Topo

'É uma obra de arte': ovos de chocolate de mais de R$ 200 bombam na Páscoa

Produção de ovo de páscoa na confeitaria Hanami - Duda Gulman/UOL
Produção de ovo de páscoa na confeitaria Hanami
Imagem: Duda Gulman/UOL

Do TAB, em São Paulo

16/04/2022 04h01

Um ovo de Páscoa dourado, de 12 quilos de chocolate belga e decorado com delicadas flores, custa a bagatela de quase R$ 6 mil. O doce assinado pela confeiteira Isabella Suplicy, boleira de celebridades e abastados, virou assunto nas redes sociais e troca de farpas até entre colunistas de jornal. "Alguém compra isso?" era a pergunta naturalmente repetida.

"Compra, sim. Muitas pessoas se importam com a beleza, porque é uma obra de arte. Nossos clientes são clientes fiéis, que gostam de chocolate, conhecem nossos produtos, compram todos os anos", respondia ao TAB a funcionária de uma outra oficina de chocolate, também de luxo, com lojas nos principais shoppings de São Paulo. Onde ela trabalha, há ovos por mais de R$ 700.

Preparados em menor quantidade, com receitas e sabores diferentes (ou, por vezes, bem parecidos aos mais comerciais), os ovos artesanais viraram uma tendência de sobremesas refinadas que ganham anda mais espaços em tempos de culinária instagramável. "O pessoal ama fazer foto desses", apontava a mulher para a vitrine com ovos nas cores laranja e vermelho, que mais pareciam peças decorativas de cerâmica.

A chef Renata Arassiro, que tem uma loja de chocolates artesanais com seu nome - Keiny Andrade/Folhapress - Keiny Andrade/Folhapress
A chef Renata Arassiro, que tem uma loja de chocolates artesanais com seu nome
Imagem: Keiny Andrade/Folhapress

Obra de arte

As prateleiras quase vazias são a primeira coisa que a chef Renata Arassiro, 52, mostrou à reportagem, assim que saiu da cozinha e entrou no salão principal da sua loja de doces, numa casa grande no Campo Belo, bairro da zona sul de São Paulo. "Estavam todas cheias. O que estamos fazendo lá dentro agora são produtos de encomenda", explica.

Não se trata de promoção ou queima de estoque. Pelo contrário. A maioria das etiquetas marca preços com mais de três dígitos, porque os ovos de chocolate assinados por ela são uma grife da doçaria paulistana, vendidos principalmente a clientes de classe média e classe média-alta, à procura de sabores exclusivos e de requinte.

Uma das mais premiadas mestres chocolateiras do país, Arassiro produz ovos e bombons variados. "Não é apenas um produto para você comer. É para admirar também", conta, mostrando um ovo escultural em formato de ninho, com um buraco em uma de suas extremidades, recheado de bombons e decorado com frutas secas.

Depois de quase dois meses de produção intensa para a Páscoa, na última quinta-feira (14), às vésperas do feriado, a chef se mostrava satisfeita com o resultado de mais um ano de vendas. "O suficiente para cobrir o budget [orçamento]", afirma. O lucro de abril mantém a produção até dezembro. Foram quase 500 quilos de chocolate vendidos.

Renata Arassiro na cozinha, finalizando um dos ovos de Páscoa - Mateus Araújo/UOL - Mateus Araújo/UOL
Renata Arassiro na cozinha, finalizando um dos ovos de Páscoa de 2022
Imagem: Mateus Araújo/UOL

Cascas artesanais

Uma casca de chocolate ao leite, francês, com 41% de cacau, recheada com mais chocolate, biscoito e um crocante de mel com avelãs, envolve uma surpresa só revelada quando finalmente o ovo se quebra: por dentro, há abelhinhas e favos de mel feitos com chocolate. É a nova criação de Arassiro, o Ovo Bee Positive — como ela o batizou. Eleito um dos melhores do ano por uma revista nacional, o doce sai ao preço de R$ 237. Só havia um na estante.

"Esse é o melhor, né?", perguntava uma jovem cliente, na dúvida entre aquele e outro. "Ele é menos doce. Tem mais cacau. Eu gosto", respondia Arassiro. Seu público é majoritariamente adulto. Naquela manhã, pelo menos três mulheres e um homem entraram na loja para comprar. "Fizemos versões para criança, em chocolate ao leite, e temos também bombons, a linha 'egg' [que são coloridos, simulando ovos de galinha] e os pintinhos." São os mais baratos, a partir de R$ 20.

Por gostar de chocolate, aliás, a chef largou a carreira de engenheira têxtil, em 1999, para estudar gastronomia e abriu a loja em 2008. "A matéria-prima e a criatividade na mistura dos sabores e da criação do produto são os diferenciais", garante. Por causa disso, acrescenta, as sobremesas são caras. "Mas são um preço médio. Há mais caros."

Numa cozinha nos fundos da loja, Renata Arassiro e um assistente preparam todos os doces. "Tem meu dedo em todas as etapas de produção. É realmente artesanal, feito com cuidado e amor", explica. Na sala pequena, os dois organizam todas as etapas de preparação dos chocolates e finalização das peças. Em outro cômodo, são feitas as embalagens. "Nós usamos embalagens que deixam à mostra os ovos. Simples e bonitas. Outros usam embalagens mais trabalhadas, fechadas, que tiram o brilho dos ovos e deixam eles mais caros."

Chef Cesar Yukio produz ovos de páscoa de grife em sua confeitaria Hanami - Duda Gulman/UOL - Duda Gulman/UOL
Chef Cesar Yukio produz ovos de páscoa de grife em sua confeitaria Hanami
Imagem: Duda Gulman/UOL

Grife à mesa

Além dos ingredientes de qualidade, o que distingue os ovos é o brilho das cascas e a crocância. Reluzir é a primeira prova de que o processo de preparação foi feito em temperatura correta e que as formas usadas eram de material adequado.

Desde a quarta-feira de cinzas, o chef Cesar Yukio, 38, e quatro funcionários (dois temporários) se apertavam em uma cozinha provisória, no Tatuapé, para a produção da linha de sobremesas de Páscoa de 2022. Atentos, sempre, a cada detalhe. "É tão pequeno que quase não cabem duas pessoas", brincava ele. Por causa do aumento de demandas no período de maior venda para o confeiteiro, foi preciso alugar espaço extra no mesmo bairro onde ele abriu, em 2019, a própria loja.

Os ovos vendidos na confeitaria são feitos num processo quase coreografado de derreter chocolate, manipular a temperatura, moldá-lo e recheá-lo. Mas com um jeitinho particular: as receitas levam especiarias da culinária nipônica, como pasta de soja, chá verde e uma fruta cítrica chamada yuzu.

"Dá para considerar uma grife", resume, enquanto espalhava e remexia sobre uma mesa de mármore a calda brilhosa de chocolate francês (cujo quilo custa R$ 250), antes de jogá-la em uma forma translúcida de policarbonato. "Esse é o segredo para recriar os cristais que o chocolate perdeu ao derreter. Esses cristais dão o brilho e a crocância."

Os ovos de Páscoa assinados por Yukio custam de R$ 89 a R$ 280. O preço alto, justifica, tem a ver com os ingredientes importados, de alta qualidade, alguns até raros. Mas tem a ver também com o refinamento da feitura e da finalização. Há produtos decorados, por exemplo, com flor de cerejeira (sakura) e com folhas de ouro 24 quilates.

Yukio cresceu acompanhando o avô na cozinha do restaurante dele, na Vila Carrão, onde vendiam sushi. "Ele morreu quando eu tinha 6 anos. Ninguém quis continuar com o restaurante", lembra. Em casa, aprendeu a cozinhar com a mãe, quando se interessou pela verdadeira paixão na gastronomia, as sobremesas.

Assim que se formou, em 2012, o chef começou a fazer doces norte-americanos, pegando carona no sucesso de confeitarias gringas que infestavam São Paulo. Em 2016, porém, durante uma viagem ao Japão, ele decidiu mudar. "O Brasil gosta muito de comida japonesa. E eu lembrava que quase nunca encontrava sobremesas em restaurantes japonês. Por isso, percebi que havia um nicho a ser ocupado", conta.

Cesar Yukio recheia o ovo com creme de melão - Duda Gulman/UOL - Duda Gulman/UOL
Cesar Yukio recheia o ovo com creme de melão
Imagem: Duda Gulman/UOL
Chef mostra o resultado final do ovo - Duda Gulman/UOL - Duda Gulman/UOL
Chef mostra o resultado final do ovo
Imagem: Duda Gulman/UOL

Público-alvo

A clientela do Cesar Yukio tem endereço e conta bancária bem semelhantes. "Não chega a ser AAA, mas [são pessoas] da classe A para cima", explicava. "E nossas sobremesas são vendidas principalmente para os bairros onde há maior concentração de asiáticos: Saúde, Vila Carrão, Vila Madalena, Pinheiros e Jardins."

A confeitaria de Cesar fica em uma das ruas mais movimentadas do Tatuapé. No térreo do prédio, há loja e cafeteria. Nos fundos, uma cozinha industrial e, no primeiro andar, duas salas e um corredor abarrotado de produtos. Um cheiro sedutor se espalha por absolutamente todos os cômodos.

No início da semana, um cliente antigo de Cesar foi buscar 27 ovos de Páscoa. "Ele é presidente de uma associação de empresas japonesas. Acho que vai dar os ovos aos diretores dessas empresas", comentava.

Em 2022, Yukio ainda não chegou a uma tonelada de chocolate produzido para a Páscoa, marca que ele passou nos dois anos anteriores. Na contramão de boa parte de comércios da alimentação, sobretudo dos bares e restaurantes, a confeitaria ajudou no lucro. "Eu preferia que estivesse tudo fechado", brinca. "Com a pandemia, as lojas de chocolate fecharam. E a gente, que já tinha serviço de delivery e apostou nas redes sociais, vendeu muito. Agora, com as lojas abertas, as vendas diminuem mais no valor final."