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Detectoristas procuram relíquias em 'palheiro de lixo' metálico

Carolini Tabarelli e Cleverson Pavan, do Clube de Detectorismo de Curitiba, buscam objetos enterrados no gramado do Parque Barigui - Theo Marques/UOL
Carolini Tabarelli e Cleverson Pavan, do Clube de Detectorismo de Curitiba, buscam objetos enterrados no gramado do Parque Barigui Imagem: Theo Marques/UOL

Vinicius Konchinski

Colaboração para o TAB, de Curitiba

06/09/2021 04h00

Num sábado frio e nublado de um fim de semana de inverno em Curitiba, poucas pessoas arriscam um passeio ao livre no Parque Barigui, cartão-postal da capital paranaense. Para os amigos Carolini Tabarelli, 34, e Cleverson Pavan, 38, entretanto, o dia parece ideal.

"Não tem quase ninguém", comemorou Pavan, ao olhar para o vazio dos gramados que costumam estar cheios de crianças brincando e famílias fazendo piqueniques em feriados. "O chão está úmido por conta das chuvas. Com água, tem mais condutividade. Fica mais fácil", complementou Tabarelli, justificando sua animação.

Condutividade tem a ver com capacidade de um material de transportar cargas elétricas. Quanto mais alta, mais eletricidade esse material é capaz de transportar.

A água, explica Tabarelli, tem condutividade razoável. Permeada no solo, ela ajuda a propagação de ondas eletromagnéticas no terreno. E isso facilita a prática do hobby que leva Tabarelli e Pavan a se encontrar quase todo sábado há oito anos: o detectorismo.

Nas horas vagas, os dois são detectoristas, ou seja, usando detectores buscam objetos de metal deixados ou enterrados no chão. Eles fazem parte de um grupo de cerca de 70 pessoas que praticam a atividade no Paraná, apenas pelo prazer de achar uma moeda, uma ferramenta antiga ou até uma aliança em meio a um imenso "palheiro invisível" de lixo metálico espalhado por cidades.

"Achar uma agulha num palheiro já é difícil. Num parque, procurar algo interessante é buscar uma agulha em dez palheiros", diz Pavan. "Mas, às vezes, você dá sorte e acha uma ficha antiga de ônibus [usada como passagem] ou mesmo uma ficha do antigo bonde."

Carolini Tabarelli, do Clube de Detectorismo de Curitiba, busca objetos enterrados no gramado do Parque Barigui - Theo Marques/UOL - Theo Marques/UOL
O kit de Tabarelli inclui pá cortadeira, picareta, mini-pá, pochetes e um detector de metais importado
Imagem: Theo Marques/UOL

Detector hi-tech e picareta

Encontrar esse tipo de coisa no chão demanda paciência e equipamentos. Ao chegar ao Barigui, Tabarelli abre o porta-malas de seu carro e de lá retira os apetrechos necessários para vasculhar o solo.

Ela leva uma pá cortadeira, uma picareta, uma mini-pá do tamanho de uma faca, luvas, água e pochetes. Leva também uma bolsa parecida com um case de violão, onde guarda seu xodó: um detector de metais importado, com visor digital, compatível com fones de ouvido sem fio e avaliado em cerca de R$ 6 mil.

Montado, o equipamento parece uma vassoura. Numa ponta, em vez de cerdas, ele tem uma bobina, que detecta metais no solo através de ondas eletromagnéticas. Tabarelli escaneia o terreno passando a bobina num movimento suave de vai e vem, quase como se estivesse varrendo o chão.

Quando o detector se depara com metal, ela escuta um bip em seu fone de ouvido e enxerga sinais numéricos no painel digital parecido com um smartphone fixado no meio do cabo da tal "vassoura high-tech".

Seu detector é amador, mas avançado. Consegue distinguir o tipo de metal presente a alguns centímetros abaixo da superfície do solo e sinaliza isso ao detectorista com números em seu painel. Se o numeral está entre -9 e zero, significa que há algo de ferro abaixo; se está entre 1 e 10, há alumínio ou até ouro; e por aí vai.

"Aqui deve ter uma tampinha de garrafa", diz ela, monitorando o painel enquanto caminha. "Aqui já deve ser um lacre de latinha."

Quando o número indica que há algum pedaço de metal que mereça ser desenterrado, entram em ação as pás ou a picareta, que levantam pequenos nacos de terra, que são dissolvidos com as mãos em busca do objeto ainda não identificado. Ao finalmente tocá-lo, um detectorista geralmente já sabe o que achou. "É uma moeda de um centavo", apostou Tabarelli, após suas primeiras escavações naquela tarde.

Se o detectorista ainda não tem certeza do que descobriu após retirar o objeto da terra, ele geralmente verifica o estado de conversação, limpa o artefato e, em último caso, inicia uma pesquisa posterior para tentar identificar o que se tem em mãos.

Objetos encontrados por detectoristas no Parque Barigui, na capital paranaense - Theo Marques/UOL - Theo Marques/UOL
Objetos metálicos encontrados por detectoristas no Parque Barigui, Curitiba
Imagem: Theo Marques/UOL

Surpresas, lixo e broncas

Pavan, que também é conhecido como Pingo, certa vez resolveu detectar metais num antigo campo de treinamento militar no bairro do Umbará, em Curitiba. Encontrou lá um pedaço de metal já esverdeado pela ação do tempo, de formato parecido com o de um cachimbo, mas sem tubo para servir de piteira ou câmara para queima do fumo. Intrigou-se.

Levou o objeto para casa, fez uma boa limpeza e acionou os outros detectoristas num grupo de WhatsApp. Com a ajuda deles, Pingo diz que descobriu, na verdade, um guarda-mato, peça de proteção contra disparos acidentais de garruchas antigas. "Isso aqui não é nem de quando militares treinavam no Umbará. É coisa de tropeiro", julga ele, mostrando orgulhoso um dos seus achados.

No Umbará, Tabarelli desenterrou um berimbau de boca, um instrumento musical peculiar, feito de ferro. "Demorei para descobrir o que era", conta ela, que diz ter moedas com o rosto de Dom Pedro II e com brasão da coroa portuguesa em seu acervo particular coletado desde que começou a detectar, em 2013.

Tabarelli é uma espécie de líder do grupo de WhatsApp. É conhecida como "Carol, a professora". Entre os colegas, a profissão virou apelido por conta da forma como Tabarelli administra o grupo. "Tenho que pôr ordem", admite ela, em tom de brincadeira.

Além do grupo, Tabarelli e Pingo mantêm um canal no YouTube e administram o Clube de Detectorismo Curitiba. O clube hoje não passa de um projeto. Tem três sócios, mas a ideia é expandi-lo para disseminar informação sobre o hobby.

Isso porque detectoristas muitas vezes levam broncas de pedestres ou donos de animais de estimação. Pingo, por exemplo, disse que eles já foram questionados por um senhor que temia que seu cachorro machucasse a pata ao pisar num buraco aberto durante a busca por metais. "A gente tapa cada buraco aberto", diz Tabarelli. "Tem muito curioso que vem perguntar se estamos atrás de ouro, mas também tem muita gente que reclama, pensa que estamos destruindo parques e praças."

Segundo Pingo, detectoristas evitam lugares muito movimentados para conseguir buscar objetos com mais tranquilidade. Evitam também áreas históricas para não arrumar problema com o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

O instituto, por lei, deve receber e guardar todo material encontrado em escavações. Pingo diz que detectoristas acionam o órgão quando descobrem algo realmente excepcional em suas expedições e até gostariam de acionar mais. O problema é que, quase sempre, o que encontram é lixo mal descartado.

"Não faço isso para achar algo valioso. Isso é como se fosse uma terapia para mim", explica. "Agora, fazendo isso a gente se acostuma a olhar para o chão e acaba vendo como tem muito lixo jogado por aí."