Briga com ex-mulher fez radialista fugir para ilha, onde vive há 30 anos
O silêncio é cortado por um grito peculiar. Na outra margem do rio Jaboatão está Amaro Tibúrcio, 70. Para encontrar a reportagem de TAB, Amaro pede, com o apelo selvático, que o pescador que nos recebe traga a balsa.
Morador de uma ilha localizada no município do Cabo de Santo Agostinho, na região metropolitana do Recife, Amaro vive isolado há mais de três décadas. O distanciamento social imposto pela pandemia definitivamente não foi um problema para ele.
A balsa de madeira é conduzida pelo próprio Tarzan — uma grande vara é usada como remo. O jeito comunicativo talvez seja herança dos tempos em que ele trabalhou como radialista. Em cada palavra e informação, tornam-se mais claras as semelhanças com o personagem da ficção. Assim como o garoto da selva, o Tarzan pernambucano se dedica à preservação da natureza e tenta despertar consciência ecológica em quem passa pela ilha.
Tarzan vive na simplicidade. Não possui energia elétrica na pequena casa onde mora — ou seja, não tem celular; televisão tampouco. Em alguns lugares do imóvel há candeeiros, além da presença dos seis gatos, quatro cachorros e das mensagens religiosas que ele mesmo pintou. Na sala, uma placa de energia solar que ganhou de presente ainda aguarda a instalação.
"Seu Tarzan" não é nada alheio aos acontecimentos. "Um dos meus filhos me falou tudo sobre essa pandemia. Ele teve muito cuidado comigo. Antes disso, eu passava pelos lugares, via as televisões e parava para ver as coisas, saber das notícias", conta.
Grande família
Tibúrcio não lembra exatamente o dia, mês ou ano em que decidiu deixar o bairro de Ponte dos Carvalhos para morar na ilha. "Faz muito tempo, menina", diz. Exatamente o quando ele não lembra, mas o porquê, sim. Conta que vivia com alguém e as coisas foram ficando ruins. Decidiu se separar. "Não aguentava vê-la passar na mesma rua. Para evitar o encontro, decidi sair de Ponte dos Carvalhos e morar aqui na ilha para não ter perigo."
Questionado se sente falta do antigo estilo de vida, Tarzan solta um "oxi!" e afirma que não. "Sou feliz desse jeito", ressalta. No início, o guardião do mangue ficou nove meses sem sair do local. "Quando eu precisava de alguma coisa, pedia para alguém comprar e trazer para mim".
Diferente do personagem da ficção, Amaro não quer nem está à procura de uma Jane. "Depois do que aconteceu, eu ainda cheguei a morar com outra pessoa aqui na ilha, mas a gente era diferente, acabou e ela foi embora. Mas, agora, não quero ninguém não. Tá bom assim."
Quem escuta esse discurso não imagina o quanto "Seu Tarzan" namorou nessa vida. As viagens a trabalho lhe renderam romances e filhos. Segundo ele, parece que são 25 os rebentos. A reportagem de TAB pergunta se ele tem certeza do cálculo. Sem pensar muito, ele solta: "Eu acho que é mais, mais de 25". Nenhum dos filhos mora com ele, alguns são de outros Estados e há casos em que a paternidade só foi revelada recentemente.
Certa vez, um homem alto, fardado, chegou à ilha procurando por ele. No peito estava escrito "Tibúrcio" — era um dos filhos. A reação de Amaro foi dizer "tá bom". "Foi assim que descobri mais um filho", confessa. Amaro aproveita para dizer que também é avô, mas em uma quantidade bem menor em relação ao quantitativo de "herdeiros".
Muitos são os convites para que "Seu Tarzan" deixe a ilha e passe a morar com um dos filhos, mas ele é firme na decisão de permanecer no local. "Consigo fazer tudo, ainda tenho força. Vivo da minha pescaria, estou construindo minha nova casa e só deixo esse lugar quando Deus me levar."
Por viver em uma área turística, Tibúrcio costuma conversar com os frequentadores para não deixarem tanto lixo perto do rio ou do manguezal. A ilha não tem nome. A prefeitura de Cabo de Santo Agostinho sabe que ele mora lá, mas nunca ninguém pensou em removê-lo.
Papa da comunicação
Antes de ser proclamado o Tarzan pernambucano, Amaro Tibúrcio exerceu o ofício de radialista em uma rádio local. Os tempos de rádio foram os momentos em que ele desfrutou de maior popularidade. "Por onde eu passava, todo mundo me conhecia, abraçava, era aquela coisa", relembra. Ele relata que tinha total liberdade dentro da emissora.
Foi nessa época que recebeu o primeiro apelido: papa da comunicação. A nomeação veio durante a visita do Papa João Paulo 2º ao Recife. Amaro queria entrevistá-lo. "Eu estava falando sobre isso com o pessoal, quando, sem querer, disse que iria entrevistar o Papa da comunicação. O pessoal riu e, a partir desse dia, começaram a me chamar desse jeito." A entrevista mesmo não rolou.
A popularidade conquistada como radialista o fez tentar carreira política. Na década de 1980, concorreu e conquistou uma vaga de vereador do município. Esse foi o período em que conheceu aquela que seria a causadora da mudança para a ilha.
O Tarzan político não durou muito. Decepcionou-se. "A política já vem errada desde o começo do mundo e até hoje ainda é assim. Muita gente não sabe escolher bem nossos representantes. Muitas vezes, a gente vota em uma pessoa achando que ela vai fazer a diferença, mas quando tira a casca, vê a podridão."
Servo de Deus
Diferente do personagem criado nas adaptações para o cinema, Amaro Tibúrcio não vive andando pela ilha ou outros lugares apenas de tanga, muito menos de cabelos longos. Na verdade, teve madeixas bastas, um dia. No entanto, há quase quatro anos ele mudou de estilo e atribui isso ao fato de ter "aceitado Jesus", afirma.
O lado religioso está estampado em várias partes da casa, assim como nas palavras dele. Durante boa parte da conversa, atribui as conquistas a Deus e se apega à religião para seguir seu plano. "A gente sabe que há um grande nessa vida e é Deus, Jesus Cristo, que sabe de tudo."
Amaro costuma frequentar o culto em uma igreja próxima à ilha, onde um amigo é pastor. Ele é cuidadoso na escolha da vestimenta: calça de alfaiataria, camisa social de manga comprida, paletó, gravata e a Bíblia debaixo do braço. Vaidoso, certifica-se que está tudo certo com a roupa escolhida.
O Tarzan pernambucano, aliás, ganhou companhia há pouco tempo. O pastor de sua igreja construiu uma casa na ilha, onde passou a morar com a família. Será que agora chega a luz elétrica?
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