Topo

'Só vim por ele': sem animação, 1º de Maio com Lula junta público enxuto

Lula em ato do Dia do Trabalhador convocado pelas centrais sindicais na praça Charles Miller, no domingo (1) - André Porto/UOL
Lula em ato do Dia do Trabalhador convocado pelas centrais sindicais na praça Charles Miller, no domingo (1)
Imagem: André Porto/UOL

Marie Declercq

Do TAB, em São Paulo

01/05/2022 19h31

Foi necessária certa força de vontade para permanecer no evento que celebrou o Dia do Trabalhador neste domingo (1) na Praça Charles Miller, no Pacaembu, região central de São Paulo.

Cercada pela cordilheira de casarões e prédios de alto padrão, a praça foi tomada pelo sol impiedoso desde o começo do dia e que seguiu forte, sem trégua. Foi quase uma prova de resistência para os que vieram com a intenção de assistir ao discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ponto alto atrasou três horas para garantir que o local estivesse mais cheio para o show de Daniela Mercury, uma das atrações confirmadas.

O evento de 1º de Maio é tradicionalmente organizado pelas centrais sindicais brasileiras, mas em 2022 ganhou um significado a mais pela proximidade das eleições. Além disso, a ala bolsonarista organizou protestos a favor de Daniel Silveira, deputado federal cassado e condenado após ataques antidemocráticos ao Supremo Tribunal Federal, em seguida perdoado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro. Em São Paulo, não muito longe dali, um trecho da Avenida Paulista foi ocupada por apoiadores do presidente, portando as indefectíveis camisetas com as cores da bandeira do Brasil.

Mesmo com uma carga política significativa, o público não era tão diferente do já visto nas manifestações de rua puxadas pelo Partido dos Trabalhadores. Em grande parte, foi formado por membros das centrais sindicais e movimentos sociais, que hasteavam bandeiras e distribuíram panfletos incansavelmente. Aos poucos, jovens e famílias inteiras começaram a ocupar os gramados laterais da praça. Ainda que muito mais diverso do que a manifestação a favor de Daniel Silveira no Rio de Janeiro, o evento estava igualmente esvaziado.

casal - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Edilson Moura e Ueslei Sutil (de amarelo) decidiram comparecer ao evento do Dia do Trabalhador para "dar a cara a tapa"
Imagem: André Porto/UOL

'Manifestação histórica'

"Viemos para apoiar e dar a cara à tapa mesmo", explicou Ueslei Sutil, 31, analista que conferia camisetas e broches do Lula ao lado do namorado, o vendedor Edilson Moura, 34. "Viemos aqui porque tá tudo caro, a ciência tá defasada e as pessoas estão passando fome."

Contrariando o discurso do "já ganhou", proferido por todos que subiram no palco, Sutil está preocupado com as eleições presidenciais. "Não dá pra subestimar. Vai ser um jogo sujo e a ala bolsonarista vai colocar a máquina estatal para funcionar para tentar vencer", afirmou.

familia - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Família vai ao ato do Dia do Trabalhador na praça Charles Miller, no Pacaembu
Imagem: André Porto/UOL

Fernanda Sanjuan, 44, professora do ensino fundamental da rede pública, também não está tranquila com o que está por vir. "Dá medo porque a população não entendeu o que é o Bolsonaro, mas o Lula representa muito a esperança de nós recuperarmos as conquistas do governo dele", disse, na companhia da família. "Estamos nos politizando através dela", disse Caio Perecin, 19, barbeiro, namorado de uma das filhas de Sanjuan.

dirceu - André Porto/UOL - André Porto/UOL
José Dirceu no ato do Dia do Trabalhador das centrais sindicais, no Pacaembu
Imagem: André Porto/UOL

Ainda de manhã, circulando entre os vendedores de espetinho de carne e cervejas, um homem causou uma pequena aglomeração. "Nossa, quem é ele mesmo?", perguntou uma senhora ao observar um grupo pedindo selfies ao homem, que vestia uma camiseta preta do Corinthians e uma faixa na testa escrita "Sou Lula". Era José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, condenado a 27 anos de prisão por desdobramentos da operação Lava Jato — em 19 de abril, sua condenação foi confirmada pela 5ª turma do STJ. "Caramba, ele é muito corajoso mesmo de estar aqui", completou a mesma senhora, ao descobrir de quem se tratava.

Caminhando entre colegas vestindo camiseta vermelha, o ex-ministro diferenciou o evento ads manifestações bolsonaristas. "Eles transformaram Daniel Silveira em um herói. Esse é o caráter do bolsonarismo de atacar as instituições, o Supremo, de dar um golpe", resumiu. "Aqui é uma manifestação histórica que traz as reivindicações dos trabalhadores."

'O presidente vem aí'

Além da aparição de José Dirceu, toda a ala da esquerda circulou em peso pela praça e, depois, discursou no palco, como Guilherme Boulos, Fernando Haddad e Eduardo Suplicy, que permaneceu no palco dançando durante toda a apresentação do rapper Dexter e depois cantou "Blowing In The Wind" do Bob Dylan. A aparição do vereador até animou quem estava próximo ao palco ou buscando uma sombra, mas o entusiasmo não venceu a intensidade da temperatura alta. O público só reagia quando, vez ou outra, alguém puxava o clássico "Fora Bolsonaro", ou quando anunciavam que em breve o ex-presidente Lula estaria no palco.

"Calma que logo mais o presidente vem aí", foi uma frase bastante repetida para segurar o atraso. Enquanto Leci Brandão se apresentava, alguém na plateia arriscava uma dancinha, sem grandes ambições ou companhia.

A comemoração só ganhou força às 16h, três horas depois do previsto na programação. Foi quando Lula entrou no palco para discursar, ao som de aplausos e gritos de "Lindo! Maravilhoso!" vindo de um grupo de senhoras, cada uma tomando uma cerveja gelada debaixo da sombra do gramado lateral da praça.

lula - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Lula no palco, no ato do Dia do Trabalhador, em São Paulo, no domingo (1)
Imagem: André Porto/UOL

Dispersão rápida

Na companhia de dirigentes sindicais e líderes do PT, o pré-candidato começou seu discurso pedindo desculpas pela declaração que fez durante um encontro com mulheres na Brasilândia, na zona norte de São Paulo, no sábado (30). "Quando eu estava fazendo o discurso, queria dizer que o Bolsonaro só gosta de milícia, ele não gosta de gente. E eu falei que ele 'só gosta de polícia, não gosta de gente'. Eu quero aproveitar e pedir desculpas aos policiais desse país, porque muitas vezes cometem erros, mas muitas vezes salvam muita gente do povo trabalhador. Nós temos que tratá-los como trabalhadores", disse.

O discurso durou cerca de 15 minutos. Após o pedido de desculpas, Lula reservou parte da fala para criticar o presidente Jair Bolsonaro, seu principal adversário nessa eleição. "Esse atual dirigente, que eu chamo de fascista e genocida, nunca se reuniu com dirigentes sindicais, governadores, prefeitos, movimentos sociais. Esse cidadão só governa para, quem sabe, os milicianos dele e alguns, quem sabe, com responsabilidade pela morte de Marielle [Franco, vereadora do PSOL assassinada em 2018]."

Assim que o ex-presidente se despediu e saiu do palco, grande parte da plateia começou a dispersar e caminhou em direção às saídas da praça, para as ruas vazias do bairro do Pacaembu. "Você não vai ficar pra ver a Daniela Mercury?", perguntou uma mulher à amiga, que caminhava até o escadão lateral. "Não, só vim para ver ele", respondeu.