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Nos jingles, palavra mais cantada é 'esperança'; Bolsonaro aposta em 'Deus'

O presidente Jair Bolsonaro com a primeira-dama Michelle, no lançamento de sua candidatura à reeleição durante a Convenção Nacional do PL, no Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress
O presidente Jair Bolsonaro com a primeira-dama Michelle, no lançamento de sua candidatura à reeleição durante a Convenção Nacional do PL, no Rio de Janeiro
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress

Do TAB, em São Paulo

01/10/2022 04h01

"Esperança" é a palavra que guiou as campanhas eleitorais deste ano. O sentimento é antigo aliado de qualquer candidato desde a redemocratização do Brasil, mas agora, num cenário devastado pela pandemia e a alta de preços, parece ganhar ainda mais tração. Tanto é que o antológico jingle de Luiz Inácio Lula da Silva, "Sem Medo de Ser Feliz", criado em 1989 por Hilton Acioli, foi logo resgatado pelo petista na busca pelo seu terceiro mandato.

Se naquela época artistas como Chico Buarque, Gilberto Gil e Djavan cantavam "Lula lá, cresce a esperança", o mais efetivo jingle da história das eleições — segundo rara unanimidade entre quem trabalha com marketing político — foi regravado com novas vozes e sutis alterações na letra. A esperança ainda é o tema central. Mas em 2022 ela não "cresce", e sim, "renasce".

O jingle de 33 anos serviu para o que os profissionais da área chamam de música-guia. Aqui, o tom é mais poético. "É uma carta de intenção ao eleitor, busca gerar empatia", explica Marcelo Vitorino, consultor de marketing político e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). "Na hora da rua, você muda esse tom, aí é necessário uma música estimulante. A rua precisa praticamente de um frevo."

Em tempos de TikTok, a campanha de Lula apostou numa pisadinha para levantar a militância. O jingle "Lula é o Brasil da Esperança" (que ficou conhecido pelo refrão 'Faz o L, faz o coração grandão') botou no caldeirão referência ao funk "Desenrola Bate Joga de Ladin" e coreografia. Tudo embalado no ritmo do forró eletrônico em sua quintessência: base no teclado e harmonia crescente no refrão, apelando para a emoção e aquele antigo sentimento: "Há de vir o sol, nosso povo vai brilhar / O Brasil todo te chama / A esperança tem nome / O Brasil da esperança é você."


A "esperança" é repetida ainda mais por azarões e estreantes na disputa. Para a mulher mais bem posicionada nas pesquisas, o sentimento é protagonista, como o próprio nome do jingle diz: "Simone, a nova esperança do Brasil". A levada de sertanejo mais lenta faz a cama para destacar a trajetória da novata Simone Tebet durante a CPI da Covid e a apresenta como alguém para "arrumar a casa".

O compositor desse e de outros jingles da emedebista é Felipe Soutello, o próprio coordenador da campanha. Há peças musicais no ritmo de samba-enredo, que serve para posicioná-la na disputa, relembrando a campanha "Ele Não" contra Bolsonaro na eleição de 2018, com uma pequena mudança: "Eles não, ela sim." Já o jingle no ritmo da pisadinha foi mais usado na agenda de rua. "Ajuda a fixar o nome e o número. É uma estratégia que a gente chama de 'empurrar o chão'", diz o compositor e coordenador da campanha.

Músico por hobby

Soutello é conhecido de antigas eleições. Já trabalhou na coordenação das candidaturas de José Serra, Fernando Henrique Cardoso e Bruno Covas. Em paralelo ao trabalho político, ele toca bateria como hobby e se considera um músico amador. "Em quase todas as outras campanhas eu escolho o ritmo, escrevo alguma coisa, uma linha, faço um ajuste ou outro. Para ela, escrevi todos", orgulha-se.

Como estrategista, ele diz ter se inspirado em duas palavras-chave para definir o "mood" da campanha: "amor" e "coragem". Assim, as trilhas musicais (utilizadas sem letra ao fundo) são um pouco mais lentas que de costume. "São duas nuances que permitem o tom emocional, é mais lento porque eu conto a história de quem ela é. E deu certo", avalia. Após o início da campanha eleitoral, Tebet se tornou mais conhecida e saltou de 2% para 5% — chegando até mesmo no coração das eleitoras evangélicas.

Assim como Tebet, com quem rivaliza a terceira posição nas pesquisas, Ciro Gomes (PDT) foi mais fundo. Nesta eleição, ele apostou numa personagem, o "Rebelde da Esperança". Poderia ser o título de um novo episódio de Star Wars, mas é o nome do jingle na levada do rock e do rap, com direito a adaptação de um verso de "Sujeito de Sorte", de Belchior: "Tenho um amigo de fé / tenho tudo que eu prefiro / pro Brasil ficar de pé, estou ao lado do Ciro".

Para Soutello, a palavra caiu como uma luva na candidatura de Tebet. "É uma palavra feminina. Quando a gente pensa em proteção, a gente já se conecta com a mulher", observa. Além de "esperança" (repetida 5 vezes), a palavra mais citada nos jingles é "mulher" (7): "'Mulher' é uma afirmação. Elas são 53% do eleitorado. Este é o diferencial dela entre os dois [Lula e Bolsonaro]."

No geral, as campanhas fazem pesquisas qualitativas para entender o sentimento das pessoas em torno de uma eleição ou de um nome específico. É daí que uma palavra ou termo aparece para guiar o tom da campanha, de um slogan ou de um jingle.

Para Marcelo Vitorino, a principal função do jingle é fazer o eleitor assimilar mensagens sem perceber. "A música tem que chegar na pessoa que não gosta de política. Tem que falar sobre sem ser chato."

O consultor observa que a palavra-chave desta eleição conversa bem com boa parte do eleitorado. "É difícil encontrar uma palavra para refletir o que todos pensam, mas para a população com preocupação financeira e alimentar, esperança me parece a melhor."

"Esperança" só não aparece nos jingles do candidato à reeleição Jair Bolsonaro, justamente por ele estar na presidência. "Tecnicamente, ele não pode falar de renovação por ele ser situação. Isso ele não pode vender."

Sem 'esperança' mas com 'Deus'

Nem por isso, o carro-chefe dos jingles de Bolsonaro soa menos efetivo. "Capitão do Povo" é uma música bem gravada e produzida pela dupla sertaneja Mateus e Cristiano. Começa com o Hino Nacional em solo de guitarra e parte para o chamamento na primeira estrofe: "Alô Brasil, é o capitão do povo que vai vencer de novo / Ele é de Deus, cê pode confiar, defende a família e não vai te enganar". A letra ainda conta com arroubos messiânicos, como "salvação do nosso Brasil" e "no mito eu boto fé".

A escolha pelo sertanejo busca identificação com a área rural do país. Goiás, espécie de sede do gênero musical, é também onde Bolsonaro ainda está à frente de Lula, com 44% contra 35%, segundo a última pesquisa Ipec.

Como sinal para outra base fiel, os evangélicos, "Deus" ganha destaque como em nenhum outro jingle nesta eleição (é citado três vezes, assim como a palavra "família"). Outro que sempre apostou nessa temática é o nanico José Maria Eymael (DC), que há mais de duas décadas lembra seus eleitores de que é "um democrata cristão."

No fim das contas, a disparidade entre os jingles de Lula e Bolsonaro reflete a polarização das ruas. "A campanha de Lula é mais inspiracional, fala na volta aos tempos áureos. Do outro lado, temos uma música mais messiânica, num tom gospel. Você tem a contraposição: avanço social versus a perspectiva de conservadorismo moral. Isso fica claro tanto na escolha dos ritmos quanto nas letras", observa.

Saudade do ex

Na campanha lulista, "Deus" aparece somente num forró lento, usado em algumas peças televisivas. A letra, que parece ter saído das sofrências de FM, fala em "saudade do ex" — servindo para um ex-namorado ou um ex-presidente: "Você nunca me abandonou / tinha casa, comida, motinha, charanga / depois de você, desandou", chora a letra.

A música de mensagem cifrada, que poderia ser um hit de rádio, é uma tendência entre os jingles. É o filão do cearense Karkará, cantor de forró que se especializou em montar repertório em duas frentes, servindo tanto para seus shows como para embalar campanhas políticas. "O Homem Disparou", por exemplo, foi grande sucesso nas eleições municipais de 2020 e embala a campanha de Fernando Collor ao governo de Alagoas este ano.

Nesta seara, Karkará diz não ter muito espaço para "esperança". "A imagem que todos me pediram esse ano é o da pessoa querida, simpática, do povo, um cara querido. Não pediram nada de Deus ou trabalho", explica. "Já vou preparar as próximas assim para a eleição de 2024."

O consultor Marcelo Vitorino nota que o filão serve para encorpar o repertório das campanhas. E de fato — há muitos jingles pré-fabricados feitos por apoiadores de outros Estados.

Bolsonaro, neste caso, é mais uma vez a exceção à regra. Sua campanha tem na manga dois jingles em ritmo de marchinhas e mensagens literais sobre o "Auxílio Brasil", projeto que acreditavam ser o grande puxador de votos: "Alô, alô, meu Brasil / Bolsa Família não existe mais / Agora é Auxílio Brasil / de no mínimo 600 reais".

Com campanhas eleitorais de Gilberto Kassab em 2008, José Serra em 2010 e Marcelo Crivella em 2016 no currículo, o consultor de marketing político nota que a estratégia varia de candidato, mas a ausência do número da legenda pode ser um tiro no pé. Bolsonaro trocou de partido durante sua gestão e não enfatiza o novo número em quase nenhum jingle — com exceção de paródias feitas por seus apoiadores, como na música que o jogador Neymar fez questão usar (e dançar) num vídeo recente.

Lula durante evento de campanha de 2022 fazendo transmissão online em página oficial - Ricardo Stuckert/Campanha Lula - Ricardo Stuckert/Campanha Lula
Lula e Janja durante evento de campanha fazendo transmissão online
Imagem: Ricardo Stuckert/Campanha Lula
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O candidato bolsonarista ao governo de São Paulo não repetiu o erro. O ex-ministro Tarcísio de Freitas ganhou do cantor e apoiador Latino uma paródia do sucesso "Me leva", em que seu número na urna aparece bem marcado. Para especialistas, faltou mesmo enfatizar a relação do carioca com o Estado de São Paulo que ele quer governar.

Nessa troca de partidos e domicílios eleitorais, muitos candidatos apostaram em jingles para enfatizar suas raízes. Tentando uma vaga no Senado pelo Paraná, o ex-juiz Sérgio Moro deixou de lado o tema da corrupção e o antipetismo para avisar aos eleitores que ele "nasceu em Maringá", "trabalhou em Cascavel" e "foi juiz em Curitiba". "Sergio Moro é pé-vermelho", diz a música — em referência à expressão regional que identifica os trabalhadores oriundos da região norte do Paraná.

O único que parece se comprometer diretamente com o sentimento antipetista é Eduardo Cunha, que tenta voltar à Câmara Federal após ser preso pela Lava-Jato. A letra renova a promessa: "Tirou a Dilma e o governo do PT libertando nosso povo / e se o PT voltar, ele vai tirar de novo".

Para Vitorino, apesar de esta ser uma eleição com características próprias, não há como tirar do horizonte um sentimento conhecido de outras disputas. "A questão ainda é: quem vai ganhar, o medo ou a esperança?"