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'Alta ou suave': caixa de som proibida na praia divide opiniões no Rio

No primeiro fim de semana com caixas de som proibidas nas praias do Rio, decreto dividiu opiniões ouvidas pela reportagem em Copacabana - Luciana Cavalcante/UOL
No primeiro fim de semana com caixas de som proibidas nas praias do Rio, decreto dividiu opiniões ouvidas pela reportagem em Copacabana Imagem: Luciana Cavalcante/UOL

Luciana Cavalcante

Colaboração para o TAB, do Rio

11/05/2022 04h01

O vento frio que vinha do mar esvaziou a areia da praia de Copacabana no sábado (7) — o termômetro marcava 23°C, o suficiente para o carioca tirar o casaco do armário. Pouca gente encarou o mar no primeiro dia após a publicação do decreto que proíbe o uso de caixas de som na areia das praias do Rio de Janeiro.

Ainda assim, a tranquilidade era quebrada pelo eco de diferentes músicas, um barulho distante vindo de grupos de desavisados ou de quem simplesmente não se importou com a determinação. Quem desobedecer à nova regra recebe advertência e é obrigado a desligar o som. Na segunda vez, vale multa — ainda não há data para a penalidade entrar em vigor, mas o valor já foi definido: R$ 550. Na terceira ocorrência, o equipamento é apreendido pela Guarda Municipal.

Na manhã de sábado, carros da Guarda Municipal estavam na altura do posto 5 para orientar banhistas sobre a proibição. Ao menos cinco grupos tinham caixas ligadas, com volume baixo, mas ninguém quis conversar com o TAB sobre o assunto. O decreto divide opiniões tanto de visitantes quanto de trabalhadores de Copacabana. Há visitantes a favor e trabalhadores contra a medida (e vice-versa). Os que são contra consideram que a regra só funcionará à base da multa.

'Não vai pegar'

"Acho errado proibir até porque é um costume muito do brasileiro, principalmente do carioca, desde quando eu era criança, sempre existiu isso aqui na praia. Isso é típico nosso", opinou um banhista de 30 anos, que preferiu não se identificar, enquanto guardava uma caixa de som de tamanho considerável na mochila.

Banhista guarda caixa de som na praia de Copacabana, no Rio - Luciana Cavalcante/UOL - Luciana Cavalcante/UOL
Banhista guarda caixa de som na praia de Copacabana, no Rio
Imagem: Luciana Cavalcante/UOL

"Dependendo de como estiver a praia", segundo ele, seria aceitável subir o som. "Hoje está vazia, não tem problema nenhum colocar um pouquinho mais alto. Se a praia está cheia cada um coloca no seu volume. Sempre cada um respeitando o ponto um do outro."

A vendedora ambulante Eliete Silva, 60, trabalha há mais de 10 anos vendendo brinquedos em Copacabana e não vê problema em ouvir música na areia da praia. A decisão "não vai pegar", aposta ela.

"Qual o problema de incomodar isso? Tem gente que gosta de ouvir. Acho que não vai em frente não. Tem muita gente que gosta e fica até sambando para alegrar um pouco."

Para Eliete, é uma questão de liberdade do banhista. "Se você vem para praia, é para curtir. Então quem quer silêncio fica em casa, no seu canto. Aqui não é lugar privado. Isso aqui é livre pra todo mundo. Tem gente que gosta [de música] alta, outros suave. Tem espaço para todo mundo", diz.

Trabalhando há 20 anos na Barraca das Morenas, a comerciante Carla Ferreira, 36, também é contra a medida. "Se é pra proibir, proíbe também o quiosque, que tem barulho alto pra caramba, às vezes, às 9 horas da manhã já tem música ao vivo e vai até tarde", critica. A proibição só vale para as caixas de som na areia, os quiosques estão liberados.

"Aí a pessoa não pode estar ali no seu círculo de amigos, escutando uma musiquinha particular dela, mas é obrigada a escutar a música dos outros [do quiosque]."

No calçadão em frente à barraca, dá para perceber o que Carla diz. O som é alto, vindo de um grupo que se apresenta ao vivo e as pessoas quase não conseguem conversar nas mesas.

Barraca Love 140 na praia de Copacabana, no Rio - Luciana Cavalcante/UOL - Luciana Cavalcante/UOL
'Eu fico atordoada', conta a comerciante Adriana Granah, da Barraca Love 140
Imagem: Luciana Cavalcante/UOL

Relax para uns, estresse para outros

Muita gente que trabalha na areia, porém, sente-se incomodada com o barulho vindo das rodinhas de frequentadores: dificulta a comunicação e torna o trabalho ainda mais estressante.

A fotógrafa Marta Barros, 57, diz que falta conscientização e respeito dos visitantes com os outros. "As pessoas abusam da altura, não sabem ouvir uma música baixa. Virou uma competição de som na praia", diz. "Essa mistura de músicas, funk, sertanejo, nos nossos ouvidos acaba atrapalhando o trabalho porque você não tem como se comunicar com as pessoas", pondera a fotógrafa, que há 7 registra lembranças de visitantes em Copacabana.

É mais complicado no verão, acrescenta a comerciante Adriana Granah, 49, quando o fluxo de pessoas é muito maior do que o registrado num sábado de outono como esse.

"Pode não parecer, mas já é um trabalho estressante e bem árduo pra gente que fica na ponta da praia, fica muitas horas em pé e no sol", conta Adriana, que há 16 anos é responsável pela Barraca Love 140. A rotina não é fácil, diz ela: todo dia, é preciso montar e desmontar a barraca e levar tudo embora. "Isso com a areia com uma sensação térmica de 50°C, com barulho das pessoas e mais um monte de caixas de som cada um tocando numa altura absurda de sei lá quantos decibéis, eu mesma fico atordoada."

Até quem gosta e vive de música se mostrou a favor do decreto. O músico argentino Nicolas Paulos, 48, estava curtindo o clima ameno, com seus fones de ouvido ligados no celular. De passagem pelo Rio para uma semana de apresentações, ele acha que a música tem que ser escutada quando se tem vontade, não quando é imposta.

"Se venho para a praia, venho para escutar o som do mar, do vento, dos pássaros, não tenho a necessidade, nem a vontade, de escutar as músicas que as pessoas têm e querem escutar", diz. "Todo mundo tem que respeitar o direito ao silêncio. Escolho usar meus fones para escutar a música. A pessoa que está ao meu lado não tem porque escutar a música que eu estou escutando. É uma questão de respeito", argumenta.

Primeiro fim de semana com caixas de som proibidas no Rio - Luciana Cavalcante/UOL - Luciana Cavalcante/UOL
Para Mary Aleixo (de camiseta cinza), praia é um lugar de sossego e que não combina com barulho de música
Imagem: Luciana Cavalcante/UOL

O som do mar

No calçadão, dois casais de Copacabana se reuniram para bater um papo e tomar uma cerveja e uma caipirinha. O programa foi de última hora, por conta do tempo.

Geralmente eles se reúnem na areia, mas nem sempre conseguem devido ao barulho. "Normalmente a gente prefere ficar na praia. Só que tem horas que você não consegue porque tem duas ou três caixas de som do lado da gente", relata a estatística Vera Lúcia Feijó, 64.

"Reclamo disso há anos. Falo a mesma coisa para a minha filha que mora na Bahia: eles têm um patrimônio que é o Dorival Caymmi e têm aquelas caixinhas tocando Calcinha Preta. A gente tem um patrimônio que é o barulho do mar, que não podia abrir mão", acrescenta o analista de sistemas Paulo Feijó, 76, marido de Vera Lúcia.

Para a funcionária pública aposentada Mary Aleixo, 76, a praia é um lugar de sossego e que não combina com música alta. "Não existe nada mais lindo, mais poderoso que o mar. Então eu acho que é lindo demais para a gente ficar dividindo com barulho diferente."