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Pornô auditivo: conselheiro tiktoker vende masturbação guiada para mulheres

Guilherme Maoli, conhecido como "Meu Conselheiro", produz conteúdos no TikTok e Instagram sobre prazer feminino e quer ajudar as mulheres a atingirem o "pico de empoderamento" - Reprodução
Guilherme Maoli, conhecido como "Meu Conselheiro", produz conteúdos no TikTok e Instagram sobre prazer feminino e quer ajudar as mulheres a atingirem o "pico de empoderamento" Imagem: Reprodução

Marie Declercq

Do TAB

21/04/2021 04h00

Ao som de uma música romântica genérica, Guilherme Maoli aparece na câmera exibindo dentes brancos e cabelos lisos, escovados para trás. Ele pede para que eu e mais 45 mulheres desliguemos as luzes, ajeitemos os fones de ouvido e foquemos na sessão de sexo a distância, guiada por ele, para que todas nós possamos atingir o orgasmo. Ou "gozar gostoso", nas palavras dele.

Poucos minutos depois, nosso guia está nu. Exibindo seu abdômen, rígido como uma escultura de Victor Brecheret, ele pede para que as espectadoras se toquem. Primeiro a coxa, depois os seios e, assim, pede para escorregar os dedos no clitóris para começarmos a masturbação.

Ele simulou fazer sexo oral na própria palma da mão por poucos segundos e, rapidamente, também começou a se masturbar e filmar o ato. A narração sexual escasseou e logo se tornou uma sinfonia de gemidos e instruções vagas saídas da boca dele. "Me chupa, safada", etc. Em alguns minutos, sinalizou, sem exibir imagens, que atingiu o clímax. Soltou um gemidinho satisfeito, ajeitou o cabelo e olhou para a câmera sorrindo. "Vocês gozaram gostoso, meus amores?"

A experiência de assistir Maoli, duas vezes, me custou R$ 69 e durou cerca de duas horas e meia. Esse foi meu primeiro contato com o "conselheiro mais famoso do TikTok", com mais de 400 mil seguidores na plataforma e quase 100 mil no Instagram. Seu público é esmagadoramente feminino.

'Eu tenho um sonho'

Guilherme Maoli, assim como Martin Luther King Jr., tem um sonho. No seu caso, o sonho de ajudar "mulheres fodas que foram diminuídas ao longo da vida por causa de macho escroto" a chegarem ao orgasmo e se aceitarem como são. Foi assim, segundo ele, que nasceu o perfil "Meu Conselheiro" para guiá-lo nessa missão de falar sobre prazer feminino, autoconhecimento e ajudar suas seguidoras a atingirem o "pico de empoderamento".

Nascido em Uberlândia (MG), Maoli tem 29 anos e reside atualmente em Jurerê Internacional, bairro de Florianópolis (SC). Antes de se tornar o "conselheiro mais famoso do TikTok", tentou emplacar uma carreira de cantor, mas a aposentou devido à pandemia. Nos meses seguintes, gravou vídeos sobre marketing digital, mas quando publicou um vídeo motivacional direcionado às mulheres, o engajamento cresceu.

Segundo Maoli, sua qualificação para ser conselheiro vem da sua própria experiência sexual — e de um trauma. "Eu tinha 19 anos, fui pegar uma mulher falando que ia ser fodão, mas broxei. Sabe o que ela fez? Ela se tocou na minha frente e chegou ao orgasmo. Foi muito traumático para mim, mas ela me perguntou logo em seguida: 'você quer fazer disso um trauma ou vai virar homem?'. Logo depois, fui falar com um ginecologista para entender a anatomia feminina e quais são os pontos certos para estimular. Fiz muitas mulheres gozarem depois disso", explica.

O conteúdo produzido por Maoli é exatamente o que se espera. Dezenas de selfies sem camisa, vídeos com conselhos básicos como "você precisa estimular corretamente o clitóris para atingir o orgasmo" e textos que não passam por revisão, estilo Marcos Bulhões, sobre mulheres de atitude e histórias do gênero. De certa forma, me senti repetidamente xavecada pelo conteúdo do Maoli, mas a sensação era como se estivesse em um bar e um homem insistentemente perguntasse para mim se já atingi o pico do meu empoderamento.

Maoli - Reprodução - Reprodução
Na foto, Maoli está acompanhado de uma seguidora do seu perfil dedicado ao prazer feminino. "Tivemos uma boa conexão, transamos e até gravamos nossa transa para o meu box "30 Dias de Orgasmo", conta
Imagem: Reprodução

Hipnose sexual

Fora das redes sociais, seu trabalho principal é gravar áudios em que narra cenas picantes de sexo em diversos contextos, roteirizado e editado por ele mesmo. Há também o cuidado de inserir efeitos sonoros para realmente transportar a ouvinte para o mundinho Guilherme Maoli. "Faço uma pornografia mais saudável", define. "É uma hipnose sexual. O pornô convencional é muito machista, e sempre é um homem dominando uma mulher. Na minha pornografia, eu exalto a mulher e crio uma relação com a ouvinte."

O crème de la crème é o box "30 Dias de Orgasmo", que conta com um áudio pornô por dia, fotos e vídeos exclusivos, uma aula de astrologia, um e-book sobre sexualidade e prazer, um curso sobre sexo anal com uma genital influencer e acesso a um grupo fechado do Telegram. Tudo isso por impressionantes R$ 769,97, agora reduzidos para R$ 269,69. "O evento [de masturbação guiada] não foi nada perto do sucesso do meu box", garante. Segundo o conselheiro, mais de mil unidades foram vendidas desde o lançamento, em março, fazendo o bonitão faturar mais de R$ 260 mil em um mês. "E não teve nem investimento em anúncios", conta, orgulhoso.

Maoli reconhece que uma porcentagem gorda do seu sucesso vem da sua aparência e da mística que mantém em torno de si — de que, a qualquer momento, pode transar com uma de suas seguidoras. "A minha beleza conta e eu uso isso de isca. Muitas mulheres com problemas sexuais já têm um desgaste emocional em torno disso e acham que o problema é delas. Por isso, uso a comédia para falar do assunto. Acho que dou esperança para elas."

Conteúdo exclusivo?

Após assistir à masturbação guiada, fui atrás dos três e-books disponibilizados às pagantes. Os assuntos: guia sobre masturbação feminina; alimentos que aumentam a libido e sexo e espiritualidade.

"Os e-books são fruto de pesquisas feitas pela minha equipe sobre o prazer feminino. Nós escrevemos e enviamos para uma profissional especializada para revisar tudo", explica. "Tenho uma equipe com mais de 15 pessoas para fazer isso, e acabo entregando até mais do que eu prometo."

O guia de masturbação feminina traz dicas genéricas sobre movimentar o dedo sobre o clitóris, estatísticas sobre prazer feminino e 13 páginas indicando vibradores aleatórios. Foram colocadas algumas fotos para ilustrar a anatomia feminina (todas tiradas de filmes pornô), mas borradas nas partes da vagina, para minha surpresa. "Isso foi um erro", admite. "Nós borramos porque não sabíamos se esse conteúdo seria compartilhado nas redes sociais."

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E-book "exclusivo" foi adquirido em regime de PLR, uma forma de comprar conteúdo de terceiros e usar da forma que preferir, sem ser acusado de plágio. A prática é muito comum no mercado de coachs
Imagem: Reprodução

O e-book sobre sexo e espiritualidade me causou estranheza desde a primeira frase. Não fazia muito sentido. Por exemplo: "Sexo é uma mídia universal de prazer para o homem e mulher. (...) Deus criou isso e nós gostamos como Suas bênçãos" (sic). Foi aí que traduzi essas frases para o inglês e descobri que ele foi inteiramente copiado de um conteúdo dos EUA, jogado no Google Tradutor e formatado em um e-book diferente.

Com o terceiro e-book foi ainda mais fácil. Bastou jogar o título "10 alimentos que aumentam a libido" no Google e clicar no primeiro resultado que me levou ao site "Dicas de Mulher". O texto parece ter sido copiado quase que na íntegra. "Quase" porque ele foi adaptado em certos trechos, sem muito compromisso com a lógica. Por exemplo: "[O figo] tem uma grande quantidade de aminoácidos, que é responsável por tudo".

'Não é o foco'

Perguntado sobre os e-books, Maoli me perguntou em primeiro momento se era possível omitir a informação da reportagem por não ser o foco do seu trabalho, depois anunciou que demitiu a copywriter responsável pelos conteúdos imediatamente por não ter colocado os créditos.

Em nota, Maoli respondeu: "(...)Por conta da correria do evento acabei não me atentando aos detalhes de revisar e colocar os créditos originais dos textos de um dos e-books. Mas isso são detalhes que serão consertados e, independente da forma em que foi entregue, foi com uma boa intenção de ajudar!"

Minutos depois, após consultar com sua equipe, me disse que o livro sobre sexo espiritual foi adquirido sob regime de Private Label Rights, um licenciamento o qual o autor original vende todos seus direitos intelectuais. Isso significa que o conteúdo está livre para ser replicado e utilizado sem crédito por outras pessoas sem serem acusadas de plágio.

Segundo Simone Vollbrecht, advogada de direitos autorais, sites especializados na venda de e-books sob o regime de PLR são comuns no meio coach. Por um valor irrisório, é possível comprar e-books e usá-los da forma desejada.

Maoli, após me pedir para que a matéria fosse cancelada, voltou atrás e confirmou que comprou o e-book sob o PLR. Por WhatsApp, enviou o comprovante de compra (com o nome do comprador e o valor censurados) realizada no dia 23 de março, junto com a licença de direitos autorias que permite a reprodução e comercialização do e-book.

No caso do outro e-book "10 Alimentos Que Aumentam a Libido", plagiado do "Dicas de Mulher", Maoli não se manifestou diretamente. Nos termos de uso do Dicas de Mulher, a reprodução dos conteúdos publicados é proibida.

Todo mundo está feliz nessa história

O e-book reproduzido por Maoli dificilmente surtiria algum efeito negativo entre as seguidoras. Até porque são apenas souvenirs para tornar o conteúdo vendável. O que o conselheiro oferece está no TikTok e no Instagram. E suas seguidoras estão satisfeitas com o que ele entrega.

A carioca L.P., 51, conheceu a página de Maoli pelo TikTok, procurando influenciadores aleatórios da rede enquanto monitorava o conteúdo assistido por sua filha de 11 anos. Divorciada há três anos, L.P. gostou do que Maoli falava. "Eu me fechei muito para o mundo. Graças ao Guilherme, sinto que passei a me gostar e me abrir, larguei a vida de ficar 24 horas debruçada só no trabalho", conta. L.P., que estava presente nos dois dias de masturbação guiada.

Por ser mais experiente, a carioca acredita que consegue desfrutar dos conteúdos de Maoli de uma forma mais consciente. Ela gosta dos áudios, mas diz que não devem ser a única coisa na vida de alguém. "Muitas seguidoras mais novas esperam que ele faça alguma coisa, que ele deve servi-las", avalia. "Ele não deixa muito claro e cria esse clima, mas ele tem a privacidade dele. Para mim, ele é apenas um professor para dar orientações. Não espero me envolver com ele". No mais, L.P. está satisfeita. "Ele faz um bom trabalho."

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Alguns momentos de Maoli durante o evento de masturbação guiada. O termo "DJs", segundo o sexycoach, é uma referência ao movimento feito com os dedos na masturbação feminina, similar ao que um DJ faz no disco de vinil
Imagem: Reprodução

Resultado garantido

Maoli escolheu produzir pornô auditivo pelas características femininas. "Os homens são mais visuais e são mais rápidos para se excitar, já as mulheres são mais auditivas. Elas precisam de um estímulo diferente", explica.

Paradoxalmente, o ponto alto da masturbação guiada não foi o áudio, e sim o momento em que Maoli ficou pelado — o que contradiz um pouco a ideia de que a parte visual não interessa às mulheres. Naquele contexto, tudo que importava era o que ele estava mostrando.

Nos dois dias de masturbação guiada, admito que houve um momento que senti uma pontada de excitação genuína. Conferindo o Twitter enquanto ouvia Maoli gemendo pelo Zoom, vi pela primeira vez uma foto do jovem Leonel Brizola, em 1961, durante a Campanha da Legalidade, com uma metralhadora na mão e um cigarrinho pendurado na boca. Que bela imagem.

No mais, a parte mais honesta oferecida pelo conteúdo do "Meu Conselheiro" é a pornografia. A roupagem de autoconhecimento e empoderamento é um provável reflexo do mundo em que vivemos: palavras como "feminismo", "autoconhecimento" e "empoderamento" se popularizaram e agora são apenas termos usados para vender produtos. Maoli não é o vilão nessa história. Ele só é esperto.