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Como são as quintas-feiras 'só para mulheres' numa sauna de SP

As amigas de longa data Regina Dutra, Alaíde Costa, Cássia Pereira Piccinini e Isabel Rocha Mallagutti no salão principal da sauna Termas Chuí  - Duda Gulman/UOL
As amigas de longa data Regina Dutra, Alaíde Costa, Cássia Pereira Piccinini e Isabel Rocha Mallagutti no salão principal da sauna Termas Chuí
Imagem: Duda Gulman/UOL

Adriana Del Ré

Colaboração para o TAB, de São Paulo

05/02/2022 04h01

Era uma tarde quente de quinta-feira, dia da semana dedicado exclusivamente ao público feminino na Termas Chuí. Sob o slogan de "sauna familiar", a casa funciona na região da Pompeia, em São Paulo, desde 1963.

Da entrada, podia-se ouvir um forte burburinho vindo de dentro. À medida que se avançava por um corredor, o volume das vozes ficava ainda mais alto. O rastro sonoro, então, conduzia até o salão principal.

Ali, um grupo grande de amigas, com idades entre 50 e 80 e poucos anos, se dividia em duas mesas, enquanto outras frequentadoras optaram por se deitar em espreguiçadeiras, de olho na TV, parecendo alheias àquela entusiasmada turma. Mas não tinha jeito: o som ambiente dominante eram as conversas paralelas e as risadas soltas.

Algumas de pé gesticulavam para outras; outras já estavam sentadas à mesa, usando os mais diferentes figurinos: havia quem ainda vestisse roupas ou estivesse coberta apenas por toalha ou ainda com roupão personalizado.

A maioria se mantinha desconectada do mundo externo, com seus celulares devidamente cerrados dentro dos armários. "Se alguém precisar falar comigo com urgência, liga para a recepção", comentou uma delas.

Seria aquele um chá da tarde em plena sauna? Que nada. Enquanto esperavam outras amigas chegarem, as mulheres já estavam envolvidas na confraternização regada a cerveja e petiscos que saíam da cozinha na hora. Aliás, elas brincam que quem é novata na casa e toma cerveja logo é incorporada ao "clube da Luluzinha", como elas se definem.

"Aqui elas fazem discriminação. Demorei um ano para entrar para a turma, porque não bebo cerveja. Aí eu trouxe minha amiga que, no primeiro dia, tomou cerveja e já entrou pra turma", reclamou, brincando, a bancária aposentada Maisa Ferreira Barros, 58. A informação foi prontamente confirmada pelas amigas.

Alaíde Costa e Efigenia Pedroso Grejo: amizade construída na Termas Chuí ultrapassa os portões - Duda Gulman/UOL - Duda Gulman/UOL
Alaíde Costa e Efigenia Pedroso Grejo: amizade construída na Termas Chuí ultrapassa os portões
Imagem: Duda Gulman/UOL

Fãs de décadas

A maioria delas é cliente antiga, com 20, 30, 40 anos de casa. Algumas estrearam no mundo da sauna levadas por uma colega, e foram ficando e estabelecendo relação com as demais, como é o caso da advogada e historiadora Elizete Barbosa, 56, e da funcionária pública Efigenia Pedroso Grejo, de 67. Maria Emília Santos Pina, 73, e Martha Carneiro de Souza, 65, deixaram de ser funcionárias da sauna quando se aposentaram e viraram clientes assíduas dali.

Desse grupo, a cantora Alaíde Costa, 86, carinhosamente chamada de Lalá, é uma das frequentadoras mais longevas. Começou indo logo no início das atividades da sauna, parou durante um período, retornou em 1986 e nunca mais abandonou uma de suas rotinas preferidas. Alaíde só não consegue ir quando tem show no dia. E com dor no coração.

Para a cantora, uma das maiores do país e que vive uma maratona de lançamentos e shows, as quintas na Chuí são sagradas. Segundo elas, só casos extremos as impedem de bater ponto na casa, como problemas de saúde e morte na família. "No dia em que não venho, tenho depressão", afirmou a bancária Regina Dutra, 53.

Mais do que momentos dedicados a saúde, estética e relaxamento, as quintas-feiras na Chuí são uma espécie de terapia em grupo. Os problemas são jogados na roda e todas opinam. "A gente não pega leve, tem arranca-rabo", revelou Regina. "Cada uma tem uma visão da situação, então é uma discussão mesmo." Mas, no final, todas se entendem, elas garantem.

A funcionária pública aposentada Isabel Rocha Malagutti, 82, por exemplo, encontrou um ponto de apoio ali depois que o marido morreu. "Vinha muito triste pra cá, não tinha força pra nada, mas senti o acolhimento. Você sente um certo conforto, porque não está sozinha naquele momento, tem as amigas", comentou.

Duas mortes na família de Efigenia também a abalaram profundamente. E assim como Isabel, ela encontrou conforto nos braços e nas palavras das amigas. "Perdi meu pai com mais de 90 anos, muitas delas conheciam ele. Ele era um ser especial. Minha irmã teve um AVC violento, elas também a conheciam." Com um filho de 20 anos internado por dependência de drogas, Regina conta sempre com o suporte do grupo. "A saúde não é só física, é mental, porque a gente troca experiências, e é também espiritual, porque cada uma tem sua religião."

Subsolo da Termas Chuí concentra espaço com saunas, piscina com hidromassagem, cascata massageadora e ducha - Duda Gulman/UOL - Duda Gulman/UOL
Subsolo da Termas Chuí concentra espaço com saunas, piscina com hidromassagem, cascata massageadora e ducha
Imagem: Duda Gulman/UOL
Martha Carneiro de Souza (sentada) e Regina Dutra conversam antes de descerem à sauna da Termas Chuí - Duda Gulman/UOL - Duda Gulman/UOL
Martha Carneiro de Souza (sentada) e Regina Dutra conversam antes de descerem à sauna da Termas Chuí
Imagem: Duda Gulman/UOL

Sem política

Nas rodas de conversa, praticamente não há assuntos-tabu. Elas conversam de tudo. A funcionária pública Vânia Soares do Carmo, 50, fez uma ressalva: "A gente só não fala de política aqui".

Mas temas como sexo estão liberados. "Eu e a Lalá somos as 'purinhas' da turma", gracejou a aposentada Clélia Alves de Souza, 74, arrancando risadas gerais. "Tudo santa do pau oco", devolveu Alaíde na sequência. Mais gargalhadas.

Essa relação de amizade entre elas ultrapassa os portões da Chuí. Uma das mais extrovertidas da turma, Efigenia costuma liderar a organização de viagens e reuniões. Também é a responsável pelos encontros de dois grupos de amigas pelos quais ela transita: a da própria sauna e o do Clube Palmeiras.

Nos últimos tempos, o grupo lamentou algumas baixas após a morte de amigas. "Nenhuma por covid", afirmaram. A pandemia, aliás, foi o único momento, nesses anos todos, em que elas se viram separadas umas das outras. Tentaram amenizar o período difícil mantendo contato via WhatsApp. Com a vacinação e a flexibilização do isolamento, foram retornando aos poucos à sauna - e à convivência em grupo.

Para muitas delas, esse momento da socialização acaba ocupando a maior parte do tempo em que permanecem na Chuí, e a sauna em si fica como coadjuvante. Isso porque elas têm liberdade de ficar em que ambiente quiserem. Enquanto algumas continuam bebendo e batendo papo no térreo, outras descem ao subsolo, onde há as saunas secas e a vapor, piscina, área de massagem, duchas e espreguiçadeiras.

O local fica aberto a semana toda. Às quintas-feiras, funciona das 14h às 22h. Tempos atrás, dois dias da semana eram reservados ao público feminino, terças e quintas-feiras; e os demais dias eram frequentados por homens. Segundo a proprietária Noemi Lobo, a razão para isso é que a frequência do público feminino é menor — quadro que ela quer mudar.

Clélia Alves de Souza, Vânia Soares do Carmo (centro) e Alaíde Costa: entre risadas e rodadas de cerveja - Duda Gulman/UOL - Duda Gulman/UOL
Clélia Alves de Souza, Vânia Soares do Carmo (centro) e Alaíde Costa: entre risadas e rodadas de cerveja na Termas Chuí
Imagem: Duda Gulman/UOL

"Os homens parecem que têm mais turmas", observou. "A mulher vira avó e vai cuidar do neto, outra trabalha e depois tem que cuidar do marido, mas o marido sempre dá um jeito de vir na sauna. As mulheres não conseguem pegar um dia para elas. O homem já não tem isso. Elas precisam dar um tempo pra si mesmas."

A Chuí é um negócio de família. Era do sogro de Noemi e foi herdada por seu marido. Antes da pandemia, a casa recebia uma média de 50 mulheres às quintas — às vezes, mais de 60; agora, são de 30 a 35 clientes. "Estou tentando retornar ao que era antes", diz Noemi, que também quer atrair um público mais jovem. Sua filha, a advogada Juliana Lobo, 37, é a caçula entre as frequentadoras do local.

Noemi Lobo, proprietária da sauna Termas Chuí, tem planos de atrair mais clientes mulheres e também o público jovem - Duda Gulman/UOL - Duda Gulman/UOL
Noemi Lobo, proprietária da sauna Termas Chuí, tem planos de atrair mais clientes mulheres e também o público jovem
Imagem: Duda Gulman/UOL

Enquanto isso, o grupo das velhas amigas se apega a essas quintas-feiras como ouro. Martha resumiu em uma frase o que foi possível observar durante algumas horas naquela tarde de quinta: "Aqui sempre foi uma família".