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Paraíso de Narciso: o clima 'cringe' do Museu da Selfie, em São Paulo

Inauguração do Museu do Selfie, no Shopping West Plaza, na Zona Oeste de São Paulo. - Flavio Florido/UOL
Inauguração do Museu do Selfie, no Shopping West Plaza, na Zona Oeste de São Paulo.
Imagem: Flavio Florido/UOL

Mateus Araújo

Do TAB, em São Paulo

10/10/2021 04h01

A Mona Lisa com um celular na mão observava a fila que se formava no corredor do shopping West Plaza, na zona oeste de São Paulo. Na tarde de sábado (9), duas dezenas de pessoas esperavam pela chance de entrar num espaço que brilhava com as luzes de neon. Pelo colorido e a proximidade do Dia das Crianças, na próxima terça-feira (12), algum desavisado pensaria se tratar de um evento infantil.

Pontualmente às 13h, um rapaz magro elevou a voz e começou um breve discurso, agradecendo aos presentes. Chamou atenção de quem passava e de comerciantes vizinhos. Emendou uma contagem regressiva de dez segundos, e, no zero, gritou: "Bem-vindos ao Museu da Selfie!", dando por inaugurado o lugar. Uma salva de palmas quebrou o silêncio do shopping, que começava a ficar movimentado na hora do almoço.

Pessoas aguardam na fila a inauguração do Museu da Selfie, em São Paulo - Flavio Florido/UOL - Flavio Florido/UOL
Pessoas aguardam na fila a inauguração do Museu da Selfie, em São Paulo
Imagem: Flavio Florido/UOL

O museu é anunciado como o primeiro desse tipo no Brasil. Nele há 27 pequenos cenários, um ao lado do outro, distribuídos em dois corredores, em uma infinitude de cores. Há desde trono de realeza a piscina de bolinhas, passando por banheira, pista de dança a uma padaria paulistana. "É um ambiente instagramável", explica Álvaro Parisi, 39, CEO da Experience Station, empresa criadora do projeto. Trata-se, portanto, de um lugar exclusivamente para garantir biscoitos de internet — algo como o paraíso de Narciso.

Tudo no museu foi inspirado em exemplos norte-americanos, como o Selfie WRLD, de Los Angeles, e o Selfie Museum de Miami. "Isso é tendência no mundo. Principalmente nos EUA, onde é uma febre", afirma Parisi. Em quatro dias de divulgação, ele vendeu praticamente todos os ingressos do primeiro final de semana. Os bilhetes variam de R$ 30 (meia-entrada) a R$ 60, com promoção para os dias de semana às 10h.

O museu foi desenvolvido em um mês e meio. Ele será fixo, e a proposta é alternar os cenários ao longo do tempo. "Vamos vendo os que fazem mais sucesso e mudando. Até para as pessoas poderem voltar, fazer fotos em novos cenários." Por causa da pandemia, a visitação tem que ser agendada. Ela dura 1 hora, e nesse período podem entrar até 50 pessoas. Só se tira a máscara dentro do cenário; nos corredores, é mandatório manter o acessório no rosto. O local também tem espaço para festas, que pode ser alugado para aniversários e confraternizações.

Camila Abreu e um monitor do museu ajudam a prima Patrícia Sales a sair da banheira - Flavio Florido/UOL - Flavio Florido/UOL
Camila Abreu e um monitor do museu ajudam a prima Patrícia Sales a sair da banheira
Imagem: Flavio Florido/UOL

'Filma essa humilhação'

Embora tenha sido inaugurado no meio de um feriado prolongado, e às vésperas do Dia das Crianças, um passeio pelo museu confirma a tese levantada recentemente pelo colunista do TAB Michel Alcoforado: selfie é "cringe". A maioria do público nessa abertura era adulta.

É o caso da contadora Camila Abreu, 31. "Eu amo uma publicidade", disse, ao ser abordada pela reportagem. Ela foi acompanhada da prima, a analista Patricia Sales, 41, e de uma amiga, a analista de qualidade Simone Leitão, 52. O trio foi o primeiro a entrar no espaço e se esbaldou.

"Eu e minha prima adoramos fazer fotos. Todo final de semana, a gente procura um lugar para ir e fotografar", contava Abreu, entre o intervalo de uma pose e outra. "Foi ela quem me falou do museu, e viemos." O trio se revezou ao longo dos 27 cenários, com variações de cliques.

"Vai, moço, filma essa humilhação", pedia Sales, rindo, dirigindo-se ao fotógrafo do TAB, enquanto tentava sair da banheira cenográfica cheia de bolas de plástico. A prima e um funcionário do museu ajudaram a mulher.

O estudante de direito Richard Fernandes, 23, é coordenador dos monitores do museu - Flavio Florido/UOL - Flavio Florido/UOL
O estudante de direito Richard Fernandes, 23, é coordenador dos monitores do museu
Imagem: Flavio Florido/UOL

'Para me promover'

"Quer que eu faça a foto de vocês?", oferecia o monitor Richard Fernandes, 23, abordando um casal que fazia pose num cenário com paredes cobertas de flores artificiais. Fernandes é estudante do quinto ano de direito, e sem estágio nem emprego na pandemia, resolveu fazer bico recepcionando e atendendo os visitantes do Museu. "Esse tempo todo trabalhei em escritório, mas agora estou numa fase da faculdade que nem dá para ser estagiário nem dá pra ser advogado. Achei essa oportunidade e gostei. Sou simpático, pró-ativo, então tem a ver comigo."

Até então ele era meio avesso a exposição em redes sociais. "Tenho meu Instagram, mas é bem 'vida privada', é fechado", explica o rapaz, sorridente, com topete e braços tatuados. Com o novo emprego, no entanto, ele já diz rever o comportamento. "Trabalhando, aqui, vou postar mais imagens, até para me promover."

Fernandes coordena o grupo de mais sete jovens monitores. Todos eles receberam treinamento para a função. Além de orientação sobre como atender bem o público, aprenderam a dar dicas das melhores posições para as fotos e, claro, como fazer imagens boas para os visitantes. São eles também que observam se as pessoas estão cumprindo os protocolos anti-covid.

Os amigos Welton Gabriel, 31, e Natalia Fonseca, 26 - Flavio Florido/UOL - Flavio Florido/UOL
Os amigos Welton Gabriel, 31, e Natalia Fonseca, 26
Imagem: Flavio Florido/UOL
Museu da Selfie tem 27 cenários, em dois corredores - Flavio Florido/UOL - Flavio Florido/UOL
Museu da Selfie tem 27 cenários, em dois corredores
Imagem: Flavio Florido/UOL

Entrada do Museu da Selfie, em shopping da Zona Oeste de São Paulo - Flavio Florido/UOL - Flavio Florido/UOL
Entrada do Museu da Selfie, em shopping da Zona Oeste de São Paulo
Imagem: Flavio Florido/UOL

Acervo atualizado

Apesar de ser chamado Museu da Selfie, a experiência ali é mais compartilhada do que individual. Ninguém estava sozinho.

Sentada em um banco, de frente a uma penteadeira, num quadrado completamente rosa, uma mulher segurava o sorriso no rosto enquanto esperava o amigo terminar o clique. "Ficou maravilhosa", comemorou ela, tão logo viu a imagem no monitor da câmera. Os dois eram os únicos visitantes que usavam o equipamento, em vez de celular. Mas não por acaso: Natalia Fonseca, 26, e Welton Gabriel, 31, são estudantes de um curso técnico de fotografia.

"Eu amo foto", disse a moça. "Vim conhecer o museu por isso. Amo foto mesmo sem estar estudando fotografia." Para eles, a visita serviu ainda de aprendizado. "A gente aproveita para experimentar cenários, luzes. Testar", contava Gabriel. "Mas estamos revezando. Fazemos a foto amadora no celular, e também com a câmera."

As opções, aliás, são muitas. Pouco antes de completar 1 hora dentro do Museu, reencontramos Camila, Patricia e Simone. Elas já haviam passado por todos os espaços do museu.

Quantas fotos fizeram? Patrícia não hesita: "Umas 100." Simone foi comprovar. Sacou o celular do bolso e deslizou o dedo na tela, mostrando as dezenas de imagens. São arquivos suficientes para produzirem conteúdo esta semana e por mais meses de "tbt" — postagens retrospectivas em redes sociais, que inundam os perfis todas as quintas-feiras. Depois de checar a quantidade do acervo, ela parecia feliz: "Ô se vai render!", diz.