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Eleitora de Bolsonaro: 'Para nós, pesquisas não significam nada'

Apoiadores de Jair Bolsonaro lotam Avenida Paulista no Sete de Setembro - Cris Faga/Folhapress
Apoiadores de Jair Bolsonaro lotam Avenida Paulista no Sete de Setembro Imagem: Cris Faga/Folhapress

Sibele Oliveira

Colaboração para o TAB, de São Paulo

16/10/2022 04h00

As lembranças de 2 de outubro não são boas para Juliana Rosa de Almeida, 38. Ela ficou triste com o mau desempenho dos candidatos em que votou — ainda mais por Lula não ter sido eleito no primeiro turno, já que as últimas pesquisas eleitorais apontavam que isso poderia acontecer. A professora de português se agarrou a essa esperança. Por ser evangélica, também se valeu da fé. Mas, no fim da noite, viu sua expectativa frustrada. Para alguém com diagnóstico de ansiedade e depressão, como ela, o golpe foi duro.

Passou a segunda-feira jogada num canto de sua casa-escritório, no Jardim Antártica, na zona norte de São Paulo. Ao saber que Fábio Faria, ministro das Comunicações, havia pedido aos eleitores de Jair Bolsonaro que não respondessem às pesquisas eleitorais no segundo turno, confirmou sua desconfiança. Não se tratava de um erro dos levantamentos. Os resultados se deviam ao "jogo sujo" do presidente e de seus apoiadores, o que explicava a grande diferença entre pesquisas e votos para cargos como governador e senador por São Paulo.

A professora vê a suspeita de fraude, levantada pelos bolsonaristas, como parte de uma estratégia para contestar uma eventual derrota. "Se Lula ganhar, vão dizer que teve fraude nas urnas, nas pesquisas. Eles têm que desacreditar o sistema democrático para implodir os institutos de pesquisa, o STF etc. É tudo orquestrado, planejado para justificar uma intervenção militar. A gente está vivendo um contexto muito parecido com o da Alemanha nazista, com o que foi feito lá. Nos cabe agora prestar atenção e lutar para que a história não se repita."

Na empresa em que trabalha, no bairro de Mirandópolis, Raquel Benevides Pessoa, 40, fez uma pausa para conversar com o TAB. O descompasso entre pesquisas e votos não a assustou. Terminada a apuração do primeiro turno, a cearense de Fortaleza, que morou em Brasília por 10 anos e depois fixou residência na capital paulista, sentiu cansaço ao pensar que o caos político ia se arrastar por mais um mês.

Convivendo diariamente com estatísticas, por ser publicitária, reagiu ao resultado das eleições com naturalidade. "Dentro da atual circunstância de muita indecisão do eleitor, acho muito viável uma virada de chave. Essa patinada de não ter certeza de em quem votar, de ficar virando voto, é muito possível. Por isso o que a gente via na pesquisa não aconteceu na prática." A polêmica, para ela, serve apenas para tirar o foco de notícias negativas do governo.

Pessoa tanto acredita nas pesquisas que, quando saiu a primeira, mostrando Lula à frente, animou-se e foi para as ruas, decidida a conseguir mais votos para ele. Vê os levantamentos como tendências e se baseou neles para não votar em candidatos que, mesmo sendo seus preferidos, provavelmente iam vencer, como o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP). Assim, ampliou as chances de outros, com os quais se identificava, serem eleitos.

Raquel Benevides Pessoa trabalha com estatísticas e achou normal o resultado das urnas no primeiro turno - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Raquel Benevides Pessoa trabalha com estatísticas e achou normal o resultado das urnas no primeiro turno
Imagem: Arquivo Pessoal

Influência e jogo de interesses

Depois de visitar uma obra na zona rural de Conceição das Alagoas, Minas Gerais, Hiago Kayan, 30, pegou a estrada rumo a Uberaba. Chegando ao destino, parou o carro e conversou com a reportagem sobre as eleições. Ele, que votou nulo no primeiro turno para presidente, não ficou intrigado com os números, pois foi fiel a conversas que teve com pessoas país afora. Disse que está acostumado a ver levantamentos suspeitos em suas andanças por cidades pequenas, que são rotina no trabalho como engenheiro civil — principalmente em pleitos municipais.

"Tem o prefeito A e o B. Sempre que o prefeito A solta uma pesquisa, ele ganha. Sempre que o prefeito B contrata uma pesquisa e o resultado sai, ele está à frente", afirma ele, sem citar casos específicos.

Dono de uma empresa em Paramirim, no centro-sul da Bahia, onde mora, o paulistano não duvida de manobras — só não sabe como são feitas. "Se as pesquisas não são manipuladas, pelo menos as pessoas são previamente escolhidas. A escolha não é aleatória." Ele afirma que vai anular o voto novamente no segundo turno.

Hermes Peruchi Silva, 29, que trabalha na Penha, na zona leste de São Paulo, conta que tempos atrás não se envolveria na discussão. Estava na faculdade quando começou a acompanhar a política, em meados de 2013, durante as crises do segundo mandato de Dilma Rousseff. Influenciado pelo pai, identificou-se com os discursos da esquerda por um tempo. Depois, com os de direita. Hoje não se encaixa totalmente em nenhum.

O engenheiro civil, que anulará o voto para presidente no segundo turno, como fez no primeiro, desconfia que as pesquisas sofram alterações em prol dos interesses de apoiadores ou opositores do governo atual. Sente que existe manipulação para induzir votos pelo "efeito manada", já que muita gente tende a copiar o que todo mundo está fazendo. Silva sabe o que é ser influenciado pelas projeções. Ele mesmo já foi — mas por outro motivo.

Em 2018, queria ver João Amôedo na presidência. Como as pesquisas apontavam que o candidato do Partido Novo não tinha chances, votou em Bolsonaro para tirar o PT do poder. Arrependeu-se. "Se a gente não buscar votar em quem a gente realmente acredita para fazer algo bom, não compensa. Não compensa gastar o voto com o menos pior. O menos pior, na verdade, acaba sendo tão ruim quanto." Para o engenheiro, voto útil nunca mais.

O engenheiro Hermes Peruchi Silva - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O engenheiro Hermes Peruchi Silva, em São Paulo
Imagem: Arquivo Pessoal

Levantamentos em xeque

Com os resultados do primeiro turno, muita gente passou a contestar as pesquisas. Um dos questionamentos é o universo pequeno de pessoas entrevistadas, embora ele seja definido a partir de uma série de projeções e estudos, de modo a representar a totalidade do eleitorado. Leia mais aqui. Outra dúvida é sobre a seleção de quem participa dos levantamentos. As amostragens usadas nas pesquisas partem de critérios técnicos e dados do IBGE e do TSE para estabelecer as proporções de cada grupo etário e socioeconômico a ser ouvido.

A paulistana Ana Maria Carlos, 67, recebe um volume tão grande de mensagens pró-Bolsonaro, principalmente no WhatsApp, que usa as madrugadas para dar conta de todas. O dedo chega a doer. A aposentada mostrou para a reportagem os vídeos, artigos e gráficos. "Ah! Meu Deus! Bolsonaro tem que ganhar", exclamou.

Como muitos brasileiros, ela tenta filtrar o que é verdade nessas informações, mas geralmente confia nelas. Uma pesquisa do Instituto Reuters, ligado à Universidade de Oxford (Inglaterra), divulgada no fim de setembro, apontou o Brasil como um dos países onde mais se confia em conteúdos recebidos por WhatsApp (53%). O crédito dado ao que circula nesses grupos supera ao dado à imprensa — apenas 27% dos brasileiros dizem confiar especificamente na cobertura política da mídia jornalística.

Ana Maria Carlos levou um susto na apuração dos votos. "Na minha cabeça, achei que Bolsonaro ganharia no primeiro turno, com uns 65%, pelo que via em reportagens, fora reportagens da Globo, porque essas eu não vejo. Para os bolsonaristas, as pesquisas não significam nada."

Não é apenas o conteúdo que chega ao seu celular que lhe dá a certeza de que os levantamentos são fora da realidade. Para ela, as manifestações apinhadas de gente das quais participa e a quantidade de candidatos que Bolsonaro ajudou a eleger no primeiro turno são provas da manipulação para prejudicá-lo. Embora ache os números mentirosos, teme a influência deles. "Fico nervosa porque não sei para onde o eleitor indeciso vai", disse.

Rodrigo Souza, 47, e Sirlei Sotta Lopes, 53, também achavam que Bolsonaro seria eleito no primeiro turno, pois o que mais ouvem atrás do balcão de sua loja de informática é gente declarando voto nele. Além disso, participam de manifestações e motociatas que reúnem, segundo eles, multidões. Motivos suficientes para não confiarem nos dados estatísticos. "Parece que quem paga as pesquisas leva o resultado. Elas não inspiram confiabilidade", a contadora se apressou em dizer.

O marido, por sua vez, questionou a metodologia. "Como uma pesquisa de 2 mil pessoas pode dar o resultado de 150 milhões de pessoas que votam? Não tem coerência. É muito pouca gente para pesquisar."

Somado a isso, os "erros" que vê eleição após eleição deixam o comerciante com o pé atrás. E não é só. Também fica desconfiado por nunca ter sido entrevistado por um instituto de pesquisa, ainda mais trabalhando há 18 anos numa região movimentada como o centro de São Paulo.

Por essas e outras, Rodrigo e Sirlei anseiam pela CPI dos institutos de pesquisa. "Se abrir a CPI e criminalizar o que está acontecendo, os responsáveis, isso vai acabar. Ninguém quer ser preso, responder a um processo. Se tem compra de pesquisa, não terá mais", afirmou o comerciante. Sem saber se o requerimento para a criação da CPI irá vingar, já que não há previsão de quando será apreciado, e depois que os inquéritos da PF e do Cade contra os institutos foram suspensos pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, os dois se ocupam com a expectativa de ver o mandato do Bolsonaro durar mais quatro anos.