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Moradores protestam por acesso livre a Prainha do MAM, em Salvador

A Prainha do MAM, em Salvador, foi batizada assim por ficar dentro do Museu de Arte Moderna da Bahia - Rafael Martins/UOL
A Prainha do MAM, em Salvador, foi batizada assim por ficar dentro do Museu de Arte Moderna da Bahia Imagem: Rafael Martins/UOL

Gilvan Santos

Colaboração para o TAB, de Salvador

26/08/2021 04h00

Nas águas calmas da Baía de Todos-os-Santos, em Salvador, o barqueiro Damião Freitas, 42, ajusta o chapéu de palha sobre a cabeça para se proteger do sol escaldante enquanto deixa os remos de lado por um instante para descansar os braços exaustos. É o dia inteiro nesse vai e vem e, entre uma remada e outra, ele conta em detalhes os últimos acontecimentos.

"Fecharam a praia. Quer dizer, fecharam o portão que dá acesso à praia. A direção do museu decidiu fechar porque estava aglomerando gente demais na areia. E algumas pessoas também não respeitavam os horários. O portão tinha que fechar todos os dias às 17h, mas tinha gente que não queria sair. Agora, o pessoal está lutando para reabrir", conta.

Damião pega novamente os remos, e o pequeno barco começa a se movimentar. Nos abaixamos para passar por baixo de um píer de concreto recém-inaugurado no MAM (Museu de Arte Moderna da Bahia), mas que só atende a grandes embarcações como lanchas e estruturas maiores - e então, a pequena faixa de areia surge diante dos olhos. São menos de 100 metros de comprimento, que ficam ainda mais estreitos quando a maré está alta.

Como não existe atracadouro, é preciso pular do barco direto na água para conseguir desembarcar. Damião desce primeiro e ajusta a pequena embarcação para que os passageiros consigam sair com celulares e outros equipamentos intactos. A Prainha do MAM, assim batizada por ficar dentro do museu, se tornou o reduto da polêmica mais recente da cidade.

Vista aérea da Prainha do MAM, em Salvador - Rafael Martins/UOL - Rafael Martins/UOL
Vista aérea da Prainha do MAM, uma faixa estreita de areia em Salvador
Imagem: Rafael Martins/UOL

Pulando o muro

Em dezembro de 2019, o acesso à praia foi fechado pois a multidão que frequentava o local nos fins de semana estaria colocando em risco as obras de arte do museu instaladas a céu aberto. O portão principal, que fica no meio do caminho entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa, foi trancado. Ele tem uma via estreita e íngreme que vai serpenteando morro abaixo até desaguar nas areias brancas da pequena praia.

Além das aglomerações citadas pelo barqueiro Damião, mais tarde uma reforma e a pandemia manteriam o portão fechado. O público não respeitou, e os mais corajosos se arriscaram pulando o muro de quase 3 metros de altura que protege o lugar. O morro é tão alto que quem está na areia não consegue enxergar o topo, mesmo esticando o pescoço e ficando na ponta dos pés.

Moradores contam que uma mulher escorregou quando fazia essa aventura e caiu. Ela precisou ser resgatada. Em outubro do ano passado, uma multidão entrou pulando o muro, aglomerou-se na areia e o caso ganhou os jornais. Para coibir essa prática foram instalados arames farpados ao longo de 4 metros da construção, o que aumentou a tensão entre as pessoas que vivem na comunidade do Solar do Unhão, vizinha à praia, e que querem ter acesso livre como existia antes.

Voltando as costas para o paredão e olhando em direção ao mar fica evidente o motivo de tanto alvoroço por esse pedaço de chão. A Prainha do MAM tem uma das vistas mais lindas do pôr do sol de Salvador. Enquanto os banhistas observam cargueiros e cruzeiros entrando e saindo da Baía de Todos-os-Santos, por detrás das embarcações o círculo alaranjado se esconde lentamente fazendo inveja a qualquer cartão-postal.

Acesso à Prainha do MAM, em Salvador, de barco - Rafael Martins/UOL - Rafael Martins/UOL
Barqueiros levam moradores à pequena praia cujo acesso foi fechado por portões do museu
Imagem: Rafael Martins/UOL

R$ 10 de barco

Há quem diga que a razão para tanta gente gostar dessa praia vem também de Iemanjá, já que dali perto partem todos os anos pequenas embarcações com oferendas para a Rainha do Mar, mas para os mais céticos são as águas calmas e cristalinas que atraem a maioria dos visitantes. Esse foi o caso da estudante Daniele Ramos, 21, do namorado dela e mais seis amigos que estavam aproveitando o sol no último fim de semana.

"O mar é muito calmo, com ondas muito pequenas, o que é bom para um passeio em família. O pôr do sol é lindo, o que é bom para os casais. E as pessoas são muito simpáticas, o que é bom para o turismo. Eu sempre vinha a pé, mas depois que o portão fechou, passei a usar o barco", disse.

O local era ponto de encontro de todas as tribos. A Prainha já era famosa entre os soteropolitanos, mas nos últimos anos ficou ainda mais movimentada com a presença de turistas que buscam locais fora do catálogo das agências de viagem.

Depois que o portão foi trancado sem data para reabertura, os moradores tiveram a ideia de levar os visitantes de barco até a praia. Primeiro, é preciso entrar na comunidade do Solar do Unhão, descer por uma escada íngreme, e então chegar à praia das Pedras, também conhecida como praia da Gamboa. O segundo passo é contratar um dos barqueiros. A viagem custa R$ 10 por pessoa, ida e volta.

Essa rota era pouco usada antes da pandemia, quando o acesso a pé ainda estava liberado. As viagens que os barqueiros faziam eram em direção a outras regiões da cidade, e a ideia surgiu do apelo dos próprios banhistas. Não houve problemas com os seguranças do museu. O desembarque na Prainha do MAM, apesar de agitado pelo vai e vem das ondas, tem sido tranquilo. No entanto, ter que pagar para ir à praia não faz parte dos planos dos moradores e eles estão lutando para que o acesso a pé seja restabelecido.

Pessoas na Prainha do MAM, em Salvador - Rafael Martins/UOL - Rafael Martins/UOL
'O mar é muito calmo, com ondas pequenas, o que é bom para um passeio em família', disse uma visitante
Imagem: Rafael Martins/UOL

Pedir para Iemanjá

Na semana passada, o museu reabriu, depois de passar um ano e meio fechado por conta da pandemia, e houve um protesto com faixas e cartazes. Os manifestantes acusaram a administração de querer impedir a comunidade de frequentar o local e a chamou de racista. Houve uma reunião entre lideranças, representantes do museu e do poder público para discutir o assunto e ficou acertado que moradores vão receber uma carteira de identificação garantindo o acesso pelo portão. O "baba" (futebol com os amigos no fim de semana) já está liberado.

Além disso, serão criados mecanismos para controlar o público e evitar aglomerações, entre outras medidas. Apesar de parte da população cantar vitória, outros moradores estão mais céticos e disseram que preferem aguardar as próximas semanas para se manifestar, mas garantiram que se as promessas não forem cumpridas haverá novos protestos.

Em nota, a administração informou que uma reunião realizada na quarta-feira (18), na Assembleia Legislativa da Bahia, teve o objetivo de buscar, por meio de parcerias institucionais, soluções para as interlocuções ocorridas nos últimos três anos com a comunidade do Solar do Unhão. Sobre a Prainha do MAM, a administração frisou que o acesso está autorizado pelo mar, e que a discussão em relação ao portão será revista.

"Será definida a ampliação do acesso, que ocorrerá acompanhando planejamento para definição de parâmetros de lotação e controle, e seguindo os protocolos de segurança para covid-19", diz a nota.

Enquanto o cabo de guerra entre a população e as autoridades é esticado dos dois lados, o prédio que abriga o museu, construído no século 17 e tombado como patrimônio histórico e artístico — e que já serviu de residência para as famílias mais poderosas da Bahia, foi transformado em trapiche, depósito de combustíveis, fábrica e em quartel durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) — assiste a mais um conflito se desenrolar.

Para parte dos moradores, a solução é apelar. Uma vendedora ambulante garante que a reunião só aconteceu por conta das orações dela. "Vamos pedir para Iemanjá, para todos os santos e para os orixás. Se os políticos não nos ouvirem, alguém há de nos ouvir, não é não?"