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Tensão na madrugada: como foi a operação de guindaste que prometia 'caos'

Emerson Rogério Garcia, o engenheiro, fotografa a chegada do guindaste no Tatuapé - Júlio César Almeida/UOL
Emerson Rogério Garcia, o engenheiro, fotografa a chegada do guindaste no Tatuapé
Imagem: Júlio César Almeida/UOL

Lucas Veloso

Colaboração para o TAB, de São Paulo

04/07/2022 11h38

Em uma das saídas da estação do metrô Tatuapé, próxima à Radial Leste, uma barraca de metal com bebidas alcoólicas onde se lia "Encosta com noisss?" reunia algumas pessoas que tinham acabado de sair do trabalho. Eram 22h20. Colado à comerciante, um churrasqueiro assava espetinhos de frango e carne. No som, Dan Ventura cantava "Quadradinho" em repetição.

Do outro lado da rua, lojas de bebidas e de pastel também tinham as mesas cheias. O fluxo de veículos na rua Tuiuti era grande. A algumas quadras dali, uma operação com um guindaste de 45 metros de altura -- com a lança auxiliar projetada, chega a 61 metros -- prometia parar tudo, dali alguns instantes. Algumas placas avisavam: "Via interditada. Patolamento de guindaste. Dia 02/07 das 23h ás (sic) 04h".

Numa cidade que tem tido dificuldade para dormir por causa de obras de dia e de noite (manutenção urbana, construção civil, festas e pancadões), a apreensão era grande nas imediações.

"A gente não tem o que fazer, né? Vão desviar tudo", disse o analista de sistemas Artur Novaes, 26, que trabalha na região e estava ali reunido com alguns amigos do escritório. Um vendedor de cigarros e doces também se disse apreensivo. "Imagina o barulho que isso vai fazer. Um guindaste uma hora dessas, perto da madrugada? Ninguém dorme", emendou.

Na rua em que a ação aconteceria, alguns funcionários com coletes laranjas esperavam a chegada do caminhão, mas não sabiam o que ia rolar. Alguns usavam bonés com a frase "Apoio ao trânsito".

Agentes da CET organizam o tráfego para a chegada do guindaste - Júlio César Almeida/UOL - Júlio César Almeida/UOL
Agentes da CET organizam o tráfego para a chegada do guindaste
Imagem: Júlio César Almeida/UOL

'Vai fazer um barulhão'

A expectativa de alteração no fluxo de pessoas e carros estava alta. Dias antes, a SPTrans, empresa responsável pelo transporte público na capital, informou que 14 linhas de ônibus teriam seus itinerários desviados naquele dia por causa do estacionamento de um guindaste na rua Caraguataí, entre as vias Bom Sucesso e Vista Alegre, no Tatuapé, na zona leste da capital.

Quando o relógio da rua marcava 23h31, um caminhão branco com um guindaste em cima entrou na rua Tuiuti e seguiu em direção ao endereço indicado, na lateral do Shopping Metrô Tatuapé. Um agente da CET no local disse que a ação teria algo a ver com o centro de compras, mas desconhecia o que era. O motorista do veículo desceu e se dirigiu a uma dupla de homens na calçada com crachás do shopping, enquanto isso, uma padaria na esquina atendia os últimos clientes.

Rua ao lado do Shopping Tatuapé, na noite de sábado - Júlio César Almeida/UOL - Júlio César Almeida/UOL
Rua ao lado do Shopping Tatuapé, na noite de sábado
Imagem: Júlio César Almeida/UOL

Com a chegada dos veículos, agentes da CET e alguns homens usaram carros para a interdição da quadra mais próxima da rua, mas motoristas desavisados acabaram passando pelas barreiras feitas com cones de sinalização e madeira.

Vestido de roupa preta, touca na cabeça e luvas para lidar com o frio, o segurança de um prédio em construção, ao lado do shopping, olhava com atenção a movimentação ao redor. Ele também esperava barulho e confusão de carros. "É diferente, né? Não é todo dia que tem um guindaste e esse som todo na madrugada", disse. "Aqui é muita gente o tempo todo, mas acho que esse negócio do caminhão vai fazer barulhão mesmo."

Andando de um lado para o outro estava o engenheiro Emerson Rogério Garcia, 40, responsável pela operação daquela noite. Com um celular em mãos, explicou ao TAB que a operação não faria grandes mudanças no vai e vem de pessoas e carros, apesar das orientações da CET e SPTrans.

O engenheiro Emerson Rogério Garcia, responsável pela operação 'traz guindaste' no Tatuapé - Júlio César Almeida/UOL - Júlio César Almeida/UOL
Emerson Rogério Garcia, responsável pela operação 'traz guindaste' no Tatuapé
Imagem: Júlio César Almeida/UOL

Dá trabalho

Enquanto conversava com os passantes sobre detalhes do caminhão, o andar em que seria içado o guindaste, o engenheiro afirmou que a operação deveria ter acontecido "há uns dois meses", mas não foi possível, segundo ele, pois é necessário obter uma autorização dos órgãos públicos para a realização de ações como essas. Emerson também disse que tudo é bancado por quem realiza os serviços, como a contratação do pessoal para orientar o trânsito e as placas com informações de desvios.

A operação programada para aquela madrugada seria a retirada do motor do gerador, peça usada no cinema do shopping para evitar que as quedas de energia e outros imprevistos atrapalhem as sessões. "A ideia é que a gente não use [gerador], mas como num seguro de carro, numa emergência, salva", comentou um funcionário do shopping, um dos dos responsáveis pela contratação e monitoramento operacional.

Na rua, enquanto alguns funcionários revisavam os equipamentos e montavam no chão a base de sustentação do guindaste, o engenheiro responsável olhava no celular o "plano de rigging". O documento, composto por desenhos técnicos e observações de cálculos, define as especificações para realização das operações de içamento.

Quando o relógio marcava 0h23, o barulho começou, mas nada que atrapalhasse quem estava a 30 metros do local. Alguns pedestres olhavam curiosos. Outros paravam para ver, mas continuavam a caminhada logo. De mãos dadas com o namorado, a designer Lara dos Santos, 28, atravessava a rua. "Estou indo para balada, é aqui perto. Espero que esse caminhão não atrapalhe o som", disse rindo, enquanto alguns funcionários da empresa de guindaste conversavam na cabine do caminhão.

Guindaste erguido para retirada do motor - Júlio César Almeida/UOL - Júlio César Almeida/UOL
Guindaste erguido para retirada do motor do gerador
Imagem: Júlio César Almeida/UOL

A retirada do equipamento, a 39 metros de altura, que seria "coisa rápida" nas palavras dos responsáveis técnicos, se prolongou mais que o esperado. Uma falha mecânica no caminhão de guindaste impediu que a operação começasse. Na rua, os funcionários falavam ao telefone, aproveitaram para ir ao banheiro, além de baterem papo sobre o tamanho do guindaste. Minutos depois, um homem se aproximou com um carro trazendo ferramentas, como alicate e chave de pedreiro. Depois de algumas orientações pediu que ligasse o guindaste. O barulho voltou.

Às 02:03 da madrugada, o trambolho começou a ser içado até a altura em que estava o motor sob o olhar e comentários dos funcionários envolvidos na operação. Alguns técnicos entraram no shopping até o local exato do cinema em que a peça estava. Lá montaram a estrutura para retirar o equipamento. Cerca de 50 minutos depois, o guindaste desceu com o motor.

Manoel da Costa, o motorista auxiliar da operação que levou um guindaste à zona leste de SP - Júlio César Almeida/UOL - Júlio César Almeida/UOL
Manoel da Costa, o motorista auxiliar da operação que levou um guindaste à zona leste de São Paulo
Imagem: Júlio César Almeida/UOL

Mais tranquilo que o esperado

"Nem fez barulho, que tranquilo", comentou o segurança da obra ao lado, que acompanhou toda a operação. "Achei que seria um caos, muito carro e confusão, mas nem percebi que estava no fim disso", completou Felipe Cruz, 27, um dos trabalhadores da equipe de trânsito.

Rindo, outro apoiador do trânsito disse: "Ah, se eu soubesse que seria isso, cobrava R$ 2 mil e eu mesmo descia esse negócio". Depois de consultar um funcionário do shopping sobre o peso do motor, concordou que só um guindaste mesmo para dar conta daquela demanda. "É muito pesado. Uns dez homens não iam conseguir levar, né? Toneladas."

Com o motor posicionado em cima do caminhão que o levaria para manutenção, o engenheiro responsável avisou que tudo estava certo. A operação tinha finalizado. "Acabou. Vamos para próxima."

Fim da ação de retirada de um motor de gerador no cinema do Shopping Tatuapé, na rua Caraguateí - Júlio César Almeida/UOL - Júlio César Almeida/UOL
Fim da ação de retirada, na rua Caraguateí
Imagem: Júlio César Almeida/UOL

Na esquina próxima, o movimento comum permaneceu. Um dos vendedores que havia conversado com o TAB no fim da noite anterior questionou se tinha acabado. Ficou surpreso com o vaivém ligeiro: "Nem ouvi nada. Que beleza. Vai um churrasco aí?".