Terceira via e clima de festa: congresso do MBL reúne jovens liberais em SP
Quatro coisas fizeram sucesso no 6º Congresso Nacional do MBL (Movimento Brasil Livre) no último sábado (20), na zona leste de São Paulo: a frase "Nem Lula & Nem Bolsonaro", estampada em todas as superfícies possíveis e repetida à exaustão pelos palestrantes; cigarros eletrônicos, cujo vapor espesso disputava espaço aéreo com a fumaça da barraca de churrasco; o chope artesanal; e Sergio Moro, apontado ali como o grande nome da chamada terceira via para disputar as eleições presidenciais em 2022.
O segundo dia do evento tinha clima de descontração e, bem no meio da área externa, contava com um Paulo Guedes de papelão que passou por todo tipo de flagelo no decorrer do encontro.
A parte lúdica ficou por conta da simulação de uma sessão da Câmara dos Deputados e de aulas ministradas por membros e simpatizantes do MBL — todas aconteceram dentro de um vagão de trem desativado. Coincidência ou não, uma das principais mesas do dia foi batizada de "Locomotiva do Brasil", liderada pelo deputado estadual Arthur do Val (Patriota).
O público incluía desde jovens recém-chegados à adolescência, ostentando bochechas rosadas e acne hormonal, a adultos com fartas cabeleiras brancas.
Liberal na medida certa
"Só vim por causa do Moro", confessou L.A., 17 anos, usando uma camiseta com os dizeres "Mito é o caralho! Eu quero Fora Bolsonaro". "Acredito muito na possibilidade de uma terceira via, e acho que a nova política virá dos jovens", disse.
Adepto do liberalismo, L.A. se diz decepcionado com Bolsonaro, especialmente por não ter cumprido a promessa de renovação política. "No final das contas ele é parte do velho 'toma lá, da cá'."
Quando perguntado pelo TAB se é entusiasta do anarco-capitalismo, seu amigo B.F., 16, interveio. "Não, ancap não, né?", disse, rindo. "Ser ancap é tipo ser monarquista. São conceitos interessantes, mas completamente fora da realidade. Tipo ser esquerdista."
De terno e gravata, B.F. compareceu no melhor estilo social para tirar foto com Moro. No dia anterior, conseguiu fazer um retrato com João Doria, governador de São Paulo. "Ele foi muito gente boa", contou. "Agradeci a ele pela vacina."
A linguagem acessível com que o MBL explica conceitos do liberalismo bastou para que B.F. começasse a se politizar aos 12 anos. "É importante que isso aconteça mais cedo, porque evita que você vire massa de manobra", alegou.
'Fiscal de c*'
Não são apenas os adolescentes que estão desiludidos com as promessas políticas de Jair Bolsonaro. Depois de dar seu apoio, brigar com familiares e correr risco de "queimar o filme" graças a seu posicionamento político, o dublador Ian Luz, 28, desistiu de acreditar no chefe do Executivo logo no primeiro ano de mandato.
Como dublador, Luz empresta sua voz a séries e estreias cinematográficas, mas seu formato predileto são os animes. Atualmente, interpreta o Corvo Kasugai em "Demon Slayer".
Para ele, o motivo pelo qual tantos jovens se sentem atraídos pela proposta do MBL é a presença massiva na internet, com domínio da linguagem das redes sociais — e também por um certo sentimento de rebeldia. "Bolsonaro cresceu muito com esse discurso antiestablishment, mas se mostrou parte dele", explicou. "O MBL, pelo menos, é mais honesto em dizer como a política funciona de verdade, sem extremismos."
Ao seu lado, o sorocabano Arthur Krauss, 26, analista de comércio, diz compactuar com as ideias do MBL, especialmente em relação ao conservadorismo. "O conservadorismo clássico foi assaltado pelo bolsonarismo", criticou.
"Hoje em dia ser conservador virou ser fiscal de cu, e não é isso. Acredito muito mais no reformismo, na capacidade de criar mudanças sem romper com as estruturas", afirmou.
Fenômenos raros
No evento, a proporção de homens era maior que a de mulheres. Não se tratava de uma diferença obscena, mas o suficiente para causar um fenômeno raríssimo: filas na porta do banheiro masculino, enquanto o feminino ficou ocupado por pouco tempo ao longo do dia.
"Já foi muito solitário ser mulher no MBL", conta Elizabet Gonçalves, 27, farmacêutica, "mas o número de mulheres aumentou muito nos últimos três anos". Tirando uma selfie antes de ser abordada pelo TAB, Gonçalves coordenou em tons de rosa-bebê a camiseta do MBL, a capa do smartphone e o casaco.
Acompanhada por um grupo de amigos do Paraná, Jessica Rosa, 27, também enxerga um crescimento de mulheres no grupo, ainda que poucas tenham subido ao palco principal do congresso. "Mas o pessoal de fora fica meio surpreso quando descobre que tem mulher no MBL", disse.
Com Sergio Moro, Rosa não parece satisfeita. "Gostaria que ele se engajasse no Judiciário, seria mais interessante", resumiu, ao falar do candidato apoiado no evento. Sua terceira via dos sonhos? "Com certeza seria o João Amôedo."
No banheiro feminino, duas adolescentes retocavam a maquiagem antes de voltar para o evento. Mais tarde, assistindo à última mesa da noite, as duas conversavam sobre potenciais ficantes.
"Esse aí não, você merece melhor", respondeu uma delas, após ver uma selfie da amiga com um jovem do movimento.
Política regional
"Cara, é muito doido. O ingresso para os dois dias custa mais de R$ 200 e mesmo assim tem muito moleque por aqui ", comentou T., 17, na fila para uma palestra no meio da tarde. Grande entusiasta do movimento, disse gostar das ideias liberais do MBL, em especial da proposta de "desinchar" o Estado brasileiro.
No entanto, T. estava ali sem o apoio da mãe. "Ela odeia o MBL", revelou. "Por isso é legal ver mãe e filho juntos em um evento desse", afirmou, apontando na direção de Luciane, 49, e Lucas Teixeira, 24, vindos de Guaraqueçaba, cidade litorânea do Paraná.
De forma indireta, o MBL foi responsável pela eleição de Luciane para uma das nove cadeiras da Câmara de Vereadores do município, que tem 7.500 habitantes. A campanha investiu forte nas redes sociais, com uma estratégia toda pensada por Lucas, seguindo os moldes da atuação digital do movimento político.
Atualmente, a vereadora do PSD diz atuar como oposição solitária ao prefeito, eleito pelo PSC. "Fazer política sempre foi meu grande sonho, desde pequena", relembrou. Algumas de suas principais bandeiras, contou, são reduzir ao máximo possível a dependência da população em relação ao Estado, estimular o empreendedorismo e "acabar com os privilégios" do funcionalismo público.
Pausa para o merchan
Ao longo do dia, o número de pessoas circulando com a sacolinha preta da loja do MBL aumentava gradativamente. Por lá, era possível comprar camisetas com dizeres "Nem Lula, Nem Bolsonaro" (sem dúvida, o maior hit), canecas, um boné azul ao estilo "Make America Great Again" e um surpreendente caderno com a foto de Arthur do Val na capa, ao lado do lema do brasão da cidade de São Paulo — "Non ducor, duco", que pode ser traduzido como "Não sou conduzido, conduzo".
"Engraçado você perguntar do caderno, ninguém comprou", comentou um vendedor da loja. A popularidade do político, no entanto, é inversa à baixa de vendas dos cadernos: grande parte dos jovens entrevistados disseram ter tido contato com o MBL através do canal "Mamãe Falei" no YouTube, criado por Do Val.
Mais cedo, quem coordenava a loja era Giza Castro, 36, professora de inglês e integrante do colegiado nacional do MBL. Para a militante de Nova Iguaçu (RJ), o mais atraente no movimento é o foco na educação dos membros.
De fato, um número considerável de participantes relatou ter feito pelo menos um tipo de curso ou atividade oferecidos pelo grupo. No evento, o deputado federal Kim Kataguiri (DEM - SP) realizou uma sessão de autógrafos de seu livro que ensina a arte de debater.
"O MBL, por ter sido criado por gente jovem, sabe exatamente o que fazer. Tem a pegada da rua, dos memes, e essa parte educacional", resumiu Castro.
'Lollapalooza liberal'
Para o evento final, Sergio Moro foi recebido como um rockstar, ovacionado assim que entrou no palco. Com sua voz característica, gerou um comentário discreto de um jovem na plateia. "A voz dele falha mesmo, né?"
Composta de fãs da Operação Lava-Jato, que tirou do anonimato então juiz federal, a plateia permaneceu animada até o fim. Toda menção a seu trabalho como magistrado foi prontamente aplaudida, assim como todas as respostas que deu às perguntas amigáveis feitas pelo mediador, o comediante Danilo Gentili.
Após uma aparição surpresa do youtuber Nando Moura, o possível candidato à presidência pelo Podemos saiu rapidamente pelos fundos do evento, decepcionando alguns adolescentes, como B.F. e seu terno bem-cortado, por não conseguirem tirar uma foto com o ex-juiz.
Encerrando o papo político, um dos organizadores pediu para que a plateia ficasse para curtir a "after party" do Congresso. Com o anúncio, parte dos adolescentes e das famílias encerraram as atividades. Já o Paulo Guedes de papelão seguiu em pé, ainda que todo rabiscado. "Servo do centrão", escreveu um ex-entusiasta do ministro da Economia, ao lado do desenho de um pênis.
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