Celebrado em bar de Guarulhos (SP), Arthur do Val vira 'adm' do MBL
Noite de terça-feira (21) e o boteco chique de Guarulhos (SP) transmite futebol em quatro televisores do tamanho de janelas. Todas estão no mudo porque um trio peculiar é responsável pela música ao vivo. O homem no violão, com cabelo comprido de roqueiro, usa camiseta do Iron Maiden e tem expressão "zero empolgação" enquanto toca sertanejo. O tecladista faz a linha topzera e esconde os cabelos num boné metálico que muda de cor conforme a luz bate. O vocalista alcança um agudo de respeito à custa de contorcer o rosto para cantar Marília Mendonça de forma digna.
Tudo isso é secundário para mais de cem pessoas, que se abalaram até o local para ver e ouvir Arthur do Val, ex-deputado estadual cassado em maio, depois que surgiram áudios ofensivos a mulheres ucranianas. "São fáceis porque elas são pobres. (...) Não peguei ninguém, mas eu colei em duas 'minas', em dois grupos de 'mina'. É inacreditável a facilidade."
Um mês depois de perder o mandato, ele está de volta à cena política emprestando a companheiros do MBL (Movimento Brasil Livre) o prestígio que manteve junto aos apoiadores. Do Val declarou ao TAB que nunca parou com a política, apenas deu "um tempo".
Foram cinco semanas de inatividade antes de abraçar a costura de bastidor para tentar eleger seis deputados do MBL, entre estaduais e federais. Ele adianta que vai tentar recuperar seus direitos políticos, porque enxerga ilegalidades no processo de cassação. "Vou judicializar."
Mas não há data para procurar a Justiça. Ele afirmou que a prioridade é a eleição de outubro. Nesse pleito, está sendo responsável pelas redes sociais de todos os candidatos do MBL, os quais acompanha em viagens pelo estado. Já houve visitas a São José dos Campos e Campinas, ambas no estado de São Paulo.
Outra tarefa de Arthur é ajudar a escrever discursos e coordenar a campanha de Renato Battista (União), que concorre a deputado estadual.
Seu status é muito diferente daquele projetado pelo MBL. O plano inicial era que Arthur do Val concorresse ao governo de São Paulo, mas o projeto ruiu enquanto ele estava na Ucrânia e enviava mensagens de voz a amigos com conteúdo machista.
Houve problemas na viagem a Campinas. Integrantes do MBL relataram que estudantes universitários protestaram contra o o ex-deputado estadual. Nada semelhante aconteceu em Guarulhos. O convite para o evento foi disparado em grupos de apoiadores. Diante de uma plateia amistosa, Arthur foi mais celebrado do que a candidata a deputada estadual Amanda Vettorazzo (União) e o candidato a deputado federal Rubinho Nunes (União).
Solidariedade de Danilo Gentili
Se em Campinas houve quem se dispusesse a protestar, em eventos para simpatizantes do MBL Arthur mantém o moral. Ainda que os nomes nas urnas sejam os dos companheiros de MBL, ele era o mais procurado. As pessoas fizeram rodinhas em torno dele e houve fila para fotos.
Os convidados não negam que o áudio foi ofensivo, errado e machista. A diferença na avaliação de quem se manteve apoiador do ex-deputado estadual em relação a opositores de Arthur é que o primeiro grupo considera que houve exagero na punição. Argumentam que todos são passíveis de erro. Adversários aproveitaram a situação para cancelar o inimigo político que batia de frente.
Gerente de logística, Bruno Fratoni, 27, considera o áudio "escroto", mas diz que perdoou Arthur e que votaria nele outra vez, assim como fez em 2018. Com a reputação preservada frente a esse público, o ex-deputado foi o primeiro a falar e retomou o microfone para fechar o evento.
Do Val conta que a volta à politica ocorreu depois de analisar as métricas do MBL. Os dados avaliados incluem quantidade de likes em suas redes sociais e do movimento. Também foi medida a repercussão com likes e comentários nos podcasts de que participou. Outro indicador foram os grupos do Telegram de demais integrantes do MBL.
O ex-deputado estadual alega que muitas pessoas perguntavam sobre ele a companheiros como Rubinho Nunes. Com essa análise, fez o teste definitivo ao ir ao show da banda Kiss, em 30 de abril. Ainda que tenha sido hostilizado por um grupo de mulheres, "claramente de esquerda" na avaliação de Arthur, ele disse que houve mais apoio que vaia.
No conjunto de fatores que incentivaram a volta à política, também é mencionada a reação de humoristas como Danilo Gentili, Léo Lins, Murilo Couto e Diogo Portugal. O ex-deputado afirma que todos fizeram piada, mas sem humilhar ou querer pagar de virtuoso. Gentili enviou uma mensagem perguntando como ele estava.
"Se você parar para pensar, o Danilo Gentili é um cara absurdamente gigante. Ele é líder de audiência numa das maiores emissoras do Brasil. Ele é um cara milionário, ele não depende nada de mim. Não precisa de mim para nada."
Arthur 'agrega à campanha'
Amanda Vettorazzo era o grande nome do evento. Um banner gigante tinha a foto dela em tamanho real. Pelos corredores do bar, apoiadores vestindo camiseta com o nome da candidata escrito em lilás caminhavam entre o labirinto de mesas. Entregavam a cada cliente um cardápio diferente, a lista de propostas de Amanda.
A candidata declarou que a presença do ex-deputado estadual cassado por áudios machistas é benéfica para a campanha. "Estou bem tranquila quanto a isso." Amanda afirmou que a punição foi excessiva e ressalta que o deputado estadual Fernando Cury (União) recebeu suspensão de seis meses por apalpar o seio de uma colega de parlamento. Ela acrescentou que, logo que os áudios foram revelados, gravou um vídeo condenando as declarações.
Sobre o posicionamento em relação à pauta feminina, argumenta que hoje a política tem dois polos: as radicais feministas e as antifeministas. Pela avaliação de Amanda, nenhum deles representa o pensamento majoritário das mulheres. A candidata espera preencher essa lacuna.
A respeito da presença de Arthur do Val no evento, ela diz que o ex-deputado estadual instigou a juventude a gostar de política. A intenção é transferir esse capital e receber apoio de eleitores que ainda estão fechados com o ex-deputado estadual.
Caso do comerciante Eduardo Sal Barbosa Junior, 24, que considera Arthur um bom político por ter lutado pelas bandeiras corretas de bom uso do dinheiro público. Ele conta que se arrepende de não ter votado no ex-deputado estadual na última eleição e lamenta não poder digitar o número dele este ano, apesar de condenar o áudio sobre as ucranianas.
"Foi escroto, machista e acho que deveria ser punido, mas não cassado."
Guilherme Jesus, 24, é vendedor e declarou que sua opinião sobre Arthur não mudou depois dos áudios. O teor das afirmações do ex-deputado estadual é repudiado por ele, mas a justificativa para estar no evento é que muitos parlamentares fazem coisas piores na Assembleia Legislativa de São Paulo e nada acontece.
"O que o Arthur fez como deputado fez a esquerda e o bolsonarismo se juntarem contra ele."
'Nem a Dilma perdeu direitos'
A eleição de outubro é considerada prioridade de Arthur, mas o ex-deputado estadual não esconde que deseja ter os direitos políticos de volta. "Nem a Dilma perdeu os direitos."
Arthur alega que houve irregularidades na cassação, como abrir o processo em data não permitida pelo regimento. Ele reclamou ainda que não teve testemunhas ouvidas e que o áudio não passou por perícia. O ex-deputado estadual disse que houve edição.
A intenção é clara, mas o momento de entrar no Judiciário não está definido. Arthur avalia se o mais correto é concentrar todos os esforços na eleição. Também não está decidido qual instrumento jurídico usar e o que fazer se conseguir os direitos de volta.
Ele explicou que a meta do MBL é ter um presidente da República e que esse objetivo exige lideranças em todas as regiões do País. Arthur avalia se não é mais produtivo seguir sem cargo fazendo a arregimentação de apoiadores para conseguir ser forte em nível nacional.
"Nosso plano é de poder. Fazer presidente da República e governar conforme nossas crenças."
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