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Porto Alegre derrete sob calor de 40°C, e pessoas trocam o dia pela noite

Orla do Lago Guaíba, em Porto Alegre, na tarde de sexta-feira (14), dia em que os termômetros marcaram 39°C - Luciano Nagel/UOL
Orla do Lago Guaíba, em Porto Alegre, na tarde de sexta-feira (14), dia em que os termômetros marcaram 39°C Imagem: Luciano Nagel/UOL

Luciano Nagel

Colaboração para o TAB, de Porto Alegre

21/01/2022 04h01

Depois da forte chuva do último domingo (16), muitos porto-alegrenses pensaram que a onda de calor iria dar uma trégua. Equívoco grande. O mormaço voltou com tudo. Na terça-feira (18), alguns termômetros chegaram a registrar 40ºC. Não à toa, tem muita gente decidindo trabalhar ou sair de casa só depois das 18h, caso não chova.

Para a advogada e ciclista Elisandra Marchezan, 49, pedalar durante o dia nessa época do ano é inviável. Ela prefere andar de bicicleta na orla do Guaíba sempre à noite, devido à brisa fresca que mantém as temperaturas mais amenas.

Por volta das 20h, o termômetro digital à beira do lago marcava 27ºC e havia uma grande quantidade de pessoas circulando pelo calçadão e ciclovia. Algumas tomavam sorvete; outras preferiam se refrescar bebendo água, como é o caso de Elisandra, que parou por alguns minutos para descansar após pedalar 16 km.

O bancário Pedro Ermida Cruz e seu cão Catraca, em Porto Alegre - Luciano Nagel/UOL - Luciano Nagel/UOL
O bancário Pedro Ermida Cruz e seu cão Catraca, em Porto Alegre
Imagem: Luciano Nagel/UOL

A ciclista contou que costuma andar de bicicleta, em média, 1h30min diariamente e que se tornou adepta da prática esportiva durante o período da pandemia. "Precisava fazer algo, me movimentar", afirmou a advogada.

Não muito distante dali, perto dos bares à beira do lago, caminhava com tranquilidade o bancário Pedro Ermida Cruz, 35. Usando máscara, vestindo camiseta, calção e chinelos de dedo, Pedro andava com Catraca, vira-lata de três anos de idade. "Caminho com o Catraca 8 km por dia pela na nova orla do Guaíba. Ele adora passear e saio com ele todas as noites, assim ele não queima as patinhas por causa do calor no chão", comentou.

Na semana passada, quando as temperaturas ultrapassaram os 40ºC em Porto Alegre, Pedro levou o mascote para se banhar no Guaíba. "Ele é o que mais sofre no calor e quando pode, adora tomar um banho e nadar."

A artista plástica Mariane Oliveira, 36, caminha na orla do Lago Guaíba, próximo a Usina do Gasômetro, no centro histórico de Porto Alegre - Luciano Nagel/UOL - Luciano Nagel/UOL
A artista plástica Mariane Oliveira, 36, caminha na orla do Guaíba, próximo a Usina do Gasômetro, no centro histórico de Porto Alegre
Imagem: Luciano Nagel/UOL

Quem não tem escolha

A onda de calor na região Sul do Brasil não cessa há quase 10 dias e elevou a temperatura mais de 15ºC acima da média para essa época do ano. Nos pampas, a estiagem já cobra seu preço: houve queda na produção da soja e outros produtos agrícolas.

Desde quinta-feira passada (13), as temperaturas dos termômetros espalhados pela capital gaúcha, durante o dia, não descem para menos de 35ºC; Às 16h, marcavam entre 37 e 39°C, não menos do que isso, mas a sensação térmica na rua era de 45ºC. Mesmo sob sol forte, sem nenhuma nuvem cobrindo o céu, lá estava ela, sorridente. A estátua de Elis Regina não reclamou do calor, nem do abafamento. Mas era a única.

Naquela tarde, a escultura, que fica às margens do Guaíba, não sorria para quase ninguém. Durante a semana mais quente do Sul do Brasil em 2022, poucos se atreveram a sair para uma corrida ou uma pedalada.

A professora de inglês Júlia Kellerman de Moares, 31, desafiou o sol e foi andar. Usando máscara, disse que resolveu sair para dar uma caminhada pois estava, naquele momento, no meio de uma crise de ansiedade. Apesar do alívio de sair um pouco de casa, na rua a sensação era quase claustrofóbica.

"O calor é bem desagradável aqui em Porto Alegre. Há poucos dias eu estava em Salvador e lá o calor é diferente, tem uma brisa e tu não sofres tanto, não tem esse mormaço terrível que há aqui", explicou Júlia, coberta de protetor solar 70 no rosto e 30 nos braços e pernas.

No atropelo — senão não teria coragem —, Júlia disse que saiu de casa sem pegar uma garrafa de água. "Preferi sair com os braços livres, sem carregar nada", comentou a catarinense que vive no Rio Grande do Sul há muitos anos.

Também caminhava pela orla do Guaíba, tomando uma água de coco, a artista plástica Mariane Oliveira, 36. De pele clara e usando óculos de sol, a gaúcha afirmou não temer as altas temperaturas, pois adora o calor e caminhar às margens do lago.

Com o aumento das temperaturas, pipocam vendedores de água nos semáforos das principais ruas e avenidas da capital. Uma família de quatro pessoas — mãe e seus dois filhos, além da irmã — oferece garrafas de 500 ml a R$ 3 no cruzamento das avenidas Assis Brasil com Sertório, na zona norte de Porto Alegre.

Tassiara Freitas Santos e sua irmã, Évelin Nascente, vendem água na Av. Assis Brasil, na zona norte de Porto Alegre - Luciano Nagel/UOL - Luciano Nagel/UOL
Tassiara Freitas Santos e sua irmã, Évelin Nascente, vendem água na Av. Assis Brasil
Imagem: Luciano Nagel/UOL

Transpirando intensamente, Tassiara Freitas Santos, 31, dizia, aos gritos: "Olha a água, olha a água. Água mineral com e sem gás". Desempregada, Tassiara sai de Porto Seco, também na zona norte da capital gaúcha, e fica ao lado do semáforo das 10h às 18h, de segunda a sábado.

Entre uma venda e outra, mãe, filhos e irmã param para descansar sob a sombra de uma árvore, no canteiro da avenida. Ali tomam água, se refrescam, comem uva e maçã guardadas num isopor com gelo e repassam novamente pelo corpo e rosto o protetor solar para evitar queimaduras. "Apesar de termos a pele escura, isso não significa que não nos queimamos. Temos que nos proteger desse sol forte", comentou a mãe, que vende em média 200 garrafas de água por dia.

Os dois filhos menores, de 13 e 15 anos, estão de férias escolares. Na sexta-feira (14) trabalharam o dia todo. Tassiara contou orgulhosa que os meninos estão estudando e indo bem na escola, e agora aproveitam o período de férias para tirar uns "trocados" e ajudar na renda familiar. Refresco de uns, suor de outros.