Preço da carne afeta venda de churrasco grego: 'Hoje cobro R$ 8 no lanche'
Dois cachorros atravessam a rua após serem seduzidos pelo cheiro de comida. Eles se aproximam e observam o corte de uma montanha de carne empilhada em um espeto metálico. O vendedor entrega um pão francês recheado com churrasco grego e vinagrete a um cliente, que o devora enquanto fala ao celular. A clientela de quatro patas permanece vigilante à espera de um pedaço do lanche. Sem sucesso.
Os vira-latas saem com o rabo entre as pernas, mas retornam toda vez que Ivanildo Severino Miguel, 40, abre a porta de vidro para preparar um churrasco grego a fregueses apressados. Ele pensou que a fidelidade conquistada há 14 anos no mesmo ponto, em Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo, iria desmoronar desde que o aumento do preço da carne encareceu seu lanche.
"O lanche que eu vendia por R$ 5, R$ 6, hoje sai por R$ 8. Eu tive que repassar esse custo para o meu cliente", declara Miguel, que veste doma e boné pretos e máscara contra a covid-19.
Para ele, o reajuste no churrasco grego ainda é baixo se comparado ao valor da carne. O vendedor até poderia mexer nos dois copos sucos grátis que acompanham a refeição, mas preferiu manter o "atrativo".
No entanto, Miguel entende a realidade do bairro periférico onde vive. "Ermelino não suporta um preço mais caro do que R$ 8. Para mim teria que ser mais caro, no mínimo R$ 10 em um lanche simples. Mas hoje mesmo chegou mesmo uma mãe de família com quatro crianças para comprar comigo. E aí?", questiona.
A inflação desenfreada no Brasil tornou carnes cerca de 30,8% mais caras em um ano, segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE. Isso sem levar em consideração o preço do pão e tomate para o vinagrete, que também estão mais caros.
Quilo custa R$ 23
Miguel conta que hoje paga R$ 23 no quilo da carne. Há dois anos, não tirava mais do que R$ 13 do bolso. Ele tempera, monta e assa diariamente 10 kg de churrasco grego em uma cozinha a poucos metros dali. Garante que volta para casa à noite com o espeto vazio — na tarde em que conversou com TAB, restava pouco menos da metade da carne.
Ele procura se distanciar do estigma colocado no churrasco grego vendido no centro de São Paulo, geralmente julgado como pouco higiênico. A roupa de chef que usa não é à toa. Miguel manuseia o alimento ora com luva descartável, ora com pegador. O recheio do churrasco é feito com miolo de acém, fraldinha ou capa de filé. Ainda inclui uma grossa camada de linguiça nobre. Não mexeu na qualidade do produto, garante.
Seu carrinho exibe como troféu o termo de permissão para venda na rua concedido pela prefeitura. Mas a gaveta de dinheiro está colada na de pães e vinagrete, tal como é visto no Brás ou na Sé.
O vendedor afirma que seu asseio ajuda a manter a clientela, mas reconhece que o custo da alimentação tem atraído uma base nova de fregueses com menos poder de compra. "Tenho clientes que almoçavam em restaurante e agora vieram comer grego porque a comida está cara."
André de Oliveira Nunes, 40, prefere comer lanche a um prato de arroz e feijão. Ele se decepcionou ao saber que não tinha carne servida na baguete, que custa R$ 12, e se contentou em comer o churrasquinho no tradicional pão de padaria. "Quando venho aqui eu como dois, três, quatro lanches. E trago meu pai, meu irmão", diz.
Ainda que Miguel ouça uma ou outra reclamação sobre os R$ 8, ele não responsabiliza o governo Jair Bolsonaro (sem partido) pelos preços elevados. Mostra-se até esperançoso com uma possível queda no valor pago pelo quilo da carne, uma vez que a China impôs um embargo ao Brasil.
"Estou confiante que vai dar uma diminuída. Parece que a China parou de comprar carne do Brasil, isso vai mexer um pouco na oferta e procura." Especialistas discordam dessa opinião.
'O mais abusivo de todos os tempos'
Já o vendedor de churrasquinho grego Cleudio Pereira, 44, é veemente em sua reclamação. "É um aumento abusivo. O preço mais abusivo de todos os tempos", diz ele, que trabalha há 25 anos no segmento.
Há dois anos, ele montou uma barraca em um ponto estratégico: nas adjacências do Mercado Municipal de São Miguel Paulista, zona leste da capital, cujos açougues o recordam diariamente que o quilo de uma carne de segunda custa mais de R$ 30.
A região é impulsionada pelo comércio. São lojas de roupas e calçados em ruas cortadas por calçadões, povoados por incontáveis barracas de camelôs e vendedores de comidas rápidas. Opções para comprar e comer não faltam.
Entretanto, o interesse dos passantes no churrasco grego de Cleudio estava abaixo das expectativas. "Hoje o dia está mais ou menos, mas melhora na parte da tarde", responde, sem reparar que o relógio já marcava quase 15h.
O vendedor não elevou o preço do seu produto: o churrasquinho com vinagrete e suco grátis sai por R$ 6 desde 2019. "Não posso aumentar mais, senão a venda vai cair muito. O lucro que eu tinha hoje cobre esse aumento."
Naquele pedaço de São Miguel só há ele e mais um vendedor de churrasco grego. Quem olha de fora imagina que essa iguaria das ruas paulistanas perdeu espaço para as barracas de pastel, esfirra e acarajé que rodeiam o comércio. Para Cleudio, porém, a baixa procura é reflexo apenas da pandemia. No bairro, porém, ela já parece ter acabado: porque é mais fácil ver pessoas sem máscara do que aquelas com elas no rosto.
Ele permanece de pé das 8h às 18h e conta com a filha Nicoly, 18, como ajudante para entregar o troco ou uma lata de refrigerante. Na ausência de clientes, Cleudio gira a pilha de carne com a mão para mantê-la aquecida até o fim do dia. Ali não há cachorros para compor plateia.
A receita de seu churrasco grego é um segredo guardado há mais de duas décadas, mas o vendedor entrega que o filete de pimentão verde deixa o lanche bem temperado. Enquanto conversava com a reportagem, ele atendeu apenas um cliente que comeu, pagou os R$ 6 e foi embora em três minutos.
"Vendo cerca de 50 lanches a menos por dia", lamenta.
Ressabiado, Cleudio Pereira não acredita que o preço da carne vai diminuir até o fim do ano. "Estou tentando segurar para ver como vai ser em 2022." Ele teria apenas uma opção: entregar o ponto e procurar um novo lugar para vender seu churrasco grego, possivelmente no Brás, onde a concorrência já é alta.
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