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Série Olímpica: lança da caça e da guerra, dardo chega a 100 km por hora

Luiz Mauricio, atleta do dardo brasileiro - Wagner Carmo/CBAt
Luiz Mauricio, atleta do dardo brasileiro
Imagem: Wagner Carmo/CBAt

Mônica Manir

Colaboração para o TAB, de São Paulo

10/07/2021 04h01

Em inglês, o dardo do atletismo é "javelin". Viria do francês antigo escrito igualzinho, "javelin", diminutivo de "javelot", que significa lança.

Uma lança que provavelmente derivou da caça e da guerra — que não deixa de ser uma caça, mas a outro humano — e que os gregos incorporaram aos Jogos Olímpicos em 708 a.C., como parte do pentatlo clássico.

Na Olimpíada de 1912, Pierre de Coubertin deu uma repaginada no pentatlo clássico, e o dardo foi desancado na versão moderna. Mas resistiu no decatlo, no heptatlo e como prova individual. Não raro, o atleta que sobe ao pódio no lançamento de dardo se iniciou na modalidade experimentando o implemento no decatlo (dez modalidades reservadas aos homens) ou no heptatlo (as sete das mulheres).

A atleta Leryn Franco, do Paraguai, nas classificatórias das Olimpíadas de Londres, em 2012 - Kai Pfaffenbach/Reuters - Kai Pfaffenbach/Reuters
A atleta Leryn Franco, do Paraguai, nas classificatórias das Olimpíadas de Londres, em 2012
Imagem: Kai Pfaffenbach/Reuters

O bicampeão do Troféu Brasil de Atletismo, Luiz Mauricio Dias da Silva, começou a carreira no decatlo. Atleta da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), ele traz no uniforme o brasão do Exército. Treina na unidade militar do Rio, mas não perdeu o jeito mineiro de se surpreender. Soltou um "uai!" quando alcançou de primeira os 76,10 metros no Troféu de 2020, sua melhor marca até hoje.

Em junho último, com poucos meses de treinamento, levou o ouro no mesmo campeonato, com 75,30. Diz que vai mordido para o Pan sub-23 (ou Jogos Pan-Americanos Júnior), sua categoria. "É brigar de frente com os norte-americanos", afirma, no destemor dos 21 anos.

O campeonato deve ocorrer na Colômbia e está previsto para o período de 25 de novembro e 5 de dezembro.

Luiz Mauricio explica as características do dardo que empunha. É de fibra de vidro, tem 2,70 m de altura e pesa 800 gramas. Os dardos das mulheres, lançados no dia seguinte, 13 de junho, não passavam dos 2,3 metros e pesavam um pouco menos, 600 gramas, medidas-padrão.

O juiz-forense havia acabado de sair da pista de lançamento. Não sabe a velocidade com que o dardo foi lançado de sua mão depois do giro rápido, mas a média é de 100 quilômetros por hora. A ponta do implemento está suja de terra, atestado de que, entre as seis tentativas, se fincou pelo menos em duas no gramado: uma na classificatória, outra na final. Quando o dardo cai de barriga, ou seja, se não se crava no terreno, o lançamento não é computado.

O atleta também é obrigado a segurar o dardo pela empunhadura de corda, onde fica o atual centro de gravidade. O centro anterior, 4 centímetros abaixo, permitia que o dardo se elevasse mais e que o "nariz" da curvatura fosse longe. Quando o alemão Uwe Hon estabeleceu a marca de 104,80 metros em 1984, a Federação Internacional de Atletismo percebeu que era o caso de baixar a arrogância desse nariz, já que o implemento poderia ultrapassar os limites dos estádios ou alcançar a audiência na arquibancada.

Em abril de 1986, o dardo masculino foi redesenhado pelo comitê técnico da Federação e, três anos depois, foi a vez do feminino. Passaram a régua nas marcas anteriores. Quem detém o recorde na era moderna do dardo é o tcheco Jan Zelezný. Alcançou 98,48 metros em 1996.

Outros estão chegando perto, o que sinaliza que um novo layout pode vir por aí para diminuir a potência dessa flecha gigante, pelo menos entre os homens. Barbora Spotáková, recordista mundial e bicampeã olímpica, também nascida na República Tcheca, estabeleceu a marca dos 72,28 metros em 2008.

Luiz Mauricio, jogador de dardo brasileiro - Olivier Morin/Reuters - Olivier Morin/Reuters
A cubana Osleidys Menendez lança dardo na final dos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000
Imagem: Olivier Morin/Reuters

Lança-perigo

Embora raros, acidentes com dardos são notórios porque aflitivos — e perigosíssimos. Em 13 de julho de 2007, durante a Golden League no Estádio Olímpico de Roma, o saltador em distância tunisiano Salim Sdiri foi atingido por um dardo depois de o atleta finlandês Tero Pitkamaki escorregar na hora do lançamento.

Médicos que o atenderam de imediato entenderam que nenhum órgão vital tinha sido atingido, e Salim recebeu alta. Quatro dias depois, ele voltou ao pronto-socorro porque se constatou que o dardo perfurara seu fígado e passara de raspão no rim direito. Recuperado, Salim voltou a competir e bateu o recorde francês de sua modalidade dois anos depois do trauma.

No Brasil, a árbitra Lia Mara Lourenço também tomou um susto e tanto quando um dardo perfurou seu pé esquerdo enquanto ela recolhia os implementos no gramado. Era o Troféu Brasil de 2006, e 16 atletas arremessavam um dardo atrás do outro durante o aquecimento.

"A dor foi muito grande", diz, em entrevista por telefone ao TAB da cidade de Nova Esperança, no Paraná, onde mora. Um funcionário do estádio Ícaro de Castro Melo, em São Paulo, onde estava sendo realizado o evento, arrumou uma serra elétrica, cortou o dardo, e ela foi com o que sobrou dele para o hospital.

Lia teve uma fratura do quinto metatarso, passou por fisioterapia e voltou a arbitrar no Pan de 2007, no Rio, depois do qual se aposentou na função. A única sequela fisiológica do incidente, diz ela, é não suportar por muito tempo o salto alto, por exemplo. "Já me acostumei com as rasteirinhas."

Jonne Roriz, na época fotógrafo do jornal O Estado de S. Paulo, foi o primeiro a registrar a cena. Estava à espera do salto em distância, perto da caixa de areia, quando flagrou de soslaio o momento em que o dardo perfurava o pé de Lia. Largou a teleobjetiva, pegou uma câmera mais leve e saiu na direção dela, quando já se juntavam funcionários em torno da árbitra.

A foto lhe rendeu o prêmio Pictures of the Year International daquele ano e a certeza de que seus cuidados na cobertura esportiva, se já eram grandes, deveriam se multiplicar.

"Por coincidência ou não, uma hora antes eu conversava com um árbitro e ele me pediu que ficasse atento ao aquecimento do dardo, porque já havia acontecido de ele atingir pessoas em estádios ao longo da história", diz. "Que não caia mais nenhum!", comentou Jonne.

Prestes a embarcar para Tóquio como um dos fotógrafos do Comitê Olímpico Brasileiro, ele pede aos deuses do Olimpo que não falhem e protejam a todos do invisível pandêmico.

A atleta Jucilene Sales de Lima - Wagner Carmo/CBAt - Wagner Carmo/CBAt
A atleta brasileira Jucilene Sales de Lima
Imagem: Wagner Carmo/CBAt
Decatleta Felipe dos Santos, no arremesso de dardo dos Jogos Pan-Americanos do Rio, em 2015 -  Rob Schumacher/USA TODAY Sports  -  Rob Schumacher/USA TODAY Sports
Decatleta Felipe dos Santos, no arremesso de dardo dos Jogos Pan-Americanos do Rio, em 2015
Imagem: Rob Schumacher/USA TODAY Sports

Nomes para ficar de olho em Tóquio: No dardo individual, a paraibana Jucilene Sales de Lima e a sergipana Laila Ferrer são as convocadas pela Confederação Brasileira de Atletismo. No decatlo, o representante brasileiro é o paulistano Felipe Vinícius dos Santos.