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Com Tucker Torpedo raro e réplica, festival atrai fãs de carros antigos

Caçapava, no interior de São Paulo, guarda aquele que é considerado o mais relevante acervo de carros antigos da América Latina - Paula Maria Prado/UOL
Caçapava, no interior de São Paulo, guarda aquele que é considerado o mais relevante acervo de carros antigos da América Latina
Imagem: Paula Maria Prado/UOL

Paula Maria Prado

Colaboração para o TAB, de Caçapava (SP)

29/08/2022 08h44

Passava das 21h de sexta-feira (26) quando o caminhão carregando uns 200 kg na caçamba chegou à praça da rotatória da avenida Brasil, via que dá boas-vindas a Caçapava (SP). O ponto, que pode ser visto por todos que passam pela rodovia Presidente Dutra, entre os quilômetros 127 e 128 da pista sentido São Paulo, foi escolhido a dedo para abrigar um novo símbolo da cidade.

Quinze homens já estavam de prontidão para descarregar a peça, coberta às pressas para só ser revelado na manhã seguinte, com pompa e circunstância — e banda do 6º Batalhão de Infantaria Leve. Na praça, porém, um totem deixava entrever a novidade: a 119 km da capital paulista, a tranquila cidade de 95 mil habitantes quer se consolidar como "capital do antigomobilismo".

Cerca de 300 pessoas acordaram cedo e se aglomeraram na praça na manhã de sábado, entre autoridades, empresários e turistas — se a ideia é fomentar o turismo, engatou-se a primeira marcha, visto que os 250 leitos de hotéis da cidade foram ocupados no fim de semana.

Por volta das 10h, ao som do "Tema da Vitória", canção instrumental que a TV Globo imortalizou nas transmissões de Fórmula 1, revelou-se a peça: uma réplica de um Tucker Torpedo 1948 modelo 1035 vermelho bordô, construída em fibra de vidro, um presente de empresários à cidade. A multidão se aglomerou para fazer fotos, entre aplausos, gritos e lágrimas.

"Meu pai era um apaixonado por carros antigos", diz Vanessa Vieira, 38. Há 13 anos, o pai de Vanessa a levou a bordo de um Opala 1973, vestida de noiva, para subir ao altar com Rogério Vieira, 40, representante da Total Tintas, uma das oito empresas que patrocinaram o monumento. "Meu pai infelizmente se foi, há duas semanas. Vim representá-lo. Tenho certeza que ele está muito feliz vendo tudo isso de onde estiver."

Inauguração de monumento ao antigomobilismo em Caçapava (SP) - Paula Maria Prado/UOL - Paula Maria Prado/UOL
Vanessa e Rogério se emocionaram com a inauguração do monumento
Imagem: Paula Maria Prado/UOL

A bordo de um Packard 120

Depois da inauguração do monumento, os presentes fizeram carreata rumo ao Centro Educacional, Cultural e Esportivo José Francisco Natali, para participar do 2º Festival Nacional do Antigomobilismo Roberto Lee — graças ao empresário Roberto Lee (1934-1975), um apaixonado colecionador, Caçapava guarda o mais relevante acervo de carros antigos da América Latina. Em 2016, o governo federal concedeu a Caçapava o título de "capital do antigomobilismo".

O empresário começou a colecionar carros antigos em 1948. Foi levando as carrangas para a rua Tuiuti, no Tatuapé, zona leste de São Paulo, onde abriu o Museu Paulista de Antiguidades Mecânicas, em 1963 — antes da inauguração, dada a importância do acervo de carros e peças, o espaço foi considerado "utilidade pública" por decreto do governo de São Paulo. No ano seguinte, o museu foi transferido para um dos galpões da família Matarazzo, na Fazenda Esperança, em Caçapava.

Museu Roberto Lee, em Caçapava (SP) - Paula Maria Prado/UOL - Paula Maria Prado/UOL
O carro que transportou o príncipe Philip e a rainha Elizabeth 2ª, em 1968
Imagem: Paula Maria Prado/UOL

Roberto Lee cuidou do museu até sua morte, em 1975. Depois, passou para os cuidados de seu pai, o engenheiro Fernando Lee (1903-1994), e foi fechado em 1993. Os veículos que estavam expostos em comodato, emprestados por amigos da família, foram retirados por seus donos. Tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) desde 1982, o acervo do empresário ficou no galpão sofrendo com a ação do tempo e às vezes atos de vandalismo.

Em 2011, a família de Lee doou mais de 40 carros à cidade, que foram catalogados e transferidos para o Centro Educacional, Cultural e Esportivo José Francisco Natali. "Caçapava conseguiu restaurar cinco veículos até o momento. Projetos não faltam, mas o custo de um único restauro pode chegar a R$ 600 mil", conta a museóloga Clarissa Ribeiro, responsável pelo acervo, que conta com um Maverick 1973 amarelo, um Alfa Romeo Grand Prix e um Packard 120 Eight Convertible Sedan bordô.

Em 1968, foi Roberto Lee quem dirigiu o Packard 120 que transportou o príncipe Philip e a rainha Elizabeth 2ª durante a visita real a São Paulo. Diz a história que, na ocasião, a então primeira-dama do estado, Maria do Carmo de Abreu Sodré, a bordo do conversível, cumprimentou Lee com um beijo no rosto. "No Brasil é costume cumprimentar os motoristas?", teria lhe perguntado o príncipe.

Museu Roberto Lee, em Caçapava (SP) - Paula Maria Prado/UOL - Paula Maria Prado/UOL
No festival foram expostos carros de Lee (nem todos restaurados), motores e outras peças
Imagem: Paula Maria Prado/UOL

'O' Tucker Torpedo 1948

No festival do fim de semana, embalado por rock e food trucks, o acervo de Lee foi exposto, com carros higienizados (nem todos restaurados), motores e outras peças.

"Visitei o museu com meu pai várias vezes. Quando o acervo ficou abandonado, brinquei muito entre esses carros. Hoje, vendo os veículos aqui, fico feliz que a prefeitura tenha feito esse resgate", conta Júlio César Freitas, 48, que visitou o festival ao lado da mãe, Elza da Penha Ribeiro Freitas, 72.

Luciano Soares de Abreu, 27, aproveitou o evento para celebrar sua entrada no Carangu's Car Clube, grupo formado por saudosistas de carros antigos, de Caçapava. Dono de um Opala Comodoro 1989, ele e o pai investiram cerca de R$ 30 mil no restauro do possante. "Lembro a primeira vez que vi, fiquei apaixonado pelo barulho do motor."

Luciano Soares de Abreu, apaixonado por Opalas - Paula Maria Prado/UOL - Paula Maria Prado/UOL
Luciano, apaixonado por Opalas, aproveitou o evento e entrou no Carangu's Car Clube
Imagem: Paula Maria Prado/UOL

O acervo de Lee não tem Opala, um carro antigo hoje, mas moderno nos idos da década de 1970. Tem, por outro lado, um Tucker Torpedo 1948 modelo 1035, originalmente vermelho bordô e hoje preto — foram construídos apenas 51 carros pela Tucker Corporation. O exemplar de Lee é o único que já rodou no solo brasileiro e um dos poucos que se tem notícia no mundo.

Foi justamente o Tucker que inspirou o monumento inaugurado na rodovia. A ideia, diz Hudson Moreira, diretor do Museu de Antiguidades Mecânicas Roberto Lee, é atrair visitantes para a cidade.

O museu ainda não tem data para ser reaberto definitivamente. Mas um novo evento já está agendado: o Festival do Fusca, no dia 18 de setembro. Se engrenar e os hotéis ficarem lotados novamente, como espera a cidade, talvez fãs de antigomobilismo precisem pernoitar no banco de trás de seus carros.

Museu Roberto Lee, em Caçapava (SP) - Paula Maria Prado/UOL - Paula Maria Prado/UOL
Ao fundo, o Tucker Torpedo 1948 modelo 1035, originalmente vermelho bordô e hoje preto
Imagem: Paula Maria Prado/UOL