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Novatos e experts veem chance de faturar no leilão dos Correios em SP

Os recém-casados Elvis Presley de Jesus Santos e Josivânia dos Santos Silva visitaram os galpões dos Correios para checar se algo nos lotes podia ser usado na casa nova que estão montando - Rogério Fernandes/UOL
Os recém-casados Elvis Presley de Jesus Santos e Josivânia dos Santos Silva visitaram os galpões dos Correios para checar se algo nos lotes podia ser usado na casa nova que estão montando
Imagem: Rogério Fernandes/UOL

Sibele Oliveira

Colaboração para o TAB, de São Paulo

23/10/2022 04h00

Nos corredores do terceiro andar de um dos blocos do edifício-sede dos Correios, na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, o silêncio era quebrado pelo vaivém de carrinhos de transporte de carga que carregavam grandes pacotes. O barulho podia ser ouvido na sala pequena - comparada ao conjunto de prédios da empresa pública, que ocupa um quarteirão inteiro — onde estavam expostas as amostras dos mais de 41 mil objetos que serão leiloados nesta segunda-feira (24).

Não era só a quantidade de itens que chamava atenção. Era também a frase impressa nas folhas coladas nas dez enormes caixas, acomodadas em cima de pallets: CLI - Central de Refugo. A palavra, que tem entre seus significados "sobra" e "resto", não parecia fazer jus aos objetos novos e caros contidos nos lotes, como notebooks, celulares, drones, equipamentos musicais e acessórios para carros.

Havia, no entanto, uma razão para os itens serem considerados como tal. Até chegar ali, eles tinham passado por três tentativas de entrega ao destinatário e mais sete dias para que fossem retirados numa agência próxima ao endereço — isso no caso do Sedex. Depois, mais três tentativas de devolução ao remetente e, novamente, a espera de sete dias numa agência próxima. Por fim, permaneceram os 90 dias de prazo para uma reclamação, que não ocorreu. Ou passaram por outras situações e terminaram esquecidos. Aquela sala era seu destino final.

Por ela circulavam diferentes tipos: o tímido casal de bolivianos que observou os lotes sem alarde e fez poucas perguntas a um funcionário; um pré-adolescente acompanhado do pai que ignorou a caixa de artigos infantis, mas cresceu o olho para os equipamentos eletrônicos. Um senhor de cabelos brancos e aparência jovial decidido a dar seus lances após uma rápida conferida nos produtos. Veterano de leilões, ele não quis falar com a reportagem do TAB para não entregar o "ouro" aos concorrentes.

Em outro momento, entrou na sala a novata Patrícia Rodrigues, 49, que soube do leilão pelo marido, que viu a notícia no jornal. A tarde ensolarada a animou a sair de casa, ali perto, para espiar os lotes. Olhou todos e se demorou mais nos de casa e utensílios do lar e microinformática. Observadora, reparou que as caixas estavam em bom estado. À primeira vista, nada parecia danificado. E ficou impressionada com a grande variedade de itens.

Teve ali a inspiração de começar outro trabalho, além do de marketing digital, que faz atualmente: divulgar e vender os produtos em redes sociais como o Instagram. Sabendo que eles não tinham garantia, pensou numa solução. "Na hora de fazer a revenda, vou testar tudo antes e falar para a pessoa. Não vou enganar. Tem que ser tudo certinho." Patrícia ficou de definir o valor dos lances com o marido para se lançar na nova carreira.

Patrícia Rodrigues soube do leilão e foi conferir os itens de refugo na sede dos Correios - Rogério Fernandes/UOL - Rogério Fernandes/UOL
Patrícia Rodrigues soube do leilão e foi conferir os itens de refugo na sede dos Correios
Imagem: Rogério Fernandes/UOL

A menina dos olhos

Ao contrário dela, a garantia era uma preocupação para Fábio Rodrigues, 38, interessado no lote que atraía a maioria dos visitantes: o de microinformática. "Se não me engano, não é possível acionar a garantia porque os produtos já foram vendidos e a nota fiscal está em nome de um terceiro", analisou. E não era só isso. Também ficou num impasse porque só podia ver os itens que estavam por cima, e não havia permissão para mexer na caixa.

"É um tiro no escuro. Igual aquelas caixas surpresa que a gente compra na internet e seja o que Deus quiser! Não dá para saber muito o que estamos comprando, se está funcional, se teve avaria no transporte. É sorte." Ainda assim, estava disposto a participar do leilão e ver onde os lances iam chegar. Se conseguisse arrematar os produtos, a empresa em que trabalha iria revendê-los. E seguiria participando de pregões parecidos.

Como Rodrigues, a maioria dos visitantes queria ganhar dinheiro com os itens. Jorge, 50, que não quis ter o sobrenome divulgado, chegou com essa finalidade. Foi a primeira vez que o empresário pensou em participar de um leilão, mas parecia saber bem onde estava pisando. O tino comercial veio da experiência de ter sido dono de uma confecção durante anos. "Quem é comerciante sempre quer entender a sistemática das coisas. Às vezes não é para fazer um primeiro negócio agora, mas para criar o sistema na sua cabeça."

Era de se esperar que Jorge se interessasse mais pelas roupas e calçados. Mas não. Sem espaço físico, esses produtos são complicados, explicou. Estava de olho no lote de microinformática, o mais fácil de ser comercializado, na opinião dele. Mesmo gostando das mercadorias, queria ter a certeza de que não estavam estragadas e não eram de segunda linha. "É importante a gente saber o que está fazendo. Senão acaba atrapalhando quem realmente pode arrematar", disse. Para isso, levou para casa a lição de estudar a licitação a fundo.

Na sala havia tanto estreantes no mundo dos negócios como quem estava nele há tempos. Esse era o caso de Priscila Cortese Gobbi, 50, que vende artigos importados em plataformas como Mercado Livre e Magalu. "Vi na lista que deveria ter itens que podem ter vindo de fora." Além dos produtos de informática, os brinquedos e acessórios como relógios e bijuterias também ganharam a atenção da engenheira, que pretende turbinar o estoque para o Natal. Por não ter um local amplo o suficiente para armazenar tanta coisa, pretende dar lances nos lotes menores.

De música à mobília da casa

Bastaram cerca de três meses para que os itens do leilão fossem acumulados. A quantidade pode causar admiração, mas é ínfima se comparada às 2 milhões de encomendas transportadas diariamente em todo o país. Apenas uma pequena parte das remessas não são entregues ou devolvidas. O volume dessa edição, apesar de grande, é menor que o reunido nas duas anteriores, que renderam um bom lucro aos Correios.

"Na primeira nós tivemos 200% de ágio, e na segunda, 300%", conta José Marcos Gomes, 48, superintendente estadual dos Correios de São Paulo Metropolitana. O montante foi usado na compra de veículos e melhoria de unidades dos Correios. Considerando os valores iniciais dos lances, que vão de R$ 1.603 a R$ 33.799 - baseados no preço registrado na nota fiscal dos produtos ou na declaração de conteúdo -, a estimativa é que este pregão arrecade, no mínimo, R$ 130 mil. Mas o executivo espera que esse número duplique ou triplique na hora das apostas.

Gente interessada não falta. Na plataforma Licitações-e, do Banco do Brasil, costumam se cadastrar pessoas de vários lugares do país. "No último leilão, tivemos uma venda para Goiás. O cliente veio especificamente para visitar o lote e fazer a compra", contou Gomes. Ficam de fora dos leilões, por exemplo, sucatas, que acabam sendo doadas. O mesmo vale para itens perecíveis, como alimentos e bebidas, que são descartados. Antes das licitações, parte dos objetos era doada, principalmente para cooperativas. O restante era aproveitado pelos Correios.

José Marcos Gomes, porta-voz dos Correios - Rogério Fernandes/UOL - Rogério Fernandes/UOL
José Marcos Gomes, porta-voz dos Correios
Imagem: Rogério Fernandes/UOL

O lote de cultura, que inclui livros, gibis, CDs, DVDs, discos de vinil etc., fica na lanterninha da preferência do público. Mas também encontra seu comprador. Um dos candidatos dessa edição é Silvio Golfetti, 55, que soube do leilão por um amigo de Fortaleza. Ele é um dos fundadores e ex-guitarrista da banda de metal Korzus, contemporânea à Sepultura. "Toquei em turnê europeia, nos Estados Unidos... até 2007. De lá pra cá, a gente tem uma gravadora. Continuo trabalhando com a banda, só que agora, do outro lado. Não mais no palco."

Também dono de uma distribuidora de produtos musicais, ao ver o lote o empresário ficou em dúvida se era exatamente o que ele veio buscar, já que estavam visíveis apenas alguns livros. Queria ter a certeza do que tinha debaixo daquela montanha toda, além de saber o que não estava na amostra, para ver se valia o investimento. A participação no pregão dos Correios dependeria do acervo de CDs e vinis, que precisava ser farto e variado.

Aí sim, o empresário tentaria arrematá-lo para revender. Exceto os livros, que doaria para instituições. Ficaria apenas com os de que gostasse mais, o que não é muito difícil para quem foi colecionador por muitos anos. Ele comprou várias coleções lançadas pela Folha de S.Paulo e editora Abril, que em breve podem ganhar companhia.

Quando Josivânia dos Santos Silva, 25, e Elvis Presley de Jesus Santos, 28, entraram, a sala já estava esvaziando. O casal analisou os lotes de bijuterias e informática, mas ao bater o olho nos utensílios domésticos e produtos para casa, concluiu que, se desse certo, eles viriam em boa hora. Isso porque os recém-casados, que moram em Osasco, estão construindo uma casa em Santana de Parnaíba e não veem a hora se mudar para ela. "Se Deus quiser, no meio do ano que vem vai estar pronta", calculou o técnico em telefonia.

O lote facilitaria a tarefa de mobiliar a casa, mas eles sabem que se o adquirirem, vão usar muito pouco do que contém nele. Não tem problema, porque vão vender o que sobrar. Assim como farão com o conteúdo dos outros dois lotes desejados. "Nunca participamos de um leilão. Estamos dispostos a participar e ganhar", disse a desempregada, abrindo um sorriso. No fim da tarde, restava aos 72 visitantes, que viram as amostras dos lotes na quarta e quinta-feira, segurar a expectativa até entrarem na disputa pra valer.