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'Tormento muito grande', diz irmã de entregador de iFood morto no Rio

Yuri Fontes, entregador de app morto em maio: família não sabe o que aconteceu no acidente - Luciana Fontes/Arquivo Pessoal
Yuri Fontes, entregador de app morto em maio: família não sabe o que aconteceu no acidente Imagem: Luciana Fontes/Arquivo Pessoal

Daniele Dutra

Colaboração para o TAB, do Rio

14/09/2022 04h01

O almoço de 15 de maio, um domingo, foi abreviado às pressas quando Luciana Fontes, 38, recebeu uma ligação. Seu irmão de 24 anos, entregador de iFood, havia sofrido um acidente de moto quando estava a caminho de uma entrega. Ao lado do lanche, intacto, o corpo de Yuri de Souza Fontes estava caído na avenida Abelardo Bueno, na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio. Sem o irmão e um responsável pela morte, a família segue em busca de respostas.

"Não sei explicar para a mãe dele como o filho dela morreu. Ela tem crises de ansiedade diariamente e isso faz com que a pressão suba. Nem remédio está controlando. É um tormento muito grande não saber o que aconteceu, se foi o ônibus ou se foi o Ford Fusion que matou meu irmão", disse Fontes, em entrevista ao TAB.

Yuri de Souza Fontes trabalhava havia mais de um ano como entregador de lanches no iFood. Com extensa carga horária, o jovem tirava um pouco mais de um salário mínimo por mês. No dia do acidente, saiu perto do meio-dia da casa onde mora com a mãe, uma irmã gêmea e um irmão em Sepetiba, na zona oeste da cidade.

O entregador buscou o pedido e foi em direção ao destino, mas a viagem foi interrompida após ele colidir e cair com a moto no meio da pista. A notícia chegou no WhatsApp de Yago Fontes, irmão da vítima, com um um vídeo do acidente. Ele reconheceu a placa da moto e imediatamente, avisou a Luciana.

Assim que chegaram ao local, os irmãos tiraram fotos da cena, filmaram e questionaram um policial militar sobre o que havia acontecido, mas, segundo a família, o PM informou que Yuri tinha caído sozinho. Em seguida, Luciana relata que o mesmo policial disse que não viu nada e que não havia testemunhas. Imagens de câmeras de segurança, obtidas depois pela família, mostram esse mesmo agente conversando com o motorista de um ônibus.

"O PM diz que não viu nada porque foi socorrer uma suposta vítima de assalto. Já outro entregador disse que viu um Fusion preto atropelando Yuri. A perícia foi ao local e eu me encaminhei até a delegacia. Dias depois, por algum motivo não explicado, me falaram que a perícia não havia sido feita", relata Luciana.

O caso está sendo investigado pela 32ª DP, que ficou de recolher as imagens das câmeras para auxiliar nas investigações. Passados 60 dias do acidente, Luciana conta que descobriu que a delegacia não havia pedido nenhuma imagem para o Centro de Operações Rio, que cuida de todo o monitoramento das vidas públicas da cidade.

Em meio ao luto, a família tentou obter o auxílio funeral oferecido aos entregadores pelo iFood, no valor de R$ 5.000, mas não conseguiu contato com a empresa. Após 11 dias da morte de Yuri, a conta do jovem foi bloqueada por "má conduta dentro da plataforma". A irmã acredita que isso tenha acontecido porque o último lanche não foi entregue.

Após a repercussão do caso na imprensa, por uma reportagem do site The Intercept Brasil, a empresa emitiu uma nota. "Apesar da decisão inicial da seguradora de não realizar o pagamento do seguro por conta de o entregador estar usando um perfil de terceiro, esclarecemos que o iFood tomou as medidas necessárias e que a indenização pelo falecimento do Yuri será paga à família do entregador nos próximos dias."

O iFood informou à família que Yuri estava utilizando uma conta fake — o nome, a foto e a numeração da CNH eram suas, mas e-mail, conta bancária e CPF eram de sua namorada. Motoqueiros e familiares consultados pela reportagem disseram que, como os entregadores sofrem constantes bloqueios pela empresa, Yuri deve ter criado a conta para não ficar sem trabalhar.

"Depois de todo transtorno, o iFood me ligou, se solidarizou e ofereceu o auxílio psicológico, para a mãe e a irmã gêmea, além do auxílio funeral. Estamos aguardando. Além de encarar o luto e viver novamente a dor da perda, temos de lidar com todas as burocracias", contou Luciana.

A família também deu entrada no DPVAT, um seguro social que indeniza vítimas de acidentes de trânsito. A seguradora, contudo, alegou que no registro de ocorrência não há informações básicas, como nome do delegado e horário da ocorrência. Por falta de dados, o DPVAT não liberou a indenização. O enterro precisou ser pago pelos parentes de Yuri e o valor foi dividido em 10 vezes no cartão de crédito.

Capacete de Yuri de Souza Fontes, morto em acidente de trânsito - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Capacete de Yuri de Souza Fontes, morto em acidente de trânsito
Imagem: Arquivo pessoal

'Estamos tentando chegar ao autor'

O caso está sendo investigado pela 32ª DP, na Taquara. A delegacia informou à reportagem que trabalha para solucionar o caso da morte de Yuri, mas a equipe está lidando com algumas dificuldades.

Segundo a Polícia Civil, a perícia foi feita e concluída, mas o documento informa que "deixa o perito criminal de apresentar a causa do acidente por falta de elementos técnicos que determinem o motivo do descontrole de direção por parte do condutor do veículo".

O Ford Fusion citado pela família está sendo investigado. Em depoimento, o motoboy ouvido como testemunha afirmou que viu uma discussão de trânsito entre o motorista do veículo e o entregador, mas o crime em si ele não presenciou.

O motorista de ônibus apontado pela família também foi ouvido, mas negou a autoria do crime. Ele contou que ouviu um barulho no veículo e garantiu que não houve nenhuma colisão com ele.

"O que se sabe é que o Ford Fusion, carro que pode estar envolvido, não tinha placa. O motorista de ônibus nega o envolvimento. Há uma imagem dessas câmeras que giram, mas ela não mostra o acidente. Quando a câmera virou para o local do fato, a vítima já estava caída no chão. Ainda estamos tentando chegar no autor, mas a investigação está acontecendo, estamos trabalhando", disse ao TAB o delegado Angelo Lages, titular da 32ª DP.

Entre junho e julho, a delegacia fez dois pedidos de câmeras de segurança, um para um posto de gasolina e outro para a Prefeitura do Rio, na tentativa de chegar à cena do crime. Luciana acredita que a demora no pedido das imagens pode ter sido prejudicial.

Yuri de Souza Fontes, morto em acidente de trânsito, em foto feita pela própria irmã, chamada às pressas para ir ao local do acidente - Luciana Fontes/Arquivo Pessoal - Luciana Fontes/Arquivo Pessoal
Yuri de Souza Fontes, morto em acidente de trânsito, em foto feita pela própria irmã, chamada às pressas para ir ao local do acidente
Imagem: Luciana Fontes/Arquivo Pessoal

Traumas familiares

Essa foi a terceira grande perda para a família. Yuri é o mais novo de cinco irmãos. Há 18 anos, eles precisaram enterrar o pai e o quinto irmão, após um assassinato.

"Meu pai era policial militar e foi assassinado com um dos irmãos, um dia após o aniversário dele. Na época ele tinha 19 anos e tinha acabado de entrar no Exército", lamenta Luciana.

Carinhoso, alegre, brincalhão e amigo. Era assim que Yuri era visto pela família e amigos, que chegou a fazer uma manifestação após a declaração da polícia de que o motivo da morte havia sido apenas uma queda. "Ele estava se esforçando nessa atividade de entregador, com objetivos e planos. Tudo isso é muito difícil", conta a irmã mais velha.

No laudo do IML, a causa da morte é descrita como "traumatismo craniano com hemorragia, provocado por ação contundente e desconhecimento da dinâmica do evento". De herança, restaram o vídeo do acidente, o capacete ensanguentado, o luto e a angústia sobre o que realmente aconteceu.