'Toca pau aí, vambora': o que o ex-ministro Ricardo Salles fazia na ESPM
"Toca pau aí, vambora", dizia Ricardo Salles (PL) na estrada nesta quinta-feira (1º), após passar pelas cidades de Cabreúva, Itu e Salto, no interior paulista, na agenda de campanha para deputado federal por São Paulo — a frase ficou registrada nos seus stories no Instagram. Ex-ministro do Meio Ambiente do governo Jair Bolsonaro (PL), Salles se dirigia à ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), na zona sul da capital paulista, para um evento de "Sustentabilidade e Agronegócio".
Ao sair do campus, Salles se deparou com um sinuoso cordão de estudantes empunhando bumbos em protesto contra a presença do ex-ministro. Passou pelo cerco de alunos, acelerou o carro e atingiu e derrubou uma moto. O motoboy ficou em pé, gesticulando para o carro do político que se afastava pelas ruas da Vila Mariana.
"Horda de bárbaros atacou nossa comitiva ontem. Jogaram pedras, chutaram carro e quebraram pára-brisa. Na confusão, um dos carros derrubou uma moto quase parada", Salles tuitou na manhã desta sexta-feira (2). "Turma 'maconheiros pró-democracia'", escreveu.
O protesto foi improvisado, pois muitos estudantes nem sequer sabiam que o ex-ministro estaria na casa. Segundo eles, a divulgação do evento foi abafada pois os organizadores já imaginavam a possibilidade de manifestações.
"Vimos o carro com adesivos de Salles e Bolsonaro, então fomos atrás de ver o que estava acontecendo. Vimos Salles dentro do auditório e espalhamos a notícia pra faculdade", conta a estudante bolsista de cinema Bruna Eduarda Santos Cunha, 21, integrante da bateria e que participou do ato.
"A bateria se organizou e vários alunos que estavam na faculdade foram junto. Fiquei assustada, sei sobre a gestão do Salles no ministério e ver que ele estava dentro de uma instituição séria, perto do período de eleições, foi assustador", relata a estudante de jornalismo Giovanna Massaro do Carmo, 18.
'Exclusivo'
No WhatsApp dos alunos se espalhou uma mensagem que indicava que o evento era exclusivo, com entrada controlada por uma lista. "Não é um evento aberto, então não vai ter divulgação. Se quiserem chamar alguém, essa pessoa tem que gostar do agronegócio e não pode comentar com terceiros. Lembrem, é bem exclusivo", dizia.
A estudante de publicidade Guadalupe Pereira, 26, foi uma das poucas manifestantes que conseguiu assistir a um trecho do evento, já quase no fim. De acordo com os manifestantes, em nenhum momento foram incentivados atos de vandalismo ou foi cogitado interromper ou impedir o discurso do ex-ministro. "Salles falou sobre a necessidade de discutir um modelo econômico que 'desenvolva' a Amazônia. Sabemos o que isso significa, considerando o trabalho dele no governo Bolsonaro", diz a aluna, fundadora do grupo Movimenta ESPM e do projeto Arquivo Trans, que luta por cotas para pessoas transgênero na instituição.
Do Acre, Guadalupe considerou "angustiante" ouvir um ex-ministro "que já propagou fake news e criticou figuras como Chico Mendes e Marina Silva" na área ambiental, e deixou como legado "um recorde de desmatamento, incêndios florestais, desmonte de várias instituições que zelam pela Amazônia". Em abril de 2020, ficou famosa a frase do então ministro, "passar a boiada", sugerindo alterar regras de fiscalização ambiental. Em junho de 2021, Salles deixou o ministério, alvo de investigação e de operações da Polícia Federal como Akuanduba e Handroanthus.
Segundo ela, ao ouvir o retumbar das manifestações do lado de fora, um organizador tomou o microfone e comentou: "Voltamos à época das catacumbas, quando tínhamos de discutir às escondidas".
O evento foi organizado pelo grupo Agro ESPM, que busca, segundo seu perfil oficial no Instagram, construir "uma ponte" entre o agronegócio e os alunos. "a fim de tornar o agronegócio um setor cada vez mais sustentável, tecnológico e eficiente", diz um post de 7 de fevereiro. O TAB procurou os organizadores no Instagram e por e-mail, mas não teve retorno até esta publicação.
Segundo relatos à reportagem, os organizadores estavam orgulhosos com a presença de Salles. Uns foram hostilizar os manifestantes, à distância: enquanto o protesto ocorria na rua, na saída dos carros do campus, integrantes do Agro ESPM ficaram na grade do estacionamento. Quase se iniciou uma briga, logo dissipada por seguranças.
Quem convidou
Formado por alunos de relações internacionais, ciências sociais, administração e outros cursos, o Agro ESPM promove workshops, rodas de conversa e networking. Atua em parceria com grupos semelhantes em outras instituições, como Agro Mack, no Mackenzie, Agro Insper, Agro Ibmec, AgroFaap e FGV Agro — todos foram marcados nos stories de Lucas Bove (PL), candidato a deputado estadual que estava junto de Salles.
Além da ESPM, Salles já conversou com alunos do Ibmec e se ofereceu para ir à Faap (Fundação Armando Alvares Penteado). "Tô à disposição", diz o ex-ministro no vídeo postado pelo grupo AgroFaap.
O estudante bolsista de cinema Lucas Massuela, 23, integrante do grupo Movimenta ESPM, conta que conversou com seguranças do político e diz que eles pretendiam entregar panfletos e santinhos de Salles que estavam no carro. O tumulto os teria impedido. "Perguntei para confirmar que estavam fazendo campanha na faculdade."
Estudantes ouvidos pela reportagem disseram que muitos alunos estão insatisfeitos e pedem esclarecimentos da ESPM.
Ao TAB, a instituição afirma que o evento "não foi uma iniciativa da ESPM e não contou com a participação de diretores" ou docentes. A faculdade diz que decidiu ceder o auditório para o evento promovido por "núcleos de estudantes de seis universidades particulares" por considerar que a universidade é um espaço por excelência de estudos e discussões, e que agronegócio e sustentabilidade são assuntos relevantes para a sociedade. "A ESPM é uma instituição apartidária, que incentiva e defende a diversidade de ideias e opiniões."
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