Crise não afeta mercado de luxo no Rio: 'A cada dia que passa está melhor'
Em uma tarde de quinta-feira do mês de julho, um shopping voltado ao público AAA, na Barra da Tijuca, está movimentado. Nas diversas lojas internacionais, onde itens como bolsas, sapatos, óculos e peças de roupa ultrapassam facilmente os cinco dígitos, clientes estão comprando e a vida parece normal, não fosse o uso de máscara — desrespeitado por uns poucos frequentadores do local.
O mercado de alto padrão, afetado pelo fechamento mandatório do comércio no início da pandemia, em 2020, rapidamente recuperou o fôlego e vai bem, obrigado. No Village Mall, maior reduto de consumo de luxo no Rio, as vendas vêm crescendo, a despeito da recessão econômica.
No Village Mall, não é permitido abordar os clientes — e as lojas também não autorizam que seus funcionários falem com a imprensa. "Políticas globais da empresa", afirmam em uníssono. Mas dados fornecidos pelo estabelecimento mostram que houve um aumento de mais de 60% no volume de compras entre as marcas internacionais no primeiro trimestre deste ano em comparação ao mesmo período do ano passado. O segundo trimestre confirma os bons prognósticos.
Bons ventos
Thereza Lago, dona da perfumaria Luxe, é uma das poucas proprietárias que topa falar com o TAB. Sua loja vende perfumes que podem ser personalizados, formando uma fragrância única para cada cliente. Por lá, marcas como Dior, Lancôme e Sisley também estão presentes, mas os perfumes mega exclusivos são o carro-chefe e representam 60% do faturamento da loja.
"Algumas marcas são exclusivas nossas aqui no Rio. Desde novembro de 2019, quando a loja foi aberta, a gente não parou em nenhum momento, o atendimento continuou em domicílio quando o shopping foi fechado. Com a reabertura, o público foi voltando gradativamente. A gente tem um tratamento muito individualizado, sabemos quem são nossos clientes por nome, sobrenome, conhecemos os filhos", explica ela. Tanta exclusividade, claro, tem seu preço. Um perfume de 75ml sai entre R$ 1.800,00 e R$ 4.300,00. "Meu público não está podendo viajar e, aqui, consegue comprar produtos até mais baratos do que pagaria lá fora, além de poder parcelar", diz.
As maquiagens sofreram uma queda nas vendas, creditada pela empresária ao uso de máscara, mas a normalidade nesse setor também já foi restabelecida. Thereza é dona de outras 15 perfumarias que vendem fragâncias padrão, mas pretende expandir a Luxe. "Hoje, eu estou em crescimento, avaliando as oportunidades", diz ela.
Dona da multimarcas Clari, Clarice Tenembaum, 39, havia aberto sua loja no Village Mall em fevereiro de 2020 — um mês antes da pandemia começar e o shopping ficar fechado de 18 de março a 11 de junho. Como a colega Thereza, Clarice vem observando o crescimento das vendas. "Voltou ao 'novo normal'. A cada dia que passa está melhor, as vendas aumentaram em 40%", comemora.
"Os quatro primeiros meses da loja foram difíceis. A gente lançou o site, e na segunda vez que fechou, com os feriados de abril deste ano, nem sentimos diferença nas vendas", conta ela, que tem como público majoritário as mulheres de classe AAA. "São clientes acima dos 30 anos. Elas levam as filhas e sabem a roupa, a bolsa que querem. Muitas são médicas ou advogadas que já voltaram ao trabalho presencial", diz. Eventualmente, Clarice também vende para um público AB, "Mais para datas específicas, eles não compram toda semana", explica ela.
VIP entre os VIPs
No Rio Design Barra, outro shopping de classe A da Barra da Tijuca, a lojista de uma famosa rede nacional de roupas femininas preferiu não se identificar. Ela confirma, no entanto, o bom momento. "As clientes estão com menos medo, mais tranquilas. Em 2020 houve momentos difíceis. A nossa melhor cliente ficou meses sem aparecer, teve covid. Mas nosso público é muito fidelizado e voltou", conta.
Ainda sob pedido de sigilo, ela explicou que a prática de consignação, também conhecida como "mala" -- envio de peças para a casa de clientes muito assíduas, para que elas possam experimentar com calma e escolher os itens com os quais deseja ficar -- foi ampliado durante a pandemia. "Antes, só as clientes VIPs, que gastam mais de R$ 100 mil por ano na loja, tinham esse serviço. Com a pandemia, passamos a disponibilizar a facilidade para as clientes médias também. Fizemos muito isso e deu certo", conta a lojista.
Durante todo o tempo em que a vendedora conversava com a reportagem, um marido impaciente esperava pela mulher, que provava diversas peças.
Abismo social
Um garçom de um restaurante japonês de alto padrão conta, também sob condição de anonimato, que o movimento onde trabalha voltou às boas, inclusive com clientes brigando para ter mais gente do que o permitido na mesa no momento — 7 pessoas por vez.
"Nos finais de semana fica meio tumultuado de cheio. Aqui só vem pessoal de classe alta, pra eles já voltou ao normal, eles não estão nem aí. Tem briga para botar mais gente na mesa", conta ele, que, no início da pandemia, viu muitos colegas de trabalho serem mandados embora. "Mas já houve uma recontratação de parte das pessoas, tá crescendo. Tem clientes que olham o cardápio e perguntam o preço, mas a maioria não pergunta nada. A gente busca entender o tipo de coisa que o cliente gosta e sugere, eles só vão aceitando, não esquentam com o valor da conta. Esse é o público que mais vem", diz o garçom.
Em junho, um levantamento do banco Credit Suisse mostrou que 1% da população brasileira concentra 49,6% da renda do país e, com a pandemia, o número cresceu 2,7%. O consumo de luxo acompanha a tendência e segue indiferente à desigualdade.
Na saída dos estabelecimentos, é fácil distinguir quem ali passeia de quem ali trabalha. Enquanto motoristas — particulares e de aplicativos — pegam ou deixam os clientes ali, um ponto de ônibus cheio mostra a espera dos trabalhadores do estabelecimento pela condução.
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