente teríamos começado a pensar em outras hipóteses, ou testar as cartas aleatoriamente, até que funcionasse. Como a atriz sabia que tínhamos a resposta certa, ficou mexendo nas cartas até que se alinhassem perfeitamente.

Se por um lado a presença de um funcionário ajuda, por outro, o grupo não fica tão à vontade para testar algumas soluções que podem parecer bobas se ditas em voz alta. "Eu estava me sentindo meio ridícula de sugerir para ela ir testando as cartas no enigma final", confessou uma amiga na nossa conversa pós-jogo. Várias vezes nos pegamos pedindo desculpas por dar uma sugestão ousada que não funcionou, apesar de a atriz nunca indicar que aquele não era o caminho certo.

Com apenas uma pessoa seguindo as instruções de cinco, também pode ser confuso decidir o que fazer primeiro. Gastamos quase um terço do tempo no hall de entrada da "mansão", testando várias abordagens para solucionar uma única dica. No começo, todo mundo estava super educado e deixando o outro testar sua hipótese primeiro. Depois, ficamos mais à vontade e começamos a falar um por cima do outro mesmo.

De qualquer forma, respeito e paciência são fundamentais, mesmo quando você quer passar na frente porque tem certeza de que tem a resposta certa. Talvez por isso o Escape Hotel esteja focado em eventos corporativos online. Esse tipo de serviço já era oferecido antes, mas, com a pandemia, o público tem sido principalmente de empresas. Além do jogo, é possível contratar treinamentos com um especialista que vai avaliar o comportamento da equipe e conversar com os funcionários depois que o desafio acaba

Repórter testa escape room online - Luiza Pollo/Colaboração para o UOL - Luiza Pollo/Colaboração para o UOL
Repórter testa escape room online
Imagem: Luiza Pollo/Colaboração para o UOL

A sensação também é de pouca agilidade quando só há uma pessoa para observar (ou filmar) o cenário inteiro e correr de um lado para o outro para buscar pistas que normalmente necessitam de dois jogadores para serem resolvidas. A atriz chegou a ficar ofegante em um momento, quando cada cômodo da "mansão" guardava um número para abrir um cadeado. Em mais de duas pessoas, teríamos resolvido gritando o código uns para os outros.

Com mais gente olhando para detalhes diferentes, o jogo também costuma ser mais dinâmico e cooperativo. Ao mesmo tempo, lembro de diversos escapes dos quais participei e a sala virou um caos total enquanto cada um de nós tentava desvendar um quebra-cabeça diferente. Papel com anotações para um lado, pista importante esquecida no canto, cenário revirado. Se todo mundo se junta para solucionar um enigma por vez — o único jeito que parece funcionar online —, o jogo flui de forma mais linear.

Competir pode até ser mais importante do que ganhar, mas não posso deixar de dizer que conseguimos sair da sala, faltando apenas quatro minutos para o fim, e nos divertimos bastante. Isso sem a ajudinha que às vezes as equipes ganham na versão online, (segundo a própria von Leszna me garantiu).

Jogar online tem sido uma distração para muita gente durante a quarentena por permitir interagir com os amigos reduzindo a fadiga do Zoom, e sem que o assunto acabe sempre em coronavírus. Em meio a opções gratuitas — de "Among Us" a stop online — e os jogos pagos em plataformas como Steam, marcar um rolê de escape virtual não sai barato — de R$ 350 a R$ 550 para dividir entre duas a dez pessoas, em média.

Mas, para quem curte o formato, pode ser uma boa maneira de matar a saudade ou de conhecer salas mais amedrontadoras, com toques de terror. Afinal, quem vai ter que entrar naquele cômodo escuro e cheio de "sangue" nas paredes não é você. Talvez seja a minha chance de finalmente testar a sala da Loira do Banheiro.