Topo

Evangélico na Marcha: 'Medo do povo é de despensa vazia, não de comunismo'

Jair Bolsonaro na Marcha para Jesus, no trajeto para o Campo de Marte, em São Paulo - Camila Svenson/UOL
Jair Bolsonaro na Marcha para Jesus, no trajeto para o Campo de Marte, em São Paulo
Imagem: Camila Svenson/UOL

Do TAB, em São Paulo

09/07/2022 17h27

Do alto de um trio elétrico, cercado por pastores, políticos e seguranças, o presidente Jair Bolsonaro (PL) acenava e esboçava sorrisos para a multidão de fiéis que acompanhavam a Marcha para Jesus, na região central de São Paulo, na manhã deste sábado (9). A predominância das cores verde e amarelo em acessórios, decoração e nas camisetas com a marca do evento eram familiares para o mandatário, para quem a bandeira do país tornou-se símbolo de campanha. Este ano, o site oficial da Marcha também tingiu-se das cores da bandeira.

Mas as aparências também enganam. Na sexta-feira à noite, a professora Vanessa Siqueira, 44, estava em dúvida se iria ou não ao evento, justamente por causa dele. "Eu e meu esposo estamos muito bravos com isso", reclamava ela ao TAB, por mensagens de aplicativo. Há 18 anos, o casal frequenta a igreja Renascer em Cristo, no Morumbi, na capital paulista, e desde então participa da Marcha para Jesus.

"Amamos os nossos líderes [religiosos], mas eles não estão respeitando que o apoio ao Bolsonaro não é totalitário. Não é, muito pelo contrário", contava. "Ainda tenho esperança e estou pedindo a Deus para que ele desista, tenha um pouco de decência e não vá. Não é genuíno. Ele vai ser vaiado, principalmente pelos jovens."

Vanessa não votou em Bolsonaro em 2018, afirma, e desta vez pretendia votar em Simone Tebet (MDB), mas "para essa palhaçada acabar logo, votaremos no Lula". A professora diz que o presidente "não demonstrou ser um líder", ao longo de sua gestão. "Se fosse só incompetência, ok. Mas ele não tem um pingo de educação. Amanhã vai lá fazer campanha política, o que é totalmente desnecessário."

Apesar das críticas, Vanessa e o marido terminaram indo à Marcha, porque se comprometeram com o trabalho voluntário como equipe de apoio do evento. "A César o que é de César, e a Deus o que é de Deus", pondera o arquiteto Carlos Siqueira, 45 marido de Vanessa. "Ficamos apenas durante o trajeto [dos trios elétricos]. Não ficamos para os shows", explica ele.

"Deram o microfone a ele, e aí já saiu com as mesmas besteiras de sempre. O povo não tem medo de comunismo, tem medo de despensa vazia. Ele parece não entender isso", reclamava Carlos, depois do evento. "Não tem como ser um cristão sério e apoiar alguém que só propaga ódio, confusão, não tem empatia, não trabalha."

Marcha para Jesus 2022, no trajeto para o Campo de Marte, em São Paulo - Camila Svenson/UOL - Camila Svenson/UOL
Fiéis usaram roupa da seleção brasileira, um símbolo bolsonarista
Imagem: Camila Svenson/UOL
Marcha para Jesus 2022, no trajeto para o Campo de Marte, em São Paulo - Camila Svenson/UOL - Camila Svenson/UOL
Bandeiras do Brasil foram incorporadas ao evento, entre o público e nos trios elétricos
Imagem: Camila Svenson/UOL

'Um lugar de paz'

Para o radialista Wellington Nobre, 42, não houve outra escolha a não ser desistir. De família evangélica e ex-integrante da Renascer em Diadema, na Grande São Paulo, ele já participou de 15 edições da Marcha para Jesus, mas em 2022 resolveu não acompanhar o evento.

"A presença de políticos na Marcha sempre incomodou todo mundo, mas era uma relação institucional. Hoje não. É uma relação mais próxima à adoração da autoridade, neste caso, de Bolsonaro", afirma, citando exemplos de outros políticos que já participaram do encontro, como os ex-prefeitos de São Paulo Celso Pitta e Paulo Maluf. Foram algumas vezes vaiados pelo público. "Antigamente, a igreja tinha no político a necessidade de garantir a data no calendário oficial. Hoje o político é divulgado como um astro gospel, uma divindade."

Segundo Wellington, "a politização passou dos limites" e "tem afastado membros que pensam diferente" dos pastores. O radialista chama Bolsonaro de "falso Messias" e define a Marcha como "um showmício". "Nem eu nem Jesus vamos participar", reclama.

A Marcha para Jesus tornou-se um palanque bolsonarista desde 2018. Naquele ano, quando ainda era deputado federal e então pré-candidato a presidente, Jair Bolsonaro desfilou com sua claque e, projetado pela TV e pelas redes sociais, foi recebido com festa por alguns apoiadores, como uma celebridade. Enquanto caminhava entre os participantes, não quis responder às perguntas de jornalistas relacionadas às eleições. Preferiu tergiversar. "Aqui é um lugar de paz, não vamos falar disso", disse.

Um ano depois, no entanto, Bolsonaro voltou ao evento como presidente e discursou em defesa do porte de armas. "A bandidagem tá muito bem armada por aí", reclamou. Naquele dia, saudado com gritos de "mito", o chefe de Estado fez gestos de armas usando os dedos — numa cena registrada em fotografia e usada com frequência por seus apoiadores. Ele usava uma camiseta oficial da Marcha, com o nome de Jesus em destaque.

Neste sábado, Bolsonaro foi anunciado por Estevam Hernandes, o líder da Renascer em Cristo, como "um homem que honra o nome do Senhor". Em seu discurso, afirmou: "Nossas políticas são bem aceitas no mundo todo. Passamos por momentos difíceis, a pandemia — lamentamos as mortes —, consequências na nossa economia também. (...) Vocês viram quem fechou igrejas pelo Brasil, quem obrigou vocês a ficarem em casa, quem quis tirar proveito político daquela situação. Temos pela frente uma luta do bem contra o mal. (...) Estou aqui porque acredito em vocês. E todos nós estamos aqui porque acreditamos em Deus."

Davi, 18, e Rodrigo, 23, dizem que a Marcha é lugar para 'adorar a Jesus' - Camila Svenson/UOL - Camila Svenson/UOL
Davi, 18, e Rodrigo, 23, dizem que a Marcha é lugar para 'adorar a Jesus'
Imagem: Camila Svenson/UOL
Marcha para Jesus 2022, no trajeto para o Campo de Marte, em São Paulo - Camila Svenson/UOL - Camila Svenson/UOL
À esquerda, a dona de casa Bianca Novaes, 23, acompanhada de amigos da igreja
Imagem: Camila Svenson/UOL

'O propósito é adorar o Senhor'

A receptividade a Bolsonaro neste sábado, em São Paulo, foi bem menos intensa do que a de quatro anos atrás. Se no seu entorno, cercado de amigos, o presidente era celebrado, na rua a dispersão era grande e muitos não acompanharam seu discurso.

Para um público conservador, pelo menos nominalmente, Bolsonaro repetiu os comandos de sempre. "Temos uma posição aqui: somos contra o aborto, contra a ideologia de gênero, contra a liberação das drogas e somos defensores da família brasileira. (...) Não queremos isso para o Brasil." Parte da Marcha ouvia com atenção; outra parte conversava, de costas para o palco. Alguns jovens faziam um L com a mão.

"Acho desnecessário", dizia a dona de casa Bianca Novaes, 23, que acompanhou a caminhada. Para ela, "Jesus não deveria estar na política. O foco aqui tem que ser Jesus." Moradora de Guaianases, na zona leste da cidade, ela é frequentadora da Igreja Pentecostal das Missões Divinas.

Num grupo de cerca de 15 pessoas, todos jovens, o estudante Davi Santos, 18, e o auxiliar de enfermagem Rodrigo Farias, 23, discordavam do voto que darão aos candidatos a presidente em outubro: o mais novo vai escolher Bolsonaro; o outro vota em Lula. Os dois amigos, no entanto, concordavam: não há espaço para política na Marcha para Jesus.

"Agora é um momento de louvar a Deus", defendia Davi. "O propósito aqui é adorar ao Senhor", completava, cercado de pessoas abraçadas à bandeira do Brasil.